Rádio Câmara

Reportagem Especial

Criação de novos estados: o caso do Pará

19/03/2012 - 16h49

  • Criação de novos estados: o caso do Pará (bloco 1)

  • Criação de novos estados: as implicações políticas e econômicas (bloco 2)

  • Criação de novos estados: a opinião de parlamentares e especialistas (bloco 3)

 Na série de reportagens especiais que apresentaremos nesta semana, vamos falar, em três programas, de projetos de lei que têm como objetivo a criação de novos estados no Brasil. Parlamentares e estudiosos argumentam a favor ou contra o aumento do número de estados e analisam as implicações políticas e econômicas de alterar a geopolítica brasileira. Na primeira reportagem da série, o repórter Eduardo Tramarim apresenta a repercussão do plebiscito no Pará que disse "não" ao surgimento de dois novos estados.

TEXTO

Em dezembro, a maior parte dos paraenses votou "Não" em plebiscito, sepultando a proposta de criar dois novos estados no Brasil: Carajás e Tapajós.

A decisão pelo voto aconteceu 23 anos após o país ver a última criação de novos estados: Amapá, Roraima e Tocantins.

De lá para cá, a Lei mudou. Surgiu a necessidade de ouvir a população através do plebiscito e vários projetos de decreto legislativo para criação de Estados em todas as regiões brasileiras foram apresentados na Câmara e no Senado.

Porém, a rejeição à autonomia intimidou a esperança dos separatistas e propositores de novos Estados. E agora? Há clima político para levar a frente outras propostas que tramitam no Congresso?

O que mais preocupa os separatistas e divide opiniões é a interpretação dada, no ano passado, pelo STF à Lei (9709/98), definindo que criar, dividir ou incorporar estados depende do voto de toda a população do Estado e não apenas dos cidadãos da região que pretenda se emancipar.

Dessa forma, os especialistas dizem que a "matemática" ficou contrária à autonomia. É o que pensa o cientista político da Unicamp, Valeriano Costa.

"Hoje a votação é de todo o território. E a maior parte da população de um Estado está na capital que permanece com o Estado original. Então matematicamente é muito difícil aprovar porque a maioria da população em volta do centro não vai querer perder recursos. Significaria no caso do Pará perder recursos para regiões mais distantes e menos populosas. A população que está sofrendo a separação nunca vai aprovar.

A vitória do "Não" no Pará mostrou essa tendência. No total, dois terços dos paraenses rejeitaram a criação de Carajás e também de Tapajós. Mais de 90% da população da capital Belém rejeitou a criação dos novos estados. Já nas cidades que fariam parte dos novos Estados, a quase totalidade dos moradores votaram pela separação.

O presidente do Clube dos Dirigentes Lojistas de Itaituba, Afábio Borges, lamenta o resultado. Para ele, a legislação dificulta a emancipação.

"Surgiu um movimento do Não, sentimental. E esse movimento impregnou as pessoas que só pensaram na perda. Isso impregnou nas pessoas que votaram literalmente contra. Se as pessoas viessem morar aqui todos seriam a favor. Mas eles não conhecem nossa realidade. Itaituba tem uma população de cerca de 100 mil habitantes e não tem uma casa com água tratada. Não tem rede de esgoto."

Afábio Borges lembra ainda que a representação política da região é pequena para uma região tão extensa. Ele faz uma comparação.

"O Nordeste inteiro tem 1 milhão e 500 mil km quadrados. O Pará sozinho tem 1 milhão 254 km quadrados. Sem a Bahia , os outros sete estados representam 77% do território do estado do Pará. Para cuidar dessa região lá tem oito governadores, 24 senadores, oito capitais, oito universidades federais e tem oito cotas de FPE. E nós nessa região desse tamanho temos apenas uma cota de FPE."

O funcionário público Kednei Galvão, que votou contra a autonomia e vive na capital Belém, diz que a proposta do "Sim" não contemplava o desejo da população paraense.

"Era uma proposta que iria beneficiar apenas empresários locais e políticos. Não vi nessa proposta benefícios à população. Sem falar nos gastos desnecessários para a União e que essa era uma estratégia política. Conheço as regiões que queriam se emancipar e sei que a realidade lá, a saúde é precária. Mas dividir o estado e torná-lo menor não quer dizer que você vai ter mais recurso e que vai ser próspero. Muitos problemas que você encontra no sul do Pará e Tapajós também você encontra por aqui. Falta saúde, educação e saneamento."

Kednei lembra que os dois lados se movimentaram para conquistar eleitores e a
campanha pelo plebiscito no Pará estremeceu relações entre cidadãos do mesmo estado.

"Praticamente já estamos divididos. Porque as realidades são diferentes. Mas acredito que o Governo do Pará vai trabalhar essa situação. Tentar unir as regiões e o estado. Distribuir melhor essa renda para que todos se sintam beneficiados."

Visão diferente da disputa tem o professor de ciências sociais da Universidade Federal do Pará, Carlos Augusto Souza.

"Não consegui perceber essa animosidade entre a população com que tive contato. Eu percebo isso muito da elite política. A elite tem interesse em manter essa chama ainda ativa porque vai ter uma eleição, para mobilizar o eleitorado. Tem muito interesse político na questão.."

Para amenizar animosidades, o deputado Zenaldo Coutinho, do PSDB paraense, propõe que se discuta e se promova sólido entendimento antes de um futuro plebiscito para a criação de um estado.

"A experiência do Pará confirma uma tese que eu defendo há muito tempo na Câmara. De que a aprovação de plebiscito deve ser precedida de estudos e amplo debate com a população afim de que tenhamos consciência e convicção sobre os impactos econômicos, tributários, sociais e ambientais que poderão advir de um processo de divisão. Só é possível você dividir um estado se tiver um grande consenso."

Existem outras questões de grande amplitude numa proposta de separação, que nem sempre são percebidas pelo cidadão, diz o deputado.

"Você tem implicações de ordem tributária, e de receitas que precisam ser combinadas entre os estados que serão divididos e a União. Se você não vai ter um aporte financeiro adicional da União como é que vai aumentar as despesas públicas. Esse é um grande nó que só pode ser desatado com um grande acordo. Portanto, sugiro que o Congresso Nacional tenha a maturidade de só fazer a consulta plebiscitária após amplo debate e entendimento entre as esferas de governo e a própria comunidade sobre esses impactos e as consequências na vida das pessoas."

Giovani Queiroz, deputado do PDT paraense, diz que vai continuar empenhado na criação dos novos estados a partir do território paraense.

"O Brasil está atrasado no que diz respeito a sua divisão geopolítica. Todos os países do mundo resolveram essa questão há muito tempo. Temos que votar uma lei que altere a lei atual. Dar a ela condição para ouvir apenas as áreas a serem desmembradas. Se ela (a população) for favorável, ouve-se a Assembleia Legislativa do Estado que fala pelo Estado. Depois você ouve o Congresso Nacional, que é como se ouvisse toda a população do Brasil. E ainda se submete à sanção ou veto presidencial."

O deputado Zenaldo Coutinho, espera que as propostas para divisão do Pará nâo voltem à discussão tão cedo. Para ele, os paraenses devem agora gastar as energias na discussão de projetos comuns.

De Brasília, Eduardo Tramarim

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