Rádio Câmara

Reportagem Especial

Lixo Zero: a teoria e a prática

13/08/2011 - 00h00

  • Lixo Zero: a teoria e a prática (bloco 1)

  • Lixo Zero: lixo se transforma em meio de sobrevivência e arte (bloco 2)

  • Lixo Zero: o conceito de reciclagem (bloco 3)

  • Lixo Zero: o descarte do lixo eletrônico (bloco 4)

  • Lixo Zero: Política Nacional de Resíduos Sólidos (bloco 5)

A Rádio Câmara inicia hoje uma série de reportagens enfocando o tema lixo zero, ou seja, a fixação de metas que permitam reduzir cada vez mais o volume de resíduos sólidos enviados aos aterros sanitários. Nos cinco programas da série, o jornalista Edson Júnior explica o conceito de lixo zero, fala de pessoas que sobrevivem do lixo e fazem dele até mesmo obra de arte; mostra o que pode ser considerado material reciclável e como a população pode contribuir para essa prática; expõe as dificuldades enfrentadas para a reciclagem dos aparelhos eletrônicos e explica como a nova lei que estabelece a política nacional de resíduos sólidos vai influenciar nossa vida cotidiana. Hoje, no primeiro programa, vamos entender melhor o que significa, na teoria e na prática, a expressão lixo zero.

TEXTO

Poucas coisas na vida dão tanto prazer quanto apreciar sua bebida favorita na hora da sede. E depois do último gole, pega-se a latinha, que aparentemente não tem mais utilidade, e joga-se no lixo. E de latinha em latinha, de caixas de leite, de garrafinhas, papéis, copos descartáveis e tantas outras coisas, o saco de lixo vai se enchendo e, quando fica cheio, é hora de depositá-lo no container e deixar que o caminhão faça o resto.

O lixo que estava na minha casa já não está mais. Teoricamente, o meu problema foi resolvido. Teoricamente. Porque, mesmo que a destinação final do lixo que o caminhão acaba de recolher não seja da minha responsabilidade direta, o que acontece com esse material pode sim ter impacto na minha vida. Afinal, se a latinha do refrigerante foi parar no lixão ou mesmo no aterro sanitário, uma boa quantidade de alumínio deixou de ser aproveitada. Isso representa desperdício, o que tem influência direta na economia do país.

Se simplesmente jogar fora no lixo não é a solução para os resíduos que o consumidor gera todos os dias, seria ousado demais pensar em zerar o volume de material que se destina aos aterros sanitários? Ousado ou não, esse é o objetivo de quem trabalha com o conceito de Lixo Zero. A ideia nasceu na Austrália, cuja capital, Camberra, é uma das cidades que adotam essa filosofia, assim como San Francisco e Seattle, nos Estados Unidos, e Florianópolis. A capital catarinense implantou o primeiro projeto de coleta seletiva em 1986. Márius Bagnatti, diretor da Companhia de Melhoramentos da Capital, autarquia responsável pela gestão da limpeza urbana em Florianópolis, explica como funcionava esse processo.

"Esse sistema que constituía em se fazer a separação na própria comunidade, sendo que todo o material que era possível ser recuperado, como plástico, vidro, papel, metais, ele era comercializado e o recurso ficava com a Associação de Moradores da Comunidade. E a matéria orgânica que também era coletada, em separado, .... era para aplicação nas hortas das escolas."

Bagnatti salienta que a ideia hoje é que Florianópolis caminhe para ser uma capital lixo zero. Ele explica algumas das iniciativas da prefeitura para atingir esse objetivo.

"São ações concretas que estão sendo implementadas. Então, são uma série de ilhas ecológicas... que estão situadas/localizadas em vários pontos da cidade permitindo que a população possa levar para ali pequenas quantidades de materiais que podem ser reciclados, e aí coletamos em separado: um contêiner para plásticos, um contêiner para metais, um outro contêiner para os restos de poda de árvores e, também, um contêiner para o lixo eletrônico."

De acordo com Márius Bagnatti, o projeto prevê ainda a implantação de containers específicos para a coleta do óleo de cozinha utilizado pela população. Ele explica que cada litro de óleo lançado no sistema de esgoto pode contaminar dez mil litros de água. E as ações na capital catarinense não param por aí.

"A implantação da coleta seletiva monomaterial, de forma que permita que cada morador já possa colocar nos contêineres que vão ficar próximos à suas casas o material de forma separada e a COMCAP fará a coleta em dias diferentes durante a semana de cada tipo de material. Temos uma coleta especial de vidro que vai ser com a colocação de contêineres junto aos supermercados em uma parceria com a Associação Catarinense de Supermercados..."

Além de órgãos do poder público, a ideia do lixo zero também tem sido fomentada por uma série de organizações não governamentais. Uma delas é o Instituto Lixo Zero Brasil, que é o representante no país da Zero Waste International Aliance, uma entidade que propaga a idéia do lixo zero em todo o mundo. Gustavo Abdala, diretor executivo do instituto, destaca que a meta do lixo zero é ousada e por isso precisa ser pensada a médio e longo prazo.

"O que é o conceito Lixo Zero? É o máximo de não encaminhamento de resíduos para aterro até chegar a meta de 100% e, estipular uma meta pra isso. Não é da noite para o dia que você, simplesmente, vai deixar de encaminhar para os aterros. Por exemplo, no estado de Santa Catarina hoje começaram a campanha Supermercado Lixo Zero 2020. Então, até 2020 todos os supermercados associados à Associação Catarinense de Supermercadistas não terão encaminhamento de resíduos a aterro. Encaminharão todos eles para reuso ou reciclagem. Há um movimento da ONG Floripa Amanhã e o Instituto Lixo Zero Brasil para que Florianópolis adote a meta: Florianópolis Lixo Zero 2030."

Gustavo Abdala acredita que, atualmente, a população brasileira está mais bem preparada para absorver e praticar a ideia do lixo zero.

"De 2009 pra cá, a população está ficando cada vez mais consciente e cada vez mais as pessoas se sentem culpadas de não reciclar. As pessoas que começam a fazer, elas não conseguem voltar a não fazer. E o que é mais interessante, por exemplo, nesse projeto de bairro tem 35% do cadastro das pessoas está em nome de crianças. Então, as crianças deixam de ficar em casa jogando videogame no computador para fazer uma ação social."

Desde agosto de 2010, o Brasil possui uma lei que estabelece a política nacional para os resíduos sólidos. A lei 12305, regulamentada por decreto em dezembro de 2010, estipula metas ousadas, como a extinção dos chamados lixões até o final de 2014.

A lei estabelece ainda a chamada logística reversa, ou seja, todos são responsáveis pelo resíduo gerado por um produto, desde o consumidor até o fabricante, passando pelo revendedor. Com isso, o resíduo deve fazer o caminho inverso ao do produto. Adriana Ziemer, coordenadora do Departamento Técnico da Abrelp, Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública, ressalta a importância da nova legislação para a gestão adequada dos resíduos sólidos no Brasil.

"Nós temos um grande avanço que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Então, na verdade a Política Nacional, ela traz alguns princípios e diretrizes que são importantes em relação à temática do Lixo Zero. E, dentre elas, a gente tem a hierarquia na gestão dos resíduos sólidos. Essa hierarquia trazida pela Política Nacional, ela mostra qual é a ordem de prioridade na gestão desses resíduos partindo, então, da não geração, da redução, reutilização, da reciclagem, do reaproveitamento e, por fim, a destinação final adequada."

Para que a ideia do lixo zero funcione, não basta reciclar. O primeiro passo é não gerar resíduos, ou reduzir ao máximo a geração. Para Adriana Ziemer, esse passo só pode ser dado através de um consumo consciente.

"Uma das maneiras é, justamente, despertar em nós, na população, uma atitude um pouco mais proativa. Essa atitude da não geração, ela se inicia no momento do consumo porque nós sabemos que é impossível não gerar, mas que nós podemos gerar menos. Então, no momento do consumo, o consumidor pode fazer escolha por produtos e bens que tenham um menor impacto ambiental, que gerem menos resíduos. Essa atitude proativa também pode ser feita no momento da separação dos resíduos em suas casas, nos domicílios. Então separando a parcela orgânica da parcela reciclável e, também, acompanhar o poder público exigindo dele que execute as tarefas que estão na Política Nacional de Resíduos Sólidos"

Estimular o consumo consciente, trabalhar para gerar cada vez menos resíduos e reciclar ao máximo. Essa é a filosofia de trabalho da rede de supermercados Verde Mar, que possui cinco lojas em Belo Horizonte e região metropolitana. Recentemente, passou a vigorar na capital mineira uma lei que proíbe o uso de sacolas plásticas descartáveis em supermercados. As lojas do Verde Mar procuraram implantar essa idéia bem antes da lei, como explica o proprietário da rede, Alexandre Poni.

"Na verdade, o Verde Mar está em um caminho sustentável. A gente acredita muito nisso: de uma contribuição para o nosso planeta. Então, esse projeto, ele iniciou com a adoção de uma sacola retornável com bom gosto que foi desenvolvida pelo estilista mineiro Ronaldo Fraga. É, essa iniciativa nossa fez com que os nossos clientes já adotassem a medida de não usar sacolas descartáveis, foi um grande sucesso e em quatro semanas a gente vendeu 120 mil sacolas desenhadas pelo Ronaldo e com o advento da nova lei casou essa nossa ação, essa nossa iniciativa com a lei."

Em sua loja situada no município de Nova Lima, o Verde Mar implantou uma miniestação de tratamento de esgoto, para que toda a água utilizada no estabelecimento seja reaproveitada no sistema de descarga dos banheiros. A loja está instalando ainda uma pequena usina para a reciclagem do óleo de cozinha, tanto utilizado no próprio estabelecimento como o que for levado voluntariamente pelos clientes. Segundo Alexandre Poni, esse óleo será utilizado como biodiesel no gerador de energia da loja. Ele destaca outras iniciativas sustentáveis adotadas pelo Verde Mar.

"Paralelamente essa questão do uso de sacolas retornáveis, a gente também tem nas lojas os pontos de coleta de materiais recicláveis, nas nossas lojas. Os nossos clientes têm levado com muita frequencia garrafas de vidro, de plástico, jornais. Os clientes usam, adotaram nossas lojas como um ponto de coleta para facilitar essa coleta seletiva e todo esse material reciclável que a gente recolhe, a gente doa para uma associação de catadores de papel"

E aquela latinha de refrigerante do começo desta reportagem? O que vai acontecer com ela tem muito a ver com a vida de todos nós. Por isso, cabe a cada um pensar seriamente em dar a ela o destino mais adequado.

De Brasília, Edson Junior

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h