Rádio Câmara

Reportagem Especial

Crise financeira atinge 83% das Santas Casas e prejudica atendimento

20/10/2014 - 08h43

  • Crise financeira atinge 83% das Santas Casas e prejudica atendimento (bloco 1)

  • Crise financeira é provocada por defasagem na tabela do SUS, diz presidente das santas casas (bloco 2)

  • PROSUS não será suficiente para resolver dívida das santas casas, diz deputado (bloco 3)

O fechamento do pronto-socorro da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em julho, reforçou a pauta da crise financeira das instituições de saúde filantrópicas na agenda dos gestores públicos.

A casa chegou a interromper os atendimentos de urgências e emergências por um dia, afetando em média oito mil pacientes diários. Em nota, o provedor da instituição explica que a interrupção foi motivada, principalmente, pela falta de recursos para compra de materiais. Apenas as dívidas da unidade de São Paulo com os fornecedores estão em torno de 50 milhões de reais. Somadas às outras despesas, o débito chega a 400 milhões.

Segundo o Ministério da Saúde, dos 1.824 hospitais beneficentes sem fins lucrativos do país, 1.722 — ou seja, 94% — estão inseridos no SUS, Sistema Único de Saúde. Cerca de 800 destes têm mais de 50 leitos e realizam, aproximadamente, quatro em cada dez das internações da rede pública. Além de um quinto dos procedimentos ambulatoriais de média e alta complexidade, como cardiologia e oncologia. Os dados do Ministério contabilizaram, apenas em 2013, quase onze milhões e meio de internações nesses hospitais.

As primeiras Santas Casas do Brasil foram fundadas ainda no Período Colonial. São institutos de saúde administrados por irmandades ou fundações, sem fins lucrativos. A de São Paulo existe desde 1.884. Elas eram mantidas, principalmente por doações. É o que explica o deputado André Zacharow, do PMDB do Paraná, um dos membros da Comissão de Seguridade Social da Câmara.

“Doadores de imóveis, de patrimônios... A pessoa morria e deixava no testamento alguma coisa para a Santa Casa. Então, a Casa de São Paulo hoje tem mais de 800 imóveis. Então, ela tem uma renda com isso. Poderia ter até maior, se fosse melhor administrada. Mas grande parte dessas entidades atendia antigamente pessoas que eram chamadas de indigentes. (...) Em 1988, com a constituição cidadã foi criado o Sistema Único de Saúde, (...) que é o SUS. O outro sistema previsto na constituição é complementar ao SUS, mas não é suplementar-- não subsititui o SUS-- que são os planos de saúde. (...) Então, quem deve prover os serviços de saúde é o Estado e como ele não tem hospitais públicos para atender a toda população, ele compra serviços. Passou a comprar serviços de hospitais privados bons e das redes de Santas Casas.”

Mas a manutenção desses hospitais está cada vez mais comprometida. Atualmente, 83% das instituições filantrópicas da categoria estão em situação financeira semelhante à de São Paulo, segundo a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas. A maior parte do débito foi feita com o sistema financeiro, seguido dos fornecedores, com impostos e contribuições não recolhidas, passivos trabalhistas e outros.

Parte do financiamento das Santas Casas é feito de incentivos enviados pelo Governo Federal e repassado pelos estados e municípios que, por sua vez, também podem investir recursos próprios nas unidades. O Ministério da Saúde também paga, de acordo com a Tabela do SUS, um valor padrão para cada procedimento, remédio ou material.

Em nível nacional, o acúmulo da dívida já está próximo a 15 bilhões de reais. Cirurgias e outras atuações médicas têm sido canceladas por falta de recursos e débitos feitos com o sistema financeiro e fornecedores.

A Confederação das entidades esteve reunida em Brasília junto a gestores públicos e especialistas para discutir os temas que impactam diretamente a sustentabilidade do setor. Para o presidente Edson Rogatti, as dívidas se agravam porque o financiamento do governo não é suficiente para o sustento dos serviços. Ele também reivindica o reajuste dos valores da Tabela do SUS.

O que a gente recebe do governo é um subfinanciamento. Não cobre os custos do nosso atendimento. Um exemplo: uma Santa Casa que realiza um procedimento gasta 100 reais. O que o Ministério da Saúde nos paga é 60%. Os outros 40%, a Santa Casa tem que buscar na comunidade ou outras, através de Plano de Saúde, através de outras coisas, como leilão de gado, rifa, bingo. (...) Agora, em 2014, a gente está chegando a um momento que, se nada for feito em prol das Santas Casas, para ela receber pelo procedimento, por aquilo que custa realmente, muita dessas santas casas vão fechar as portas”.

Na Câmara dos Deputados, o debate sobre o problema foi sistematizado em 2012 com a instalação da Frente Parlamentar de Apoio às Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas. A Frente negocia junto ao Governo a renegociação da dívida. O presidente da comissão, o deputado Antônio Brito, do PDT da Bahia, — também presidente da Confederação Internacional das Misericórdias— destaca o efeito cascata da questão no setor de saúde pública.

“51% de todos os atendimentos ao SUS do Brasil hoje são feitos pelas Santas Casas. 902 municípios dos 5.560 só têm a Santa Casa ou o hospital filantrópico como o único serviço de saúde. Você imagina o impacto disso para a população. Veja o exemplo da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo: a maior Santa Casa, o maior hospital da América Latina, fechou por 30 horas e foi uma repercussão internacional. É uma Santa Casa em que o pronto-socorro fechou. São 18 mil funcionários de carteira assinada na Santa Casa de São Paulo. A do Rio fechou. A de Belo Horizonte ficou em situação difícil. Várias Santas Casas no interior do país estão em situação difícil. O governo tem feito ações, a Câmara dos Deputados também. (...)”.

Com a repercussão do fechamento da Santa Casa de São Paulo — uma das maiores do país—, o Ministério da Saúde divulgou nota apontando que, segundo avaliação interna, parte dos recursos federais já repassados não chegou à entidade. Em 2013, por exemplo, foram enviados 291 milhões de reais, mas a unidade de São Paulo recebeu apenas 237 milhões de reais, cerca de 55 milhões a menos.

O ministério ainda explica que a instituição é um dos 762 hospitais filantrópicos inseridos no novo sistema de financiamento federal, o PROSUS. Nele, além do repasse dos procedimentos pela Tabela do SUS, o governo também passa um incentivo para cada real aplicado à entidade.

Confira, no 2º capítulo: Santas Casas defendem reajuste da tabela do SUS. Os planos de saúde pagam até 7 vezes mais por uma consulta do que o Sistema Único de Saúde.

Reportagem - Emily Almeida
Edição - Mauro Ceccherini
Trabalhos técnicos - Marinho Magalhães

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