Rádio Câmara

Reportagem Especial

Desastres naturais: o desequilíbrio causado pelas queimadas (08'23")

25/11/2010 - 00h00

  • Desastres naturais: o desequilíbrio causado pelas queimadas (08'23")

Assim como a água, que se divide em períodos de secas e enchentes, o fogo também parece participar de um ciclo natural. Cientistas explicam que, na estiagem, devido à baixa umidade relativa do ar e ao forte calor durante o dia, é comum ocorrer, no cerrado, incêndios provocados por combustão espontânea. Segundo o pesquisador Fernando Scardua, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, o fogo é, de fato, um fenômeno natural desse bioma.
"Para o cerrado, o fogo é um elemento constituinte da própria forma de ele existir. Há várias vegetações do cerrado que já estão adaptadas para esse tipo de fenômeno."

Mas, segundo o coordenador do Programa Nacional de Combate ao Fogo, do Ministério do Meio Ambiente, Wanius de Amorim, o fogo espontâneo é uma ocorrência rara.

"Fogo não brota da natureza. A não ser em casos excepcionais, quando você tem uma descarga de raios, que não tem chuva, aí você pode ter, sim, fogo natural. O que acontece de forma rara, mas acontece em algumas áreas do Brasil. Então a grande parte dos incêndios, a causa é humana. A extensão desses incêndios, ou seja, o problema que ele causa, os grandes incêndios, ele vai ser aumentado, a extensão do problema, por causa da estiagem."

Wanius explica que o fogo é usado para manejo do solo e para desmatamento. Ele funciona como uma técnica de limpeza de terreno, ao consumir tudo que o agricultor teria que tirar de forma mecânica para fazer o plantio. É como se fosse uma grande vassoura, um rastelo, explica o coordenador do Pronafogo. O fogo também pode fertilizar a camada superior do solo, mas, se usado de forma contínua, pode gerar efeito contrário, empobrecendo definitivamente aquele solo.

"Na verdade, o fogo é muito pouco benéfico do ponto de vista de fertilidade do solo e do ponto de vista ambiental, porque ele emite gases de efeito estufa que vão provocar, acelerar e incrementar o aquecimento global. Então, na verdade, o fogo não é uma técnica boa, ele não é benéfico."

Apesar desses problemas, o fogo pode ser utilizado com autorização do órgão ambiental responsável, dentro do calendário próprio de queimada e com apoio técnico da Embrapa, da Emater, dos bombeiros e agentes florestais. Segundo Wanius de Amorim, essa autorização é dada a agricultores sem acesso a tecnologias alternativas e a créditos suficientes para a produção. Mas é uma solução provisória.

"O que para a gente é uma exceção. A gente quer chegar num Brasil, quer ter um Brasil, um dia, em que não seja mais necessário autorizar o uso do fogo. Mas, até lá, temos que investir mais em créditos agrícolas, mais em tecnologias alternativas, de uma forma que alcance todo esse setor, que está espalhado em milhares de propriedades por todo o Brasil."

O Ministério do Meio Ambiente espera zerar o fogo de manejo feito sem autorização e o fogo em área de desmatamento. Para tanto, o Pronafogo tem buscado integrar as ações e órgãos existentes para dar mais eficiência no monitoramento e prevenção de queimadas. Segundo Wanius de Amorim, foram criados centros integrados multiagências para atuar 24 horas por dia na prevenção e combate a incêndios. E para pensar soluções de melhoria dos mecanismos de créditos agrícolas.

"Estamos trabalhando com outros ministérios, como o da Agricultura, para colocar uma condição no Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar, o Pronaf, para que os agricultores que não queimem recebam efetivamente aquele crédito e, se for verificada uma queimada nessa área, que eles provem que não foi incêndio criminoso ou provocado por eles mesmos. Então a gente vai apertar o crédito agrícola para fazer com que os agricultores sigam a lei."

O morador da Ilha do Bananal, no Tocantins, Clayton Javaé está acostumado a ver incêndios naquela região. Ele explica que os próprios índios usam o fogo para abrir roças e trilhas para caça, mas que caçadores ilegais também se utilizam desse recurso. E, no período de seca, o fogo tende a se alastrar e a provocar grandes desastres, explica Clayton, que é membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.

"A Ilha do Bananal é habitual de todo ano queimar. Na época da seca, sempre queima. Agora, neste ano, foi assim, houve foco maior de incêndio. Tocantins todo queimou, mas a Ilha do Bananal, também por ser uma área muito grande, uma área de pastagem natural e, com a seca, os pastos secam muito e então fica muito propícios a queimadas. Então a gente pode enumerar vários fatores que propiciam fogo no Ilha do Bananal, e um dos maiores é a seca, que, neste ano, foi muito grande."

Com mestrado e doutorado em Ecologia do Fogo, a bióloga da Secretaria de Agricultura do Distrito Federal, Alba Ramos, explica que as queimadas feitas pelo homem nas áreas agrícolas e de pastagem deveriam ocorrer com intervalos de, pelo menos, sete anos. No entanto, elas chegam a acontecer anualmente, causando perdas não apenas para o solo e a vegetação. Clayton Javaé, morador da Ilha do Bananal, está acostumado a lidar com essas perdas.

"As perdas são irreparáveis, né? Desde arqueológicas, tem muitos cemitérios, muitos animais foram queimados. Todo ano existe essa grande perda. Porque todo ano tem fogo na Ilha do Bananal. Neste ano foi mais. Houve perda de casas, algumas aldeias, queimou tudo ali, matou animais, afeta o ecossistema, isso interfere culturalmente no povo também. A gente depende da caça, depende dos rios. Queimando a floresta em torno, perde muitos animais, dificulta a caça, a roça."

Além das perdas diretas, o homem é vítima de suas próprias ações sobre a natureza ao provocar mudanças ambientais. Segundo Wânius de Amorim, os incêndios florestais, queimadas e desmatamentos são responsáveis por 65% a 80% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. E o Brasil é o quarto maior emissor do mundo.

As preocupações do coordenador do Pronafogo ficam evidentes em estudo realizado pelos pesquisadores Luis Fernando Salazar, da Universidade Industrial de Santander, na Colômbia, e Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Brasil. A dupla calculou pela primeira vez qual é a redução na quantidade de chuvas necessária para desestabilizar a floresta Amazônica, transformando parte dela em savana. Eles alertam para outros estudos, que indicam que o aumento de queimadas, associado a um clima mais quente e seco, pode acelerar essa transformação do bioma.

De Brasília, Verônica Lima

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