Rádio Câmara

Reportagem Especial

Hanseníase: a mudança no nome não eliminou o preconceito

11/06/2012 - 16h48

  • Hanseníase: a mudança no nome não eliminou o preconceito (bloco 1)

  • Hanseníase: ainda uma doença endêmica no país (bloco 2)

  • Hanseníase: pacientes tentam quebrar o silêncio em torno da doença (bloco 3)

  • Hanseníase: as cicatrizes do isolamento (bloco 4)

A Rádio Câmara apresenta uma série especial de quatro matérias sobre hanseníase. Na primeira reportagem, a mudança no nome da doença, de lepra para hanseníase. Mas o preconceito ligado à doença ainda continua. acompanhe na reportagem de daniele lessa soares.

"Aconteceu uma vez comigo, eu já era da associação quando uma menina ligou pra mim e disse assim:'Ai Dona Marly...é...tavam desconfiando que eu tinha lepra, mas eu tenho é hanseníase. Hanseníase tem cura' Eu disse: 'Ah, que bom...'. Depois chegou alguém, um agente de saúde e disse: 'Hanseníase e lepra é mesma coisa'. A menina queria se matar, e eu digo: 'calma minha irmã, eu já tive. A gente vai sair dessa junto. Eu to aqui inteirinha, vamos com calma'."

Hanseníase. A doença da mancha. O mal dos Lázaros. Ou lepra, como ainda é chamada no mundo. O Brasil foi o único país que oficializou a alteração de nome, em 1976, quando se deixou de usar lepra nos documentos oficiais. Para Marly de Fátima, que se tratou da doença há dez anos, a mudança de nome não mudou o preconceito. Ainda existe a imagem bíblica da doença como um castigo divino, onde leproso é o excluído e o pecador. Marly fundou o Gamah, o Grupo de Apoio às Mulheres Atingidas pela Hanseníase. Ela conta que lidar com o estigma é um exercício diário.

"Mudei há pouco tempo, quando cheguei na primeira reunião de condomínio, eu falei logo:'Ó, tive hanseníase, sou militante do movimento, e....hanseníase é lepra', falei. A primeira vez depois dessa reunião, que eu pulei na piscina, parecia filme de Tom e Jerry, todo mundo saiu. E olha, eu fiquei lá, tomando banho e eu falei: 'que ótimo, a piscina só pra mim'. Mas nem todo mundo leva para esse lado."

Marly desmente a imagem de que a doença atinge somente pessoas pobres. Servidora pública aposentada, os médicos demoraram sete anos para fazer seu diagnóstico. O avanço da doença deixou sequelas: hoje, ela convive com dores crônicas e com a perda de sensibilidade nos pés. Além disso, sofreu preconceito dos colegas com quem trabalhava na Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Ironicamente, os mesmos profissionais que fazem campanhas contra o preconceito.

"As primeiras pessoas que se afastaram de mim foram as pessoas do departamento de sáude pública, as pessoas que pregavam que a hanseníase não tinha problema, que não pegava e tudo que aprendi de hansen foi lá. Eu aceito o preconceito das pessoas ignorantes porque eles são preconceituosos porque não tem conhecimento da doença, mas me incomoda e dói muito o preconceito de pessoas esclarecidas."

A hanseníase atingiu mais de quinhentas mil pessoas no Brasil do ano 2000 até os dias de hoje, segundo dados oficiais do ministério da Saúde. Em todo o mundo, o país só fica atrás da Índia em números de novos casos. Mas em termos proporcionais, considerando o tamanho da população, o Brasil ocupa o primeiro lugar na prevalência da hanseníase.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, apenas a Índia, alguns países africanos e o Brasil ainda apresentam áreas altamente endêmicas. E por que essa situação é desconhecida por muitos brasileiros? A médica dermatologista Maria Leide Oliveira analisa que a mudança de nome pode ter ocultado o fato de que a hanseníase ainda é um problema de saúde pública no Brasil.

"Quando nós fizemos a mudança no nome hanseníase e lepra, se preocupou muito em mudar o estigma da doença e passamos de 8 para 80. Lepra é aquela doença que não tinha cura, terrível, todas as pessoas ficavam com deformidades, altamente contagiosa. Hanseníase não, hanseníase é uma doença simples, não precisa se preocupar, tem tratamento, tem cura, então talvez a gente tenha banalizado muito a hanseníase."

Em 2010, O Brasil registrou 92% dos casos das Américas. Para se ter uma ideia, enquanto o país notificou 34 mil e 800 casos, na Argentina foram 354 registros e no Chile, nenhuma notificação. O deputado Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro, apresentou pedido para que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara faça uma audiência sobre hanseníase. Para ele, é preciso falar sobre a doença para acabar com a invisibilidade.

"E tem uma turma nova se infectando da doença, ela chega ao hospital já está debilitada pela doença porque não sabe que tem hanseníase. Há anos o ministério não faz uma campanha de prevenção. Eu lembro que eu era garoto nos anos 80 e lembro de uma campanha que foi muito eficaz que aparecia uma mulher colocando uma chaleira de água no fogo, o fogo tocava no braço dela e ela estava insensível naquela área da pele. Eu omecei a prestar atenção em mim mesmo, na minha mãe, nos meus irmãos. Eu acho que ma campanha daquela tem que ser repetida hoje, não naqueles termos, talvez em outros termos."

A falta de campanhas amplas também é criticada pelo cantor Ney Matogrosso, que há mais de uma década é voluntário do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase.

"O Estado brasileiro deve essa campanha de esclarecimento à população, mas é uma campanha que não pode ser de dez dias, de quinze dias, tem que ser uma campanha constante como toda América Latina fez e como toda América Latina acabou com a doença. O grande problema da doença é o preconceito que é gerado pela ignorância do assunto. As pessoas ainda ouvem falar disso da Bíblia. No momento em que você esclarece a população, agora isso tem que fer feito regularmente, maciçamente, de que é uma doença que tem tratamento e tem cura, sabe, muda."

No Brasil de hoje, a hanseníase está viva e atinge pessoas em todo o país. Enquanto a situação continua oculta, a cada ano, milhares de brasileiros adoecem e ficam com sequelas da doença.

De Brasília, Daniele Lessa Soares

De Brasília, Daniele Lessa

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h