Reportagem Especial
Refugiados - As dificudades para encontrar moradia e trabalho (06'51")
29/06/2011 - 00h00
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Refugiados - As dificudades para encontrar moradia e trabalho (06'51")
TRILHA – Lumilongi – Coral Africano Amor do Senhor
Na fronteira com a Bolívia, a cidade de Brasiléia, no Acre, tem enfrentado uma tarefa difícil: receber estrangeiros que procuram uma vida melhor no Brasil.
Em 2008, quase mil bolivianos cruzaram a ponte que liga o Brasil à Bolívia, fugindo dos confrontos políticos entre os governos de Evo Morales e de Leopoldo Fernandez, então governador do estado de Pando.
Roger Zabala trabalhava como chefe da Casa Civil do governador Leopoldo, opositor do presidente boliviano. Ele conta como foi a fuga para o Brasil.
"Quando cheguei lá, não demorou três minutos, o avião militar desceu no aeroporto, que estava interditado pelo povo, desceu e foi caindo pessoal de elite das forças armadas bolivianas, começaram a atirar. Foi aí que atiraram num pastor que estava com a bíblia pedindo paz no aeroporto, atiraram no peito de uma jornalista e atiraram nas pernas de um universitário. (...) Eu, do aeroporto, peguei o carro que eu tinha e consegui atravessar a fronteira no meu carro e alguns também. Mas outros foram pelo rio, pela ponte, até alguém teve que se fantasiar ou colocar roupa de mulher e peruca para conseguir passar pela ponte até chegar aos braços de militares brasileiros que estavam aguardando para dar resguardo."
Mas o Brasil não recebeu apenas os opositores de Morales. Segundo Luiz Paulo Barreto, presidente do Comitê Nacional para os Refugiados, o Conare, militantes perseguidos pelo governador de Pando também chegaram ao Brasil em busca de proteção. Ele afirma que a decisão de acolher os refugiados foi comunicada ao governo boliviano e não interferiu nas relações entre os dois países.
"A doutrina internacional diz que receber e reconhecer refúgio não é ato inamistoso, é um ato apolítico e de sentido humanitário. Ao receber essas pessoas, o Brasil protege aquele indivíduo de uma situação qualquer. O Brasil não está julgando a situação de seu país e jamais vai interferir nessa situação."
TRILHA – Mi Tierra – Antara
“Siempre espero com ânsia y com tremenda alegria, el día que pueda volver, ai, como espero este día.”
Passado o tempo, Zabala explica que muitos bolivianos preferiram voltar para casa devido às dificuldades encontradas para se estabelecer no Acre.
"O aluguel já significa uma demanda econômica. Por exemplo, um real é quatro bolivianos, no câmbio atual. Então, com a ajuda que trazem os parentes, dá para pagar quartinho pequeno, tem que compartilhar banheiro. Só o quarto para colocar cama e colchão, no mínimo, custa R$ 150 a R$ 200, quando não é mais. Então, R$ 200 reais significa, para a Bolívia, 800 bolivianos, três salários mínimos."
Zabala trabalha como professor de espanhol, mas afirma que a maioria dos refugiados tem que se virar vendendo hambúrgueres e espetinhos ou em trabalhos informais. Mesmo assim, a demanda não é constante, porque a cidade é pequena.
Mais sorte têm os qualificados para trabalhar na construção civil. Segundo o padre Rutemarque Crispim, que tem dado apoio aos refugiados que chegam a Brasiléia, algumas empresas pagam passagem para que os trabalhadores cheguem a canteiros de obras em São Paulo, Minas, Santa Catarina. As hidrelétricas de Rondônia também têm absorvido a mão de obra estrangeira que chega ao Acre.
Mas para os que tem formação universitária a situação é mais complicada. Como estão fugindo de uma perseguição, em geral, os refugiados chegam ao Brasil com poucos ou nenhum documento. Como comprovar, então, sua formação e qualificação para trabalhar como médico, engenheiro ou advogado no Brasil?
Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração, afirma que, muitas vezes, é na prática que os trabalhadores vão conseguir provar sua competência.
"Têm profissões que demandam inscrição em conselho profissional, aí é uma questão muito mais complicada. Agora, outras profissões acabam que as pessoas vão trabalhando e, na prática, vão demonstrando aquele conhecimento e vão angariando a confiança dos empregadores."
Paulo Sérgio chama a atenção também para outro problema: a falta de entendimento sobre a condição de refugiado por parte dos empresários. Quem explica a confusão é quem sofreu com a dificuldade de encontrar emprego no Brasil por ser refugiado, o congolês Cliffor Manzambi Francisco.
"As pessoas às vezes confundem o nome refugiado. Alguns, vendo o nome refugiado, interpretam mal, pensam que somos terroristas, somos pessoas do mal, mas no fundo, no fundo, não. Refugiado sai do seu país para se proteger."
TRILHA – Fugitiva – Antara
“Ayer, me converti en una fugitiva, qui sin ser un criminal terminé siendo herida”
Cliffor é formado em Bioquímica e, na República Democrática do Congo, dava aulas de química e de inglês. No Brasil, trabalhou como pintor e agora confere mercadorias numa empresa de logística do Rio de Janeiro. A oportunidade veio de uma parceria da empresa com a Cáritas Arquidiocesana do estado, entidade que apoia refugiados no Brasil.
Ana Lúcia Barbosa Pazó é a gestora de qualidade da unidade em que Cliffor trabalha. Foi ela quem propôs a contratação de refugiados, após ler uma reportagem sobre o assunto. E não se arrepende.
"Eles trabalham, não faltam. Só algumas questões de doença ou quando têm que resolver alguma coisa, porque eles têm que, de tempos em tempos, comparecer à Polícia Federal por causa de questões de documentação, para ficar tudo em dia, em alguns momentos chegam mais tarde, mas avisam. Mas o absenteísmo não existe, eles praticamente estão aqui todo santo dia, que é outro problema que a gente tinha."
Atualmente, a empresa tem 14 refugiados em sua folha de pagamento no Rio de Janeiro. E, segundo Ana Lúcia, o gerente de uma unidade São Paulo mostrou interesse em fechar parceria com a Cáritas de seu estado.
TRILHA – Fugitiva – Antara – Instrumental
De Brasília
Verônica Lima