Rádio Câmara

Reportagem Especial

Telecomunicações - o que deu errado desde a privatização

27/11/2012 - 17h18

  • Telecomunicações - o que deu errado desde a privatização (bloco 1)

  • Telecomunicações - o fim da assinatura básica (bloco 2)

  • Telecomunicações - o acesso à internet de alta velocidade (bloco 3)

  • Telecomunicações - para onde devem ir os recursos do Fust? (bloco 4)

  • Telecomunicações - setor poderá ser alvo de CPI (bloco 5)

Recordistas em reclamações nos Procons de todo o País, os serviços de telecomunicações deveriam seguir princípios estabelecidos nas privatizações há 14 anos. Especialistas apontam o que deu certo e o que deu errado ao longo desses anos, na primeira série de reportagens sobre o setor de telecomunicações no Brasil.

TEXTO

Com investimentos de 260 bilhões de reais desde a privatização, em 1998, o setor de telecomunicações é um dos que mais crescem no Brasil. Hoje, o País conta com mais de 330 milhões de assinantes, somando telefonia fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura. Os grandes motivadores das mudanças na legislação foram as dificuldades de investimento do sistema Telebrás e a impossibilidade de atender à demanda por novos serviços que surgiam naquele momento, como a telefonia celular.

Eduardo Levy, que atuou por mais de 20 anos em uma das empresas da Telebrás e hoje é diretor-executivo do Sinditelebrasil, entidade que reúne as operadoras privadas de telefonia, lembra dos problemas enfrentados antes da privatização.

"As dificuldades que nós tínhamos eram enorme, principalmente em questão de obter recursos para investimento. O sistema Telebrás como um todo sempre foi um sistema rentável, mas o orçamento da Telebrás, como uma empresa estatal, assim como em outras empresas estatais, tem que passar pela aprovação de todos. E, muitas vezes, mesmo existindo caixa, mas a situação da economia como um todo não estando boa, aquele recurso era contingenciado."

Apesar do aumento do investimento no setor e o aumento da oferta de serviços à população com as privatizações, muito do que se pensou há 14 anos não saiu exatamente como planejado. Três pilares nortearam a abertura para o capital privado nas telecomunicações: a competição, a universalização e a qualidade dos serviços. Especialistas avaliam que nenhum deles foi inteiramente cumprido. O vice-presidente do Instituto Telecom, Marcello Miranda, que também é membro do conselho consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações - a Anatel, aponta problemas de competição em todos os serviços de telecomunicações.

"A competição no setor de telecomunicações inexiste: a telefonia fixa é um grande monopólio ou duopólio; a telefonia celular está divida entre as grandes concessionárias também, cada uma delas tem uma parte do mercado quase exatamente igual; e o que surge agora, que não havia na época, que é a banda larga, as operadoras também têm o monopólio."

O professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília, destaca que a universalização das telecomunicações se deu pela telefonia móvel. Um modelo considerado cruel pelo pesquisador.

"A expansão da base móvel se deu pelo pré-pago e crueldade do pré-pago, e os próprios empresários, executivos, dizem que é o telefone pai de santo, ele só recebe mas não fala. Você tem uma parcela enorme da população que usa o telefone para receber e depois, se precisar responder, tem que correr para o terminal orelhão mais próximo - e os orelhões estão também inclusive em processo de desaparecimento no tempo. O modelo é cruel por isso: não assegura o que na Academia a gente chama de direito à comunicação."

O analista legislativo Rodrigo Abdalla, que participou de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, sobre o setor de telecomunicações, aponta os erros estratégicos do governo ao longo dos anos, que prejudicaram a universalização dos serviços.

"Em relação à parte que deu errado, é uma falta de coordenação dos investimentos por parte do governo. Ou seja, os investimentos eram aplicados de forma muito livre, liberada, para as empresas escolherem onde investirem e elas obviamente investem nos locais, nas áreas mais rentáveis, que são os grandes centros urbanos. Isso deixou de fora dos investimentos uma grande parcela do território nacional, e uma grande parcela da população de baixa renda também não foi beneficiada com esse investimentos."

O deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio de Janeiro, que foi ministro das Comunicações no governo Lula, também atribui os problemas à falta de políticas públicas para o setor.

"Eu creio que a responsabilidade seja muito mais do governo, quer seja pelo Executivo, quer seja pelo Legislativo, porque a definição de políticas é do governo. A Agência tem que regulamentar, ela tem fiscalizar. Ela tem precariedade na fiscalização. Vira e mexe você uma aplicação de multas aqui e ali, mas é insuficiente. Porém, eu não lanço a responsabilidade das precariedades sobre a Anatel. A precariedade é do Executivo e do Legislativo, pela falta da velocidade na implantação de políticas."

Já o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, deputado Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas Gerais, destaca a pouca atenção dada pelos últimos governos à Anatel.

"No início do governo Lula, houve uma má vontade com as agências. As agências passaram uma boa parte do anos Lula com carência de pessoal, carência de recursos, sem poder realmente ter a sua atividade exercida como é necessário. Com o tempo, entretanto, houve um amadurecimento no próprio governo, e hoje as agências são vistas de outra maneira, como importantes sim. E, no caso da Anatel, houve sim essa evolução e hoje ela está mais ativa e em melhores condições de trabalhar."

De acordo com a diretora do Departamento de Serviços e Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Miriam Wimmer, a principal preocupação do governo neste momento é gerar um ambiente propício para mais investimentos no setor, especialmente para assegurar a qualidade dos serviços. Segundo ela, o governo também promove medidas tributárias para baratear o preço dos serviços.

"De fato, há um número muito grande de reclamações com relação às telecomunicações, e isso decorrente não só do espantoso crescimento mas também da necessidade de investimentos para que as redes sejam mais robustas. Um outro elemento que às vezes é citado é a carga tributária, que é bastante elevada no setor de telecomunicações, e a gente tem empreendido várias medidas para tentar desonerar um pouquinho esse serviço, especialmente aqueles mais relevantes para a política pública, como aqueles que suportam a banda larga ou os serviços prestados nas áreas rurais, para que a gente possa estimular um crescimento mais sustentável do setor."

Na Câmara dos Deputados, tramitam mais de 500 propostas sobre o setor de telecomunicações. Entre os assuntos que mais despertam a preocupação dos deputados, estão o fim da assinatura básica de telefonia, a instalação de medidor de consumo nas residências, as informações constante nas contas telefônicas, o atendimento presencial ao assinante, o acesso à internet de banda larga e a utilização do Fundo de Universalização das Telecomunicações.

De Brasília, Lara Haje

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