Rádio Câmara

Reportagem Especial

Tragédia em Mariana (MG): como tudo aconteceu

05/12/2016 - 08h01

  • Tragédia em Mariana (MG): como tudo aconteceu (bloco 1)

  • Tragédia em Mariana: as causas do rompimento da barragem do Fundão (bloco 2)

  • Tragédia em Mariana: afinal, o desastre poderia ter sido evitado? (bloco 3)

  • Tragédia em Mariana: omissões e falhas na fiscalização (bloco 4)

  • Tragédia em Mariana: a relação com o preço das commodities (bloco 5)

  • Tragédia em Mariana: número de acidentes parecidos é maior do que se pensa (bloco 6)

  • Tragédia em Mariana: os trabalhos da comissão externa sobre o caso (bloco 7)

  • Tragédia em Mariana: novos rumos para o novo Código de Mineração (bloco 8)

  • Tragédia em Mariana: propostas em análise alteram o licenciamento ambiental (bloco 9)

  • Tragédia em Mariana: como está a cidade histórica, um ano depois (bloco 10)

No dia 5 de novembro de 2015, uma quinta-feira, por volta de 3 e meia da tarde, o gerente geral de projetos da Samarco Mineradora, Germano da Silva Lopes, chegava ao estacionamento do prédio da Usina 2 do complexo, a cerca de 20 quilômetros de Mariana, quando foi abordado por um técnico de segurança chamado Delgado, da empresa terceirizada 2R.

Nervoso, o funcionário disse ter recebido um telefonema de alguém que dizia que algo tinha acontecido na barragem. Ele não sabia exatamente o quê e explicou que a ligação estava confusa.

Os dois se dirigiram à barragem e só então verificaram o rompimento. Quarenta milhões de metros cúbicos de lama já desciam o rio.

A falta de comunicação e informações precisas até mesmo entre os funcionários da empresa foi um dos elementos levados em consideração pelo Ministério Público para denunciar a Samarco e suas controladoras Vale do Rio Doce e BHP Billiton pelo desastre.

Também foram denunciadas a empresa terceirizada de engenharia VogBR e 22 pessoas, entre executivos e funcionários.

O gerente, um dos denunciados, disse que ao chegar ao local encontrou gente fugindo e usando o rádio para se comunicar.

Germano Lopes disse, ainda, ter ouvido relatos de que um motorista de caminhão que prestava serviço à Samarco e uma moça chamada Paula, de moto, desceram em direção a Bento Rodrigues para avisar os moradores que a barragem tinha rompido.

Para o Ministério Público, o relato mostra a total ausência de um plano de emergência e de qualquer mecanismo de alarme em caso de desastre.

Tudo foi improvisado. A lama soterrou Bento Rodrigues, situada 6 quilômetros abaixo, e prosseguiu como uma avalanche. Percorreu 50 quilômetros pelo rio Gualaxo até desaguar no rio do Carmo. Depois mais 20 até o rio Doce. E só perdeu velocidade 30 quilômetros adiante, ao bater na barragem da hidrelétrica de Candonga, que resistiu ao impacto no limite de sua estrutura.

A quantidade de rejeitos derramada foi cinco vezes maior que qualquer outro desastre do mesmo tipo já ocorrido no mundo.

Ao todo, a lama afetou quase 700 quilômetros de rio até chegar ao mar, 16 dias depois. No caminho, afetou 39 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, destruiu total ou parcialmente quase 200 fazendas, 400 casas, doze pontes, sete escolas, dois estabelecimentos de saúde, peixes, animais, vegetação. E matou 19 pessoas.

O número só não foi maior porque a Paula mencionada pelo gerente conseguiu avisar muitos moradores de Bento Rodrigues a tempo.

Trata-se de Paula Geralda Alves, moradora do povoado que trabalhava como terceirizada da Samarco no plantio de mudas de árvores para reflorestamento.

Uma das moradoras, Rosilene Gonçalves da Silva, confirma.

Rosilene Gonçalves da Silva: "O que foi avisado, a Paula, que vocês já sabem dela, ouviu pelo rádio comunicador do serviço dela e saiu correndo avisando na rua São Bento. Do outro lado, a minha irmã, que estava lá na área da companhia, que ligou para mim e falou comigo que eu chamasse as pessoas que estavam ali, que a barragem tinha estourado. Sabe quanto tempo durou desse telefonema até salvar as pessoas? Dez minutos."

Em seu depoimento à polícia, Paula contou que os moradores sempre tiveram medo da barragem e eram tranquilizados pela Samarco. A empresa dizia que não havia perigo. Ela disse ainda que nunca foi feito qualquer treinamento sobre o que fazer em caso de rompimento. E que não havia qualquer meio de comunicação caso a barragem rompesse.

Para Rosilene, se os moradores tivessem sido avisados quando a estrutura começou a ceder, pessoas e até objetos pessoais teriam escapado.

Rosilene Gonçalves da Silva: "Se a barragem começou a romper às duas horas da tarde, a quatro horas a lama desceu, não era tempo suficiente par que as pessoas saíssem, até com os bens de dentro de casa? Como que ela tem a capacidade de falar que as pessoas foram avisadas? Avisou a quem, sendo que tem telefone de todo mundo do Bento, fixo e celular, e-mails, e ninguém, nem uma pessoa sequer foi falado que foi comunicado pela Samarco para que saísse dali?"

Mas nem todos foram avisados.

Um dos moradores, Wesley Izabel, contou que estava na casa de um vizinho, Edmar, quando ouviu um barulho estranho e forte. Pensou que era um trator. Em seguida passaram pessoas correndo e gritando que barragem tinha estourado.

Achando que era mais seguro, Wesley entrou na casa de uma vizinha, Priscila, com os filhos Emanuelly e Nicolas nos braços. Percebeu uma lama preta escorrendo pelo chão e em seguida as paredes desabaram. Ao serem levados pela lama, as crianças se soltaram e Wesley se agarrou a uma árvore, que em seguida foi arrancada.

Wesley ficou à deriva na lama por quase meia hora, sofreu fratura exposta no tornozelo e escoriações por todo o corpo. Quando conseguiu chegar à margem, ouviu um choro de criança. Era seu filho Nicolas, resgatado por um vizinho chamado Arnaldo. O corpo de Emanuelly foi encontrado quilômetros abaixo.

Marcelo Belisário, superintendente do Ibama em Minas Gerais, compara o poder de destruição da lama à força de uma patrola, aqueles tratores usados para compactar o solo.

Marcelo Belisário: "Um metro cúbico de água pesa mil quilos, um metro cúbico desse rejeito pesa 4 mil, então ele fez um efeito de patrola, ele foi rasgando e varrendo o fundo do rio e as suas margens, a vegetação, tudo no caminho. Qualquer estrutura planejada, nenhuma é planejada para um evento dessa magnitude."

Os relatos dos sobreviventes de Bento Rodrigues são parecidos com o de Wesley. A dona de casa Darcy Francisca Santos também contou que estava em casa, com o neto Thiago, de sete anos, quando as paredes desabaram.

Ela se lembra de ter visto a criança gritando por Jesus antes de desaparecer. Dona Darcy conseguiu se agarrar a um colchão e acabou atolada na lama a 400 metros da casa. Foi resgatada horas depois por um helicóptero. O corpo de Thiago foi encontrado uma semana depois, a 50 quilômetros de Bento Rodrigues.

Luciano de Meneses Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, confirma que não viu em ação qualquer plano de emergência quando chegou ao local do desastre.

Luciano de Meneses Evaristo: "Quando nós chegamos no gabinete de crise, nós não vimos nenhum plano de emergência implantado, não vimos."

Logo após a denúncia do Ministério Público, a Samarco, por meio de nota, disse que as acusações desconsideraram as defesas e depoimentos que, segundo a empresa, comprovam que ela não tinha conhecimento de ameaça de rompimento da barragem.

Em depoimento à comissão externa da Câmara que acompanhou o caso, o diretor de Projetos da Samarco, Maury de Souza Júnior, disse que a empresa assumiria suas responsabilidades.

Maury de Souza Júnior: "A gente lamenta profundamente o rompimento da barragem ocorrido dia 5 e a gente tem a responsabilidade e sabe da nossa responsabilidade sobre os impactos sobre a população, as comunidades e ao meio ambiente. Nós entendemos que somos responsáveis pela enorme tarefa de tentar fazer o que é correto."

Os relatos que você ouviu foram feitos em audiências de uma comissão externa da Câmara que acompanhou o caso e no inquérito que investigou as causas do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais.

E o áudio foi retirado de gravações feitas por funcionários da Samarco e por moradores que testemunharam o desastre.

Quais foram as causas do rompimento da barragem do Fundão, que matou 19 pessoas? Confira no segundo capítulo da Reportagem Especial!

Reportagem – Antonio Vital
Edição – Mauro Ceccherini
Trabalhos Técnicos – João Vicente

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h