Reportagem Especial
Afrouxamento em ações e programas de combate à Aids preocupa especialistas
01/09/2014 - 00h01
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Afrouxamento em ações e programas de combate à Aids preocupa especialistas (bloco 1)
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Aids avança entre jovens homossexuais, pobres e mulheres, aponta movimento LGBT (bloco 2)
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Deputados defendem políticas de prevenção ao preconceito contra portadores do HIV (bloco 3)
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Medicamentos dão qualidade de vida e evitam novas infecções (bloco 4)
As mortes relacionadas ao vírus da Aids registraram queda de mais de um terço na última década em todo mundo, segundo a ONU. Mas, no Brasil, o número de infecções pelo HIV aumentou 11% entre 2005 e 2013. No ano passado, o país registrou 47% de todos os novos casos da América Latina. A falsa sensação de que a epidemia de Aids está controlada provoca o afrouxamento no conjunto de ações e programas de governo voltados para combater o avanço da doença. Este é o tema da Reportagem Especial desta semana, em quatro capítulos. Confira, com Murilo Souza.
Ao longo de mais de 30 anos, desde que o vírus HIV foi descoberto, avanços na área da medicina e ações de prevenção permitiram que a Aids – doença causada pelo HIV –, deixasse de ser vista sempre como uma sentença de morte.
Mas, se por um lado as pessoas passaram a viver melhor, mesmo após serem infectadas pelo HIV, por outro, essa nova realidade teria provocado uma espécie de afrouxamento no conjunto de ações e programas de governo voltados para combater o avanço da Aids no País.
Essa constatação foi feita por debatedores que participaram, no Congresso Nacional, do 11º Seminário LGBT - movimento que reúne gays, lésbicas, bissexuais, travestis e simpatizantes.
Para os debatedores, paira atualmente uma falsa sensação de que a epidemia está controlada, sobretudo por conta de remédios mais eficazes, com menos efeitos colaterais, e que melhoram a qualidade de vida da pessoa que já desenvolveu a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - cuja sigla em inglês é Aids.
Um dos organizadores do seminário, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) comenta essa nova fase da doença:
"Hoje em dia as pessoas convivem com o HIV quando tratadas, quando diagnosticado no início, elas têm uma vida normal, uma vida comum, desde que siga o tratamento. Então, isso mudou a face da Aids, mudou o discurso público em torno da Aids, mas trouxe um efeito muito ruim que foi o afrouxamento da prevenção e a invisibilidade da doença no discurso público de saúde. E por isso a gente vê o retorno da infecção entre jovens gays."
Para Jean Wyllys, a falta de campanhas informativas e de prevenção da Aids tem feito a doença avançar também sobre mulheres, pessoas pobres e moradores do interior do País:
"Alguma coisa não está funcionando na política de prevenção à Aids. E a gente precisa fazer esse diagnóstico. O que é que mudou?"
Médico no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, no Rio, Fernando Ferry, afirma que a sensação de que a epidemia está controlada favorece novos contágios:
"Tem muita pouca informação porque, quando você está fazendo o tratamento, você tira da mídia toda a questão da morte, incluindo a de pessoas famosas, que têm morrido dentro do Hospital Gaffrée e Guinle, porque as famílias não permitem que se divulgue isso. Só posso divulgar se a família permitir. Então, não tem mais mídia. Tem uma falsa sensação de que a epidemia está controlada. E isso está sendo um grande problema, sobretudo entre os jovens."
Fernando Ferry, que também é coordenador do Programa de Mestrado em DST/Aids e Hepatites Virais da UniRio, comenta ainda o perfil dos pacientes infectados:
"Quem está chegando dentro do hospital é a população mais pobre. São pessoas jovens, muitos negros, preferencialmente homossexuais, mulheres e, eventualmente, ainda estamos vendo, como nos foi encaminhado, uma jornalista, atriz e com nível superior. Mas o perfil principal é de pacientes pobres."
Para a jornalista Roseli Tardelli, que atua como diretora-executiva da Agência de Notícias da Aids, agência criada por ela após perder um irmão para a doença, a acomodação em relação à epidemia de Aids não envolve só governos, mas, também, a mídia e a comunidade científica:
"De uma forma ou de outra, a ciência respondeu esse primeiro desafio. Nós temos aí uma série de remédios que fazem com que as pessoas que vivem com HIV/Aids sigam vivendo, mas em uma situação ainda muito difícil. Então, eu acho que a gente tem que romper esse estado de acomodação. A gente tem que ganhar essa pauta de novo. É importante conversar sobre isso, gerando notícia. Tentando trazer a questão pra pauta de novo.”
O deputado Amauri Teixeira (PT-BA), que preside a Comissão de Seguridade Social da Câmara, afirmou que a atual geração desconhece a dimensão da doença:
"Nós perdemos amigos, ídolos e pessoas que admirávamos porque, naquela época, nós não tínhamos mecanismos para fazer com que as pessoas convivessem bem com essa enfermidade. E, naquele momento, a sociedade como um todo tomou um choque e, de certa forma, veio a consciência. A geração nova não tem essa dimensão. Por isso, é necessário dialogar com ela, para esclarecer, para prevenir, para deixar claro que o portador não é nenhum bicho de sete cabeças.”
Para a médica infectologista da Fiocruz, Valdiléa Veloso dos Santos, os avanços da ciência em termos de prevenção e tratamento foram importantes, mas de nada adiantam se não forem conhecidos e acessados por todos:
"Nós que detemos esse conhecimento, que a ciência gerou, temos que encontrar uma forma de comunicar o que existe hoje para pessoas de diferentes níveis de escolaridade, de inserção na sociedade, com diferentes necessidades."
No ano de 2012, foram notificados 39.185 casos de Aids no Brasil. A taxa de detecção nacional foi de 20,2 casos para cada 100 mil habitantes.
Reportagem - Murilo Souza
Edição - Mauro Ceccherini