Rádio Câmara

Reportagem Especial

Superdotados - Políticas públicas e apoio de ONGs (08'30")

25/10/2010 - 00h00

  • Superdotados - Políticas públicas e apoio de ONGs (08'30")

O Brasil tem identificadas cerca de 5 mil crianças com altas habilidades. O número é muito pequeno, se comparado à média apresentada pela Unesco de aproximadamente uma criança dotada para cada grupo de 30.

Suzana Perez, presidente do Conselho Brasileiro de Superdotação, explica que o número de crianças superdotadas não justificaria a criação de políticas públicas específicas para alunos com altas habilidades.

Mas a média da Unesco, se aplicada ao universo de 35 milhões de crianças matriculadas no ensino fundamental no país, traz uma estimativa superior a um milhão de crianças com altas habilidades no Brasil.

A educação pública considera crianças com altas habilidades e superdotadas como integrantes da educação especial, e justamente por causa dos poucos casos identificados de forma positiva, não cria políticas amplas para atender a essas crianças.

O Ministério da Educação considera que é saudável para a criança com altas habilidades frequentar a educação regular especialmente pelo ganho em contato social. Além disso, a educação regular consegue atender à necessidade de aprendizado nas áreas em que a criança não tem uma alta habilidade.

Os outros programas necessários às crianças superdotadas são de natureza complementar à educação regular, e se destinam a suprir a maior capacidade de absorção de conhecimento no campo em que há a alta habilidade.

Martinha Clarete Dutra, responsável no Ministério da Educação pelos programas de educação especial, explica qual educação complementar que se dá a uma criança superdotada.

"O MEC implementou, em parceria com os estados, desde 2005, os núcleos de altas habilidades e superdotação. Então, aqueles estados, aquelas secretarias de educação que aderiram a esse programa, instituíram na rede de ensino um núcleo para o acompanhamento dos alunos e a formação docente. Esse é um programa que objetiva informar a escola, os professores, os gestores, todas as pessoas que atuam nos sistemas de ensino, sobre a importância de a escola ter na sua proposta pedagógica atividades de enriquecimento curricular, atividades que de fato proporcionem para todos os alunos essa possibilidade de identificação dos seus talentos e das suas habilidades."

As políticas públicas não conseguem atingir a todas as crianças identificadas com altas habilidades. Mas existem organizações não-governamentais que tentam auxiliar na tarefa de oferecer a educação complementar que a criança superdotada necessita.

Entidades como a Mensa e a Associação Brasileira para Altas Habilidades proporcionam atividades extracurriculares que esses estudantes necessitam.

Infelizmente essas entidades ainda não conseguem ir além de grandes centros. Portanto, nem toda criança com altas habilidades pode ter o atendimento pedagógico ideal.

Como proceder, então, com uma criança superdotada? Entender a criança é essencial para o adulto que vai lidar, educar, cuidar dela. Em primeiro lugar, deve-se afastar o mito de que a criança com alta habilidade é boa em tudo.

Segundo a Mensa, entidade internacional que estuda o fenômeno da superdotação, um ser humano consegue ter habilidades altamente desenvolvidas em no máximo três áreas de conhecimento.

Em seguida, deve-se entender o comportamento de uma criança superdotada em relação àquela habilidade. Ela se interessa profundamente pela disciplina que possui alta habilidade, e tem motivação própria para aprender mais sobre aquilo.

Porém, ela deve ser estimulada a estudar também os assuntos que não têm tanta facilidade para aprender, e um cuidado especial deve ser tomado para que a criança não fique entediada com o ritmo de estudos lento para ela.

Outra coisa importante a se lembrar é que uma criança superdotada possui uma resistência acima da média para aceitar ideias preconcebidas. Em outras palavras, um superdotado não apenas obedece a uma regra, ele quer entender o porquê de aquela regra existir.

Talvez esse seja o maior entrave social a uma criança superdotada: ter que aprender a lidar com regras sociais sem compreendê-las inteiramente por causa de sua pouca idade e maturidade.

A pedagoga especializada em altas habilidades Zenita Gunther explica que uma criança superdotada normalmente acaba incomodando os outros:

"A criança criativa tem alguma coisa que mesmo incomoda os outros. Ela é absolutamente franca, direta, e se tem criatividade e capacidade social, tudo bem. Mas se é criatividade e inteligência profunda, ela não liga para o outro. Ela faz a crítica direta e no ponto: ´Isso está errado, não fala assim, isso é bobagem'. E aí os outros todos ficam com raiva dela, que fica com os apelidos de arrogante, de Deus na Barriga, só ele que sabe..."

Zenita explica que o ideal, quando um pai ou mãe desconfia que seu filho possui uma alta habilidade, é procurar um especialista.

No entanto, ela ressalta que isso não é essencial, e que o mais importante é apoiar a criança no desenvolvimento da sua alta habilidade.

Ela se interessa por música? Uma boa medida é estudar a teoria musical e a posterior aprendizagem de um instrumento. O que ela prefere é desenhar e pintar? Cursos específicos de desenho são um bom pontapé inicial.

"Cuidar do cachorrinho dele, em vez de a mãe, o pai ou a empregada, ajudar a arrumar as próprias roupas, o adulto faz junto, tem que fazer o dele também, porque o exemplo é que educa. Criar vasos, plantas, uma horta, um canteiro. Alguma coisa que ajude a criança a fazer algo que fica feito. Visitar e sair para lugares é muito bom, quando tem jeito de ir pras férias, quem mora na praia vem ao campo, quem mora na montanha vai à praia."

Outras iniciativas, como a aceleração pedagógica, o famoso pular uma série, são mais polêmicas e sua eficácia ainda não foi comprovada.

Joelma Pereira, mãe de Enzo, um garoto com altas habilidades matemáticas, conta que uma boa saída para saciar a fome de conhecimento lógico-matemático do filho foi descobrir e estudar o funcionamento de máquinas complexas, como carros e aviões.

"Agora ele está na expectativa de fazer 14 anos para fazer um curso de mecânica no Senac. ´Mãe, eu já fico embaixo do carro com o papai!´ O pai e o tio têm jipe, fazem trilha, então a diversão dele é entrar debaixo do carro para ajudar."

Finalmente, a medida mais importante apontada por todos os psicólogos e pedagogos é mostrar a criança que a alta habilidade não a torna essencialmente diferente, melhor nem pior que outras crianças.

Isso afasta o preconceito que pode surgir com o rótulo de superdotado e não prejudica a autoestima da criança.

Joelma decidiu não falar formalmente ao filho que ele possui alta habilidade em matemática. Em vez disso, explicou a ele que a educação suplementar é uma forma de reforçar uma facilidade que ele tem, e um jeito de ter mais contato com um assunto que ele gosta. Assim, ele tem uma relação saudável com a habilidade dele.

De Brasília, Bruno Angrisano

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