Rádio Câmara

Reportagem Especial

Tecnologias assistivas - O acesso ao mercado de trabalho (10'48'')

09/07/2011 - 00h00

  • Tecnologias assistivas - O acesso ao mercado de trabalho (10'48'')

Afirma a Constituição Federal que todos os brasileiros têm direito ao trabalho e a um salário que garanta suas necessidades básicas. Mas princípios como esses não são aplicados automaticamente na vida das pessoas, ou seja, dependem de uma série de fatores para que passem da lei para a realidade.

No que se refere às pessoas com deficiência, esses fatores se multiplicam. Afinal, além da vocação profissional, entra a questão da compatibilidade da deficiência com determinadas atividades. Ainda não existem no mercado, por exemplo, carros que pessoas cegas possam dirigir, o que o impede de ser motorista. Assim como, surdos não oralizados não podem trabalhar como locutores de rádio.

Some-se a isso o preconceito que muitos empregadores ainda têm quanto à atuação profissional das pessoas com deficiência, e temos uma grande massa de trabalhadores fora do mercado por causa dessa condição.

Mas, apesar de ser ainda desfavorável, essa realidade está mudando. Em grande parte, isso se deve às tecnologias assistivas, que permitem às pessoas com deficiência o exercício de atividades antes incompatíveis com suas limitações físicas. Através de softwares que fazem o computador falar, cegos podem exercer atualmente qualquer atividade dentro da informática, inclusive no complexo universo da programação de computadores. A mesma informática garante a pessoas que têm os movimentos comprometidos uma interação plena com as outras pessoas e o exercício de diversas atividades profissionais.

Com esses recursos, o trabalho das entidades que procuram encaminhar pessoas com deficiência ao mercado de trabalho ficou menos complicado. É o caso do portal Deficiente Online, que procura fazer o cruzamento de informações de candidatos a emprego e das empresas que estão em busca de trabalhadores. O criador e gestor do portal, Cláudio Tavares, explica como isso é feito.

"O candidato com deficiência física pode acessar o site, se cadastrar gratuitamente, o currículo dele fica disponibilizado para as empresas que procuram candidatos com deficiência, que contratam esse serviço, e também ele pode se candidatar nas vagas oferecidas pelo portal."

Cláudio Tavares explica que, atualmente, o portal Deficiente Online tem mais de 19 mil currículos de pessoas com deficiência cadastrados, além de mais de 3 mil vagas disponibilizadas pelas empresas. Ele salienta que o site tem mais de 400 empresas em sua carteira de clientes. Além das vagas oferecidas pelas empresas, o portal dá informações sobre os cursos de qualificação para as pessoas com deficiência. Segundo Cláudio Tavares, todos os cursos anunciados no portal são gratuitos.

Outra iniciativa de encaminhamento ao mercado de trabalho é a Rede de Emprego Apoiado, ideia que surgiu nos Estados Unidos nos anos 80 e chegou ao Brasil em meados da década de 90. Romeu Kazumi, que faz parte da rede no Brasil e foi um dos implantadores dessa forma de encaminhamento ao emprego no país, explica a diferença entre o emprego apoiado e as outras modalidades de promoção do trabalho entre as pessoas com deficiência.

"O emprego apoiado é uma forma de emprego competitivo, e se diferencia de outras formas porque esse emprego é conseguido dentro das empresas abertas, usando um processo inverso ao processo tradicional ou convencional de colocação no mercado de trabalho. Como é que a gente faz a colocação? Todo mundo se qualifica e depois é colocado no mercado de trabalho. E o emprego apoiado faz o inverso: primeiro, coloca-se no mercado de trabalho, e, depois, capacitamos essa pessoa no local de trabalho, na seção, no setor onde essa pessoa foi colocada. E essa colocação já é com carteira assinada."

Romeu Kazumi explica que, quando a qualificação do trabalhador é feita antes da colocação no mercado, as vagas disponíveis nem sempre condizem com a qualificação que foi recebida, daí o porquê de se preparar o trabalhador depois da contratação. Segundo Kazumi, a Rede de Emprego Apoiado faz uma preparação básica, em que a pessoa aprende os princípios básicos de qualquer trabalhador, como relacionamento interpessoal, noções de hierarquia e comportamento no local de trabalho. Ele explica que as empresas estão dispostas a qualificar a pessoa no local de trabalho, desde que ela apresente as características desejáveis a qualquer empregado.

A legislação brasileira prevê a adoção de cotas para a contratação de pessoas com deficiência. Qualquer empresa que tenha mais de 100 empregados está obrigada a contratar de 2% a 5% de trabalhadores com algum tipo de deficiência, dependendo do número de funcionários do quadro geral. O dispositivo legal é alvo de muitas controvérsias. Por um lado, algumas entidades representativas das pessoas com deficiência afirmam que, sem as cotas, as empresas não contratam esses trabalhadores por puro preconceito. Por outro, muitas empresas reclamam que não conseguem cumprir a cota por falta de qualificação das pessoas com deficiência que buscam emprego.

Cláudio Tavares, do site Deficiente Online, defende as cotas e exemplifica a dificuldade de colocação no mercado com seu exemplo pessoal.

"Na verdade, a lei de cotas é um avanço sim, e é um mal necessário também. Vou colocar por mim: em 1993, quando eu saí para procurar emprego pela primeira vez, sem experiência, foram dois anos e, naquela época, já se verificava que não se abriam facilmente as portas nas empresas. Após algum tempo, eu fui encaminhado, através de uma ONG, para trabalhar dentro da Agência do Trabalhador. E de lá, eu consegui fazer uma carreira, entrei no núcleo de informática, de lá eu fui para uma empresa multinacional, mas, se não fosse a lei de cotas, eu estaria até hoje dentro do Estado. Porque, realmente, a lei de cotas veio como um avanço, para quebrar esses paradigmas do preconceito."

Já na avaliação do consultor da Rede de Emprego Apoiado Romeu Kazumi, a legislação que estabelece as cotas vai contra a ideia de uma sociedade inclusiva.

"Em princípio, ou seja, do ponto de vista filosófico ou ideológico, nós somos contra a lei de cotas. A lei de cotas é contrária à filosofia da inclusão. A lei de cotas é discriminatória. Primeiro, nós não queremos apenas cumprir uma lei que obriga as empresas a contratar. Só de obrigar, já não é inclusivo, já não é uma boa prática. A empresa vai contratar, só que ela vai contratar muito mal. Me apresenta aí uma pessoa com deficiência muito leve, que quase a gente não perceba a deficiência, porque, pelo menos, vai me dar menos trabalho."

TÉC. TRILHA (If That's True)

Na Câmara dos Deputados, os recursos da tecnologia assistiva têm um papel muito importante. Além de disponibilizar os softwares adaptativos para auxiliar os servidores da casa que possuem alguma deficiência, a Câmara mantém um rigoroso controle de acessibilidade no seu portal na Internet. O mesmo software que é utilizado pela maior parte das pessoas cegas no acesso à web é também utilizado para fazer testes e verificar se o site da Câmara está acessível.

No próprio exercício parlamentar, a Casa inovou em tecnologias assistivas, já que foram feitas adaptações até no sistema de registro de presença em plenário e no sistema de votação. Foram essas inovações que permitiram à deputada Mara Gabrili, do PSDB de São Paulo, o pleno exercício do seu mandato, como ela mesma explica.

"A casa foi muito atenciosa comigo, foi superbacana, eles colocaram elevador, eu já falo da tribuna, e ainda colocaram o sistema de votação, porque eu sou a primeira tetraplégica a ser eleita deputada federal e eu não toco no teclado para poder votar. Então, eles desenvolveram um sistema que eu voto com o movimento do meu rosto. Isso é sensacional, porque a gente mostra para todo o Brasil que quem tem que se adequar é o meio. Não é a pessoa com deficiência que tem que se adequar ao meio. É o meio que tem que se adequar a ela."

Do exercício do mandato parlamentar à carreira artística, as tecnologias assistivas tornam cada vez mais fácil o exercício de uma profissão por quem tem alguma deficiência. Mesmo atividades que já eram exercidas antes por essas pessoas foram facilitadas. O humorista Geraldo Magela, por exemplo, iniciou sua carreira no rádio nos anos 80 e, desde os anos 90, foi para o teatro e para a TV com seus personagens. Atualmente, ele faz parte do elenco da Escolinha do Gugu, programa que vai ao ar todos os domingos na Rede Record. Para promover o seu trabalho, Magela faz uso constante das redes sociais e afirma que, com os programas adaptativos, a comunicação com o seu público ficou mais direta.

"Profissionalmente, para mim, o Twitter é fundamental, porque eu tenho um projeto de stand-up, e eu tenho mais de 53 mil seguidores. Eu faço promoções, sorteios, divulgo o meu trabalho profissional, então eu uso o máximo possível. De usá-lo profissionalmente, e também de bate-papo mesmo, de falar bobagem, e, no meu caso, de ser humorista. Essa bobagem acaba sendo instrumento de trabalho, porque acaba virando texto."

Geraldo Magela explica como o uso do computador contribui para a memorização dos textos para a TV.

"Eu gravava num gravadorzinho, aí passava para os meus filhos, eles digitavam, escreviam, liam para mim e eu gravava o texto final. Agora não. Agora eu estou pondo a minha mente doentia para funcionar, eu bolo os textos, vou digitando, depois vou ouvindo, passo para o gravador, então, o computador também, para o lance da Escolinha, está me auxiliando bastante."

Mas uma grande prova de que as tecnologias assistivas fazem a diferença no mundo do trabalho é a conclusão dessa reportagem. Afinal, se não fossem os leitores de tela, que tanto facilitam a vida das pessoas cegas no mundo digital, este repórter, que sofreu perda total da visão por causa de um glaucoma congênito, teria muita dificuldade para levar até você todas essas informações. E se um jornalista cego pode exercer sua profissão exatamente como seus colegas de redação, é porque, realmente, estamos fazendo uma revolução no mundo. E é essa revolução tecnológica que vai levar a outra revolução: a que vai extinguir para sempre os preconceitos da nossa sociedade.

De Brasília, Edson Junior

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h