Rádio Câmara

Reportagem Especial

A história do Slow Food e os princípios do movimento (08'20'')

14/03/2011 - 00h00

  • A história do Slow Food e os princípios do movimento (08'20'')

(Trilha)

Na correria dos dias atuais, muitas vezes, não paramos para pensar de onde vem nossa comida e como ela foi produzida. A alimentação industrializada ganha espaço na mesa. Queremos praticidade e rapidez. Se der para ser algo saudável, melhor. Se não der, paciência.

Mas já há quem queira mudar essa história.

Desde 1986, um movimento nascido na Itália procura quebrar a lógica da padronização do alimento. Na pequena cidade de Bra, no norte italiano, o ativista alimentar Carlos Petrini fundou o Slow Food como uma associação enogastronômica, com o objetivo de defender e apoiar a boa comida, o prazer da mesa e um ritmo de vida mais lento.

Três anos depois, em 1989, o movimento passou a ser internacional e hoje conta com mais de 100 mil membros em cerca de 150 países, inclusive no Brasil.

Os ideais do Slow Food também se ampliaram, para abranger a qualidade de vida como um todo e a própria sobrevivência do planeta.

Para o Slow Food, o alimento deve ser bom, limpo e justo, como explica a representante do conselho internacional do Slow Food no Brasil, Roberta Marins de Sá.

"O bom a gente pode traduzir em gostoso. Aquele alimento que te traz a memória de coisas boas tem a ver com a memória gustativa e que é relativo pra cada cultura, pra cada pessoa. O limpo está ligado com a produção sustentável e respeito ao meio ambiente, o bem-estar do animal, os homens e mulheres que trabalham pra produzir esse alimento. (...) E o Justo tem a ver com a justiça social, um preço justo tanto pra quem consome como pra quem produz, para que as pessoas que produzem possam ter o acesso a esse mesmo alimento."

Cientista de alimento e consultora no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Roberta é voluntária no movimento Slow Food, onde atua em várias frentes. Além de participar de comissões da associação em nível internacional, também lidera o Convivium Cerrado e preside a Comissão Brasileira da Arca do Gosto.

Convivium e Arca do Gosto são alguns dos termos usados pelo Slow Food para identificar seus projetos e modos de atuação. O convivium, por exemplo, são os grupos locais do movimento, nos quais os integrantes articulam relações com produtores, fazem campanhas para proteger alimentos tradicionais, organizam degustações, incentivam os chefs a usar produtos regionais e cultivam o gosto ao prazer e à qualidade de vida.

Já a Arca do Gosto é um catálogo mundial de produtos gastronômicos ameaçados de extinção, mas ainda vivos e com potencial produtivo e de comercialização. No Brasil, estão catalogados 21 produtos, tais como: o pequi e a cagaita, originários do Cerrado; o palmito Juçara, da Mata Atlântica; o guaraná nativo Saterê-Mawê, da Amazônia; o pinhão, da Serra Catarinense, e o umbu, da Caatinga.

Alguns dos produtos da Arca tornam-se Fortalezas, que são projetos dedicados a auxiliar grupos de produtores artesanais. No Brasil, há nove Fortalezas, como o da castanha de Baru, no Cerrado, e o do umbu.

A ideia, segundo Roberta Marins de Sá, é evitar o desaparecimento de espécies, produtos e sabores que, por causa da globalização, estão perdendo espaço na mesa da população.

"É justamente o resgate cultural, rituais antigos, para que esses rituais não sejam esquecidos e também a questão do uso de alguns produtos, ingredientes, alguns temperos que estão sendo deixados de lado. As pessoas agora usam temperos globalizados e se esquecem da forma como era feito, e talvez até bem mais saudável antes do que agora."

(Trilha)

Em mais de 20 anos de movimento, o Slow Food conseguiu se ampliar para mais de 150 países, mas ainda não está amplamente conhecido.

Consultor gastronômico em Brasília e associado ao Slow Food, Moisés Nepomuceno acredita que algumas pessoas seguem os princípios do movimento, mas ainda não se deram conta disso.

"Eu creio que muitas pessoas já têm esse princípio, mas apenas não aderiram ao movimento, não se associaram ao movimento por talvez não saberem que existe um movimento que segue aquela filosofia que elas têm. Tem pessoas que não gostam de comprar em mercado, gostam de comprar em feiras, estar em contato com o produtor, pechinchar o valor da alface, do tomate. Estar em contato, saber onde é a chácara da pessoa, como produz, como faz. Isso é Slow Food, é você estar frenquentando mercados, feiras onde pequenos produtores se reúnem."

Para o professor da Universidade de Brasília Ricardo Neder, da pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável, o comprometimento com o produto local e a origem da comida exige que o consumidor saia de uma zona de conforto para uma postura muito mais ativa.

"Isso exige um consumidor mais consciente dessas muitas tentações, da solução fácil de alimentação que a indústria alimentícia oferece. Então, ele precisa estar consciente de que, para vencer isso, os produtores precisam de auxílio, de fomento oficial e também da sociedade civil."

Precursora do Slow Food no Brasil, a consultora Margarida Nogueira fundou o primeiro Convivium em território nacional, o do Rio de Janeiro. Ela reconhece que nem sempre é fácil seguir os princípios do movimento, mas recomenda a busca pelo alimento bom, limpo e justo.

"Não é fácil, mas, se você procurar, você acha. Tem esses grupos que até entregam em casa, para facilitar. Aqui no Rio há vários que cultivam hortaliças orgânicas. Trazem não só hortaliças, mas ovo caipira. Leite é uma coisa mais difícil, bem mais difícil. Tem coisas que você não pode mudar da noite para o dia. O que você puder mudar, comendo mais local em vez de ficar pensando nos aspargos de Portugal, na trufa da Itália, você comer suas coisas, os alimentos característicos de seu país. (...) Então, eu acho que você vai descobrir coisas incríveis. Eu, por exemplo, há seis anos não conhecia castanha de baru, que é do Cerrado. (...) Quando eu conheci a castanha de baru fiquei louca, porque uma pessoa de cozinha, que está na cozinha há 30 anos, não conhece um produto de seu próprio país."

Para se associar ao Slow Food e conhecer um pouco mais sobre a entidade, pode-se entrar na página na internet www.slowfoodbrasil.com. Os associados pagam uma anuidade de cerca de R$ 15. Slow se escreve S-L-O-W e food, F-O-O-D.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

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