Rádio Câmara

Reportagem Especial

Doação de órgãos e transplantes: a lista de espera

22/02/2016 - 08h01

  • Doação de órgãos e transplantes: a lista de espera (bloco 1)

  • Doação de órgãos e transplantes: a recusa familiar (bloco 2)

  • Doação de órgãos e transplantes: o comércio ilegal (bloco 3)

  • Doação de órgãos e transplantes: o tráfico de órgãos (bloco 4)

  • Doação de órgãos e transplantes: os motivos para um transplante (bloco 5)

Silvana Fontoura ficou 11 anos esperando por um transplante. Em abril de 2001, ela descobriu uma hepatite autoimune, doença que estava provocando a degeneração do seu fígado. Por nove anos, ela fez tratamento e acompanhamento do quadro e, segundo a própria Silvana, passou bem esse período. Mas, a partir de 2010, a saúde começou a piorar e, em dezembro de 2011, sua posição na fila de espera por um fígado mudou. A partir daí, em pouco mais de 20 dias, um trágico acidente numa estrada mineira tirou a vida de uma mulher e deu nova vida a Silvana:

"Como eu não morava em Belo Horizonte, quando eles me ligaram, coincidentemente, eu estava em Belo Horizonte, e disseram: na sua frente tem um rapaz de Juiz de Fora, só que ele não chega em tempo hábil. Você consegue estar aqui dentro de uma hora? E, graças a Deus, eu estava em Belo Horizonte e cheguei dentro do prazo estipulado."

Silvana é mineira e mora em Brasília. Mas todo o tratamento e o transplante foram feitos em Belo Horizonte porque, à época, o serviço não existia na capital federal. A história dessa designer de interiores é um bom exemplo de como se organiza a fila de espera por um órgão para transplante. E a principal característica dessa lista é que ela não funciona por ordem de chegada. Quem me explicou isso foi a Patrícia Freire, coordenadora-substituta do Sistema Nacional de Transplantes:

"Não é uma fila assim: o próximo. [...] São condições médicas. Por exemplo, a pessoa que tem o tipo sanguíneo A não pode receber o órgão de quem tem tipo sanguíneo B. Por mais que ela seja primeira na lista, ela vai ser primeira na lista para um doador do mesmo tipo sanguíneo dela. Então, a gente chama de lista porque a lista não leva em consideração só a ordem cronológica, ela leva em consideração também o tipo sanguíneo, a compatibilidade. Quando é o caso de medula óssea e rim, ela leva em consideração a gravidade, aqueles que estão mais graves devem receber o órgão primeiro do que aquele que pode esperar um pouquinho mais."

O nefrologista Gustavo Guilherme Arimatea trabalha no Centro de Transplantes do Hospital Universitário de Brasília. Ele dá mais detalhes sobre os critérios médicos para organizar a espera por um rim:

"Uma pessoa faleceu, teve morte encefálica. Se a família aceitar fazer a doação dos órgãos, a gente vai fazer primeiro uma coleta de exames do doador e uma análise genética. Com esse resultado em mãos, a gente compara com todo mundo que está aguardando o rim, quem tiver maior compatibilidade genética ganha mais pontos. Outros critérios para essa pontuação: o tempo em lista conta um pouco também, se o paciente tem algumas condições específicas de saúde, como diabetes, ele ganha um pouco mais de ponto, se ele é um paciente que a gente considera como hipersensibilizado, ele também ganha um pouco mais de ponto. Então, faz esse somatório e quem ficar com mais ponto fica em primeiro lugar, segundo, terceiro e assim por diante. Então, a cada vez que a gente tem uma oferta, a gente gera um ranking diferente."

Portanto, a condição razoavelmente boa de saúde da Silvana Fontoura fez com que ela esperasse quase 11 anos pelo transplante. Mas, assim seu quadro de saúde piorou, ela ganhou prioridade na lista e, em poucos dias, conseguiu o transplante de fígado. Apesar da longa espera, Silvana concorda com o atual sistema de organização da fila, que foi alterado quando ela já aguardava pelo transplante:

"Até então, era por fila, independente do seu processo de saúde. Então, no meio do caminho, que entrou uma lei que era por prioridade. Eu fiquei tão feliz quando fiquei sabendo que era por prioridade, porque eu falava assim: eu estou bem, vai aparecer um cara pior do que eu e eu vou transplantar na frente dele, por quê?"

No início da reportagem, a Silvana contou que, antes dela, havia um rapaz na cidade de Juiz de Fora que teria prioridade para receber o fígado. Mas ela passou na frente porque ele não chegaria a Belo Horizonte a tempo de fazer a cirurgia. Isso porque cada órgão tem um prazo certo para ser retirado do corpo da pessoa falecida e um prazo certo para ser transplantado. Um rim, por exemplo, suporta até 48 horas sem sangue circulando dentro dele, desde que seja mantido em condições adequadas. A córnea fica até 14 dias. Mas o coração só suporta quatro horas fora do corpo. Isso se chama tempo de isquemia e é fundamental na hora de determinar quem vai receber cada órgão. A Patrícia Freire, do Sistema Nacional de Transplantes, explica isso melhor:

"A lista nacional é composta pelas listas estaduais, depois pelas listas regionais e a lista nacional. [...] Então, vamos supor que a gente tem um coração, um doador de coração situado no interior de Minas Gerais. Primeiro, a tentativa de distribuir é feita dentro do próprio estado de Minas até para que a gente consiga alocar esse órgão. Se fosse nacional e saísse um doador do Rio Grande do Sul ou de Roraima, a gente não conseguiria, por causa do tempo de isquemia, alocar esse coração. Quando não tem nenhum compatível na lista estadual, a gente oferece para a região, e se mesmo assim não tiver um compatível naquela região, a gente joga todo o Brasil e vê dentro do Brasil quem é o próximo e se a logística é viável para alocar esse órgão."

Com tantos critérios, como ter certeza de que essa ordem de prioridade está sendo respeitada? O deputado Baleia Rossi, do PMDB paulista, é autor de um projeto de lei que busca aumentar o número de doadores de órgãos. Segundo ele, a lista é confiável:

"A informação que nós temos é de que a lista é rigorosa e que aí não tem QI, não tem absolutamente nada que não seja técnico e que seja feito por médicos cadastrados para que possa receber ou não o órgão. Se for algo diferente disso, aí é um crime que nós não podemos nem comentar."

O Sistema Nacional de Transplantes tem um prontuário eletrônico. Segundo a coordenadora, Patrícia Freire, todo paciente legalmente inscrito na lista recebe um número e uma senha para acessar, via internet, o seu prontuário. Só o doente ou seu responsável legal pode entrar no sistema, que mostra toda a sua evolução na lista. Se, ali, ele identificar que um paciente recebeu o órgão na sua frente, o paciente pode, com essa informação em mãos, questionar os médicos e as autoridades responsáveis pela lista.

Conheça, no segundo capítulo da reportagem, os motivos pelos quais as famílias se recusam a doar os órgãos de um parente falecido.

Reportagem – Verônica Lima
Edição - Márcio Sardi e Mauro Ceccherini
Produção - Lucélia Cristina e Cristiane Baker
Trabalhos técnicos - Carlos Augusto de Paiva

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h