Rádio Câmara

Reportagem Especial

Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos

03/11/2014 - 00h01

  • Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos (bloco 1)

  • Dados apontam fragilidade no controle sobre uso de agrotóxicos (bloco 2)

  • Pesquisadores cobram incentivos para reduzir uso de agrotóxicos (bloco 3)

O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. As consequências negativas são várias, assim como as soluções apontadas por especialistas para o problema. Mas as saídas – nem sempre simples – mexem com costumes e diferentes interesses econômicos.

Todo brasileiro precisa estar atento. Levar hoje alimento à mesa vai além de uma escolha por preço e informação nutricional. Significa também estar consciente da quantidade de veneno presente ou não em cada prato, dependendo do tipo de cultivo utilizado. Desde 2008, o Brasil é recordista mundial no consumo de agrotóxicos. E essas substâncias, criadas para reduzir a quantidade de pragas e facilitar a vida do agricultor, trazem também consequências para a saúde do trabalhador, do consumidor e do meio ambiente.

A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – monitora os resíduos de agrotóxicos nos alimentos. O último levantamento mostra que 29% dos principais alimentos da cesta brasileira apresentaram irregularidades quanto ao uso de defensivos em 2012. Entre as amostras com problema, uma parte apresentava agrotóxicos acima do limite máximo permitido. A outra, substâncias não autorizadas para o alimento pesquisado. Algumas, inclusive, proibidas no país.

Segundo os dados, o campeão de irregularidades foi o pimentão. Em seguida, vieram cenoura, pepino, alface e morango.

Em 2012, foram pulverizados, aproximadamente, 100 bilhões de litros de agrotóxicos nas lavouras. Estudos recentes comprovam que a exposição prolongada aos agrotóxicos pode causar ataques ao sistema imunológico, câncer, má formação e problemas de infertilidade. Segundo o professor do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB) César Koppe Grisóglia, a literatura tem demonstrado também uma relação entre os agrotóxicos e a incidência de doenças crônicas e degenerativas entre os que trabalharam em algum momento da vida com os produtos:

"Existe trabalho mostrando pessoas que, em sua vida profissional, em algum momento da sua vida, teve contato com agrotóxicos e, mais para frente, aumentou o risco de desenvolver Mal de Parkinson ou Mal de Alzheimer. Cada vez mais, vem aumentando o número de informações sobre essa associação."

Pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso, em parceria com a Fiocruz, mostra que o número de agricultores intoxicados por agrotóxicos passou de 5 mil em 2007 para 10 mil em 2012. O número de mortes passou de 200 para 313 no período.

Do trabalhador, a exposição passa ao consumidor, que, até mesmo quando não come diretamente o produto com agrotóxico, pode ter contato com o veneno, como destaca Grisóglia:

"Porque a quantidade de agrotóxico que o Brasil hoje usa, além de contaminar os solos, contamina as águas dos rios e as águas das represas. E essas águas servem de captação para abastecer as cidades. Não existe nenhum tratamento nas estações de tratamento de água dos municípios que retira resíduo de agrotóxico. A gente tem que pensar também na água que a população está tomando."

Até mesmo bebês que apenas se alimentam de leite materno estão se contaminando. Um levantamento recente feito também pela Universidade Federal do Mato Grosso mostrou que, no município matogrossense de Lucas do Rio Verde, 100% das amostras de leite materno pesquisadas estavam contaminadas com resíduos de agrotóxicos.

Como, então, evitar uma exposição excessiva ao defensivo?

O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz Luiz Cláudio Meireles elenca algumas medidas:

"As medidas para evitar isso são o efetivo controle dos estados, a redução daquelas substâncias mais perigosas e utilizando substâncias menos residuais, aquelas que degradam rapidamente e não geram outras substâncias. Com relação a isso, a única maneira é a substituição efetiva dessas substâncias mais tóxicas ou a adoção de práticas agroecológicas ou orgânicas que não utilizam essas substâncias que podem representar risco à saúde humana."

E se o consumidor não tiver acesso ou não puder fazer a feira apenas com produtos orgânicos ou agroecológicos?

Luiz Cláudio Meireles diz que é possível reduzir o nível de resíduos de agrotóxicos nos alimentos na hora da higienização para consumo, mas não eliminá-los por completo:

"O que você faz através de lavagem, retirada de folhas mais externas, descascar frutas e legumes, isso é uma redução da quantidade de agrotóxicos que pode estar remanescendo no alimento. Mas não elimina de todo, porque grande parte dele pode estar inserido na polpa do alimento. Então, sempre vai existir um nível de resíduo."

Apesar das limitações, César Koppe Grisóglia, da Universidade de Brasília, analisa que, em alguns casos, é possível praticamente eliminar os resíduos de agrotóxicos em um alimento:

"Existem estudos feitos pela Unicamp mostrando que uma boa higienização dos alimentos pode eliminar muitos daqueles agrotóxicos de contaminação de contato. Se o consumidor tiver a opção da procura por orgânico, melhor. Lavagem contínua. Uso de pequenas quantidades de hipoclorito. Muitas vezes, se puder dar preferência a alimentos cozidos ao invés de in natura, isso também pode fazer com que nível de resíduo diminua nos alimentos."

O governo federal lançou, no ano passado, um plano para incentivar uma produção agrícola mais sustentável e com menos uso de agrotóxico, o Plano Brasil Agroecológico. A meta é investir, até 2015, quase R$ 9 bilhões em ações como o financiamento com taxas menores para o setor; a pesquisa e transferência de conhecimento ao agricultor; e a compra de sementes pelo setor público.

Na segunda matéria da série sobre agrotóxicos no Brasil, conheça as falhas na fiscalização e as dificuldades de agricultores em usar os produtos de maneira mais segura.

Reportagem – Ana Raquel Macedo
Edição – Regina Cunha

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