Rádio Câmara

Reportagem Especial

Drogas - o que são? Como combater? O que mudar?

16/10/2012 - 16h28

  • Drogas - o que são? Como combater? O que mudar? (bloco 1)

  • Drogas - o crack e a ação de ONGs e igrejas diante da ausência do Estado (bloco 2)

  • Drogas - a internação compulsória e as ações que surgem por iniciativa do Estado (bloco 3)

  • Drogas - o debate sobre a descriminalização da maconha e a reforma do Código Penal (bloco 4)

Esta série trata de um problema que atinge milhões de brasileiros: as drogas. A descriminalização da maconha está na ordem do dia nos debates sobre a reformulação do Código Penal. Vamos falar sobre o crack, que se disseminou rapidamente pelo país. E discutir a internação compulsória de viciados, outro tema polêmico. E ainda o papel das ongs e das igrejas católicas e evangélicas na recuperação dos viciados. Na primeira reportagem, saiba mais sobre os efeitos e os riscos das drogas.

TEXTO 

Desde a origem da medicina, a droga é importante. Fundamental. Ela cura, ela trata. E as pesquisas e manipulações químicas ocasionaram a descoberta de princípios ativos presentes na natureza ou que, misturados a outros elementos, provocavam efeitos prazerosos. O LSD é um exemplo. É um composto cristalino, resultado das reações metabólicas de um fungo. Foi sintetizado em 1938. Cinco anos depois, o químico suíço Albert Hoffman acidentalmente descobriu seus efeitos e virou entusiasta do uso para tratamento de alcoolismo e impotência. Mas os efeitos acabaram se tornando o chamariz da droga, como explica o mestre em farmacologia pela UFRJ e integrante do Centro Regional de Estudos, Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos, Fernando Amarante.

"Ele enxerga cores diferentes, sons diferentes e sensações táteis diferentes. Perde a noção do tempo e do espaço. Alguns autores dizem que as pessoas sob LSD ouvem cores e enxergam sons, numa tentativa de expressar o que as pessoas sentem com o LSD."

O uso recreativo das drogas é mais antigo do que o LSD. A cocaína, uma substância tirada das folhas da coca, uma planta da América do Sul, era vendida em farmácias até o início do século 20 para tratar depressão, fadiga, neurastenia, e dependência do ópio. A cocaína, que estimula o sistema nervoso central, então, foi proibida. O consumo caiu. Mas voltou na época da contracultura, nos anos 60, inclusive para substituir um outro vício mais caro, o da heroína, como conta Fernando Amarante.

"Foi isso que o pessoal gostou, uma substância mais barata, que conseguia efeitos estimulantes bastante grandes e até algum efeito alucinatório, dependendo da quantidade que a pessoa usa, então ela acabou invadindo o mundo."

Cocaína era usada como remédio, nos primórdios da medicina. Quando se notou que era prejudicial e viciante, foi proibida, a exemplo de outras drogas, como a maconha, uma planta que têm a substância THC, tetrahidrocarbinol, que dá efeito de confusão, pouca coordenação, desequilíbrio, confusão temporal. É uma droga depressiva. O álcool também pode ser, mas pode ser excitante também. A nicotina do cigarro relaxa, mas não entorpece. Álcool e cigarro são legais. Por que algumas são legais e outras não? Segundo o jurista William Nagib Filho, os critérios passam por estudos técnico-científicos, tanto que ela acompanha a dinâmica de novas formas de drogas que estão surgindo.

"Então você vê essas drogas chamadas sintéticas. Enquanto se aceita a vinda de novas drogas, e as pessoas passam a conhecer, outras são idealizadas e feitas em laboratórios."

As diferentes misturas de substâncias legais podem gerar efeitos diferentes, para alguns, prazerosos. Muita polêmica se criou com a mistura de uísque com energético, que tem cafeína, um estimulante, e anula em parte os efeitos depressivos do álcool. A sonolência desaparece e o usuário, embriagado, sente uma falsa impressão de domínio das coisas. Essa mistura é potencialmente perigosa, mas são duas substâncias legais, diz o jurista William Nagib Filho.

"E o poder público tenta corrigir essa falta de critérios por meio de legislação com infração de motoristas embriagados e tudo o mais."

E há quem misture tudo isso com ecstasy, que é um parente do LSD, usado em diferentes fórmulas. Por ser mais caro, o acesso é menos popular. E popularidade é um critério que atribui dramaticidade a uma droga. O crack é uma espécie de cocaína batizada, feito da mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio e usada para fumar em cachimbos. O crack, ilegal, se uniu ao álcool, legal, como assuntos centrais em segurança pública e saúde. André Rocha foi viciado em crack e credita a um estado de embriaguez sua entrada no mundo das drogas.

"Eu acredito que entrei no mundo da droga, do crack, por causa do álcool. Eu já tinha experimentado o álcool, e quando eu experimentei o crack eu tinha bebido. Eu acho que a porta de entrada das drogas é o álcool."

O depoimento de André se encaixa no levantamento da Confederação Nacional de Municípios, que aponta que nas cidades e até na área rural o consumo do álcool vem sendo substituído pelo de crack, por causa da facilidade de acesso e o baixo custo. André Rocha se livrou do vício do crack, que é o maior mal que aflige o Brasil. Atinge a vida de todos, pois, na melhor das hipóteses, está diante de nós, nas esquinas, quando vemos os zumbis, pessoas que perderam a sua identidade e que se espalham pelas cidades. Não há usuários de crack. Há viciados. A droga vicia quase imediatamente, tem efeito rápido, gera um desejo imediato por reposição. E aí o viciado pode fazer tudo, tudo, para conseguir mais, como explica André Rocha, ex-viciado na pedra.

"O crack tem efeito, chega no cérebro muito rápido, 10, 15 segundos, depois de fumar. E é um efeito de euforia, sensação de bem estar porque a adrenalina é liberada no corpo, mas dura de 5 a 10 minutos no máximo. Aí, depois disso, vem a paranóia. Ela sente uma agonia muito grande. Ela sente necessidade de outra pedra de crack pra voltar o efeito da alegria, né?"

O crack se disseminou rapidamente. Nove entre 10 municípios brasileiros sofrem os problemas do crack. O viciado vira um zumbi, perde grande parte de sua identidade e pode se envolver em episódios de violência ou cometer crimes para sustentar o vício. Segundo pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo, 13% roubam, 9% furtam e outros 9% vendem objetos de família para financiar o vício. 11% se prostituem e 13% entram no tráfico pra conseguir a droga, o que reforça a intensidade do tráfico e ajuda a espalhar o vício por mais cidades brasileiras. O crack e seus problemas, a ação de ONGs e igrejas diante da ausência do Estado. Este é o assunto de amanhã na segunda parte da Reportagem Especial.

De Brasília, Luiz Cláudio Canuto

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h