Rádio Câmara

Reportagem Especial

Projeto que cria cota de 20% para negros em concursos públicos gera polêmica

24/02/2014 - 10h10

  • Projeto que cria cota de 20% para negros em concursos públicos gera polêmica (bloco 1)

  • Lei garante cotas para deficientes em empresas, mas falta fiscalização (bloco 2)

  • IPEA: negros ocupam quase metade das vagas no setor público, mas estão fora de carreiras mais valorizadas (bloco 3)

Projeto de lei do Executivo que reserva 20% das vagas de concursos públicos divide opiniões. Atualmente, só existem cotas para o ingresso de deficientes físicos no serviço público federal, com reserva de 20% das vagas. Regra recente também reservou 50% das vagas das universidades públicas para estudantes de escolas públicas. O sistema de cotas está funcionando no Brasil? Qual a opinião de quem é contra e de quem é a favor dessas medidas? Este é o tema da Reportagem Especial desta semana, em três capítulos. Confira, com Marcello Larcher.

Cotas para negros, vagas em universidades e agora em concursos públicos (PL 6738/13). A Câmara deve votar neste ano uma proposta que reserva 20% de vagas em concursos públicos para negros por um período de 10 anos. Os defensores acreditam que a proposta seja uma reparação pelo abandono em que a população negra foi deixada após o fim da escravidão. Afinal, a maior parte da população brasileira é descendente de pessoas que foram escravizadas.

Roberto Fleury/Agência UnB
José Jorge de CarvalhoPara antropologo que propôs cotas na UnB, reserva para negros combate o racismo 

Mas ainda hoje eles ocupam os piores trabalhos e poucos chegam à universidade ou aos cargos mais cobiçados em concursos.

Quem é contra, acredita que esse tipo de ação pode gerar uma resposta racista e mudar a relação entre negros e brancos no Brasil, um país onde nunca existiu segregação ou apartheid de forma oficial. Para o antropólogo e professor da Universidade de Brasília, José Jorge de Carvalho, esta é uma possibilidade. Mas como não é possível testá-la, é mais importante resolver o racismo real, que existe hoje em todo o Brasil.

"Os negros estão praticamente em 1% em todas as categorias praticamente, como na classe médica, na classe diplomática, dos professores universitários, dos juízes. Se continuarmos assim, vamos passar o século 21 como uma das sociedades mais racistas do mundo. As cotas em concursos são uma forma de diminuir esse panorama de desigualdade racial. Ele inclusive não vai resolver o problema, vamos demorar muito mais para resolver isso."

José Jorge de Carvalho foi quem propôs a primeira dessas ações. Faz 10 anos que a UnB criou o sistema de cotas, e foi ele que inspirou o governo a criar a lei de cotas em universidades, a primeira ação afirmativa, como são chamadas essas reparações a uma parte da população que se encontra em desvantagem.

Critérios

Uma opção, defendida por muitos, é beneficiar pessoas de baixa renda. Para o professor Ernani Pimentel, fundador da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos, cotas poderiam beneficiar pessoas pobres, vindas da escola pública.

"Eu não sou contra uma reparação da sociedade por tudo o que fizeram com os negros. Na verdade, acho que o estado tem de reconhecer, e tem de recompor esses dados. Agora, o que eu vejo é que não pode ficar só para os negros. O fato de os negros terem condições culturais, sociais e terem esse trabalho que eu acho lindo, deveria fazer com que eles incluíssem o direito dos outros também. A rigor não são só os negros que devem ser olhados, mas todos aqueles que não têm condições de disputar cargos que demandam educação."

Essa ideia faz parte hoje da lei de cotas para universidades, aprovada em 2012 e que é mais restritiva que a adotada originalmente pela Universidade de Brasília.  Apenas alunos vindos de escolas públicas de ensino médio têm direito às vagas quando são declarados descendentes de negros. Negros de classe média, que estudaram em escolas particulares, não são beneficiados.

Para a coordenadora das Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mônica Alves de Oliveira Gomes, o problema a ser atacado é o racismo, e por isso outras questões devem ser separadas.

"Já está largamente comprovado que o racismo não atinge apenas as pessoas pobres. O racismo é uma realidade que está nas relações de todas as classes sociais. As pesquisas indicam que as pessoas negras em condições semelhantes de renda não são atingidas pelas desigualdades da mesma maneira. A medida visa enfrentar tanto desigualdades sociais quanto desigualdades raciais, que se cruzam nas vidas de pessoas negras fazendo com que elas vivam situações de maior desigualdade que pessoas brancas pobres."

Cotas nos estados

Na verdade, o governo federal está nacionalizando um movimento que já existe no Brasil. Atualmente, quatro estados têm leis que reservam vagas para candidatos negros. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul têm cotas em seus concursos, e alguns incluem vagas para indígenas.

Como os concursos com as novas leis são recentes, ainda não é possível saber como a medida foi recebida. Na Câmara, o projeto nacional que reserva cota de 20% de vagas para negros em concursos públicos deve ser votado nesse primeiro semestre, e já causou polêmica, nem tanto entre governo e oposição, mas entre deputados que enxergam a questão de forma diferente.

TV Câmara
Silvio Costa
Deputado Silvio Costa: Constituição diz que todos são iguais perante a lei

O deputado Sílvio Costa, do PSC de Pernambuco, acha que a proposta é inconstitucional."A única cota que - em tese - eu até toparia discutir seria uma espécie cotas sociais. Mas essa questão da cota para negros é uma coisa que tem de ser melhor discutida. Esses projetos são inconstitucionais. Na Constituição da República, no seu artigo quinto, está escrito que todos são iguais perante a lei. E aí você está penalizando os pobres, brancos."

Mas o líder do PT, deputado Vicentinho defendeu, a medida dizendo que as cotas nas universidades já vêm se provando úteis.

"Nas escolas, quando fizeram o sistema de cotas e o Prouni, hoje todas as universidades estão respondendo ao povo e a MP que os alunos que entraram pelo sistema de cotas estão tendo resultado melhor ou igual aos outros alunos. Pois faltou dar oportunidade a essas pessoas."

Apesar do debate, a proposta foi aprovada nas três comissões por onde passou sem maiores problemas e poucos deputados votaram contra.

No próximo capítulo: além das universidades, o sistema de cotas existe também em empresas, mas ninguém fiscaliza.

Da Rádio Câmara, de Brasília, Marcello Larcher

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