Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Serra da Capivara - Geração de emprego, renda e cidadania (08'04'')

30/05/2011 - 00h00

  • Especial Serra da Capivara - Geração de emprego, renda e cidadania (08'04'')

O Parque Nacional Serra da Capivara e o Museu do Homem Americano foram criados para proteger e abrigar o patrimônio arqueológico encravado nas rochas do sudeste do Piauí.

Esse trabalho de proteção e conservação do acervo demanda uma variada mão-de-obra, desde a especializada até as mais elementares. As rochas, por exemplo, precisam ser suavemente escavadas com pincel para revelar as pinturas rupestres e os vestígios deixados pelo homem pré-histórico.

Os utensílios recolhidos nos sítios arqueológicos devem ser devidamente catalogados para posterior datação. Além disso, o parque necessita de fiscais, guias, atendentes e outros funcionários.

E é a própria população simples da região que está botando a mão na massa em todas essas tarefas. Os moradores do entorno do parque, na cidade de Coronel José Dias e no povoado Sítio do Mocó, tiveram uma professora especial: a arqueólóga Niède Guidon, que descobriu o patrimônio pré-histórico da Serra da Capivara ainda na década de 1960.

"Era um povoado muito pobre e comecei a trabalhar ali. Eu pegava gente de lá, que começou a trabalhar com a gente. Eu os ensinei a escavar. Até topografia eles aprenderam. Aí eles diziam que o que eles ganhavam em dois meses com a missão francesa dava para viver o ano inteiro. Oitenta por cento do pessoal de lá trabalham com a gente. Eles se especializaram mesmo e trabalham muito bem. Em outros lugares do Brasil, quando precisam de alguém, eles vêm procurar aqui."

Niède Guidon preside a Fundação Museu do Homem Americano, criada em 1986, com apoio do governo da França. Além dos aspectos culturais, científicos e ambientais, a fundação também tem foco no lado social, já que o museu e o parque se transformaram nas principais alavancas do desenvolvimento regional.

Essas duas atrações geram empregos diretos e ainda permitem o desenvolvimento de várias outras atividades indiretas que garantem renda, cidadania e dignidade para o povo simples do sudeste do Piauí.

Quem constata esse fato é Reryvan Silva, nascido e criado numa das portas de entrada do parque nacional, em Coronel José Dias.

"Na região da Serra da Capivara, antes da fundação, só existia uma alternativa de sobrevivência: plantar milho e feijão. E eram famílias caçadoras, destruidoras e que não estavam nem aí para o patrimônio do parque nacional, até porque não conheciam esse patrimônio. Elas deixaram de ser famílias que destruíam para ser famílias protetoras. E o trabalho da fundação, ao longo dos tempos, foi mostrando para essas pessoas que existia uma alternativa além do milho e do feijão."

Com o incentivo da Fundação Museu do Homem Americano e de instituições, como o Sebrae, Reryvan e outros moradores montaram a Cerâmica Serra da Capivara. Eles produzem potes, esculturas e utensílios decorativos à base de argila e fazem grande sucesso em feiras dos grandes centros urbanos do Brasil e do exterior.

Entre os ceramistas, encontramos um bom exemplo de reversão do quadro de êxodo rural que imperava na região. Graças ao trabalho na cerâmica, Ari Ferreira, de 30 anos, pôde voltar à terra onde nasceu e cresceu, depois de perambular em serviços de pedreiro e bóia-fria em Brasília e no interior de São Paulo.

"Ari: Antes, eu trabalhava na roça, mais meu pai. Aí cresci e fui caçar serviço fora, no estado de São Paulo, no corte de cana; e trabalho na construção, em Brasília.
Repórter: Valeu a pena ter voltado?
Ari: Valeu a pena.
Repórter: Você consegue sobreviver hoje com o que você faz?
Ari: Sobrevivo com isso aqui mesmo. E pretendo viver aqui mesmo e não precisar mais sair pra fora."

Esse exemplo do Ari vem se multiplicando na região. Atualmente, cerca de 40 famílias trabalham na produção de cerâmica. Reryvan Silva gerencia esse trabalho e revela que, além de produzir belos e requintados utensílios de decoração, esses ceramistas acabam moldando a própria autoestima e o orgulho pelas riquezas regionais.

"Antes, você tinha a velha história de viúvas de maridos vivos, que é justamente o pessoal que, num período do ano, deixam suas famílias, suas mulheres e suas crianças, têm que ir realmente cortar cana, trabalhar na construção civil e tal. E hoje a nossa ideia é que a cerâmica possa crescer e absorver essa mão-de-obra. E o que é incrível é que geralmente, com as pessoas que voltam, quando entram na cerâmica conseguem trabalhar a cerâmica muito bem. Até por conta do psicológico da pessoa, que está perto da sua casa, da sua família, da sua mulher e dos seus meninos."

Lucélia Silva é outra que aproveitou a proximidade do parque nacional para organizar alternativas de geração de renda. Ela montou uma loja de presentes e um pequeno albergue, no Sítio do Mocó, povoado que fica bem perto dos principais sítios arqueológicos da Serra da Capivara.

Juntamente com os moradores, Lucélia estampou gravuras de animais em camisetas que são vendidas aos turistas como parte de uma campanha de conscientização contra a caça.

E isso é fruto de uma mudança de hábitos. Lucélia conta que os moradores, quase todos ex-caçadores e ex-predadores do meio ambiente, agora são os principais defensores da rica biodiversidade da Caatinga.

"Alguns que viviam dentro do parque saíram quando o parque foi criado, em 1979. Agora, eles preservam o parque. Para eles, foi bom porque gerou trabalho aqui para a família desses ex-caçadores. Há ex-caçadores que trabalham em função do parque: na escavação ou fazendo algum trabalho de manutenção dentro do parque."

Trabalhos de conscientização como esses são importantes porque a relação entre os arqueólogos e a população nem sempre é amistosa. Os conflitos surgem geralmente quando a própria população desconhece ou não dá o devido valor aos patrimônios científico, cultural e ambiental da região.

Vem daí o incentivo da Fundação Museu do Homem Americano às ações que aproximem cientistas e povo. Há também um outro motivo mais nobre: o reconhecimento de Niède Guidon, doutora em arqueologia pela Sorbonne e Universidade de Paris, aos sertanejos rústicos que lhe serviram de guia nas primeiras pesquisas pré-históricas na Serra da Capivara.

"Quando eu cheguei aqui, eu tinha o conhecimento da arqueologia, mas eu não conhecia a região. Foram esses primeiros guias que foram me mostrando e eu fui conhecendo e entendendo. Inclusive, muitas coisas só foram possíveis por causa deles, porque a gente andava 60 Km carregando ferramentas, máquina fotográfica e tudo isso. Comida, você passa sem ela. Mas e a água? Então, houve vezes em que ficamos sem água e esses homens diziam: 'aqui a gente pega essa árvore, corta e sai água e dá para beber'. Então, eu aprendi muito com eles neste sentido de como viver no meio ambiente. E isso, eu acho muito importante. A gente trocou idéias, eles aprenderam a escavar, aprenderam toda a tecnologia."

As parcerias da fundação também têm incentivado as atividades dos agricultores familiares e os projetos de educação e cultura na região. Além disso, a iniciativa privada tenta ampliar os investimentos na rede hoteleira e de restaurantes, sobretudo em São Raimundo Nonato, a principal cidade da Serra da Capivara.

Essas são algumas das ações que têm tocado o desenvolvimento regional, enquanto se esperam as obras de infraestrutura, as estradas e o aeroporto que poderão ampliar o fluxo de turistas e dinamizar a economia local, com ganhos para toda a população.

De Brasília, José Carlos Oliveira

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