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Reportagem Especial

Noel Rosa - O "poeta da vila" abraça o samba (09'11'')

03/05/2010 - 00h00

  • Noel Rosa - O "poeta da vila" abraça o samba (09'11'')

MÚSICA: "Feitiço da Vila" (de Noel Rosa e Vadico, com Leila Pinheiro)
"Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos do arvoredo
E faz a lua nascer mais cedo..."

Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910. Era uma manhã de domingo e o Rio de Janeiro estava em polvorosa devido à rebelião de marinheiros, conhecida como a "Revolta da Chibata", e com as previsões apocalípticas de fim de mundo provocadas pela passagem do cometa Halley próximo da Terra.

O momento também era de apreensão na casa de número 30 da rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel. O parto de Noel foi muito difícil. O bebê pesava quatro quilos e teve de ser arrancado da barriga da mãe à base de fórceps. Esse instrumento de ferro quebrou a mandíbula do bebê e o marcou para sempre com o estranho e incômodo aspecto de rosto sem queixo.

Os pais, Martha e Manuel, eram de classe média e garantiram bom estudo aos filhos Noel e Hélio. Depois de passar pelo sisudo e religioso Colégio São Bento, Noel Rosa deveria seguir a tradição da família e cursar medicina. Mas a música o conquistou por completo, desde os primeiros saraus promovidos pelos próprios pais, na casa de Vila Isabel.

Ao lado do amigo Almirante e outros jovens, Noel formou o conjunto musical Bando dos Tangarás, dedicado às emboladas, uma música de apelo sertanejo, seguindo o modismo da época.

MÚSICA: "Vamos falar do norte" (de Almirante, com Bando dos Tangarás)
"Quando nós saímos do norte
Foi pra no mundo mostrar
Como canta aqui nessa terra
Um bando de tangarás...
Eu fui fazer a minha compra na feira
Eu vi tanta roubalheira de se encabular
Tava um sujeito de roubar com uma tal febre
Vendendo gato por lebre, ratazana por gambá, ai..."

A primeira composição musical de Noel Rosa também é influenciada por esse modismo sertanejo. Trata-se de "Minha viola", a música com a qual Noel subiu ao palco pela primeira vez, em 1929, aos 18 anos de idade, no espetáculo "Noite Regional Brasileira", realizado no Tijuca Tênis Clube.

MÚSICA: "Minha viola" (Noel Rosa)
"Minha viola
Tá chorando com razão
Por causa duma marvada
Que roubou meu coração..."

O pesquisador musical Ricardo Cravo Albin explica essa passageira influência sertaneja no início da carreira de Noel.

"O começo do Noel Rosa se influenciou pela música sertaneja porque havia um surto de moda trazido pelos Turunas da Mauriceia: Lupércio Miranda e Augusto Calheiros - o Patativa do Norte. Enfim, tudo aquilo influenciou Noel para fazer a primeira música: ´Minha viola´."

Mas, logo depois, ele evidentemente alça-se, para não mais sair, ao samba carioca e à crônica do Rio de Janeiro, capital federal, com o memorável triunfo no carnaval, e que o lançou para a vida artística, que foi a música inicial dele ´Com que roupa?´"

MÚSICA: "Com que roupa?" (Noel Rosa)
"Agora vou mudar minha conduta
Eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com força bruta
Pra poder me reabilitar
Pois esta vida não está sopa
Eu pergunto: com que roupa?
Com que roupa eu vou?
Pro samba que você me convidou?..."

De fato, Noel Rosa nem sequer vacilou ao abraçar o samba. "Com que roupa?", seu primeiro samba, estourou no carnaval de 1930 e denunciava o que ele chamou, na época, de "Brasil de tanga", ou seja, um país que assistia passivamente a proliferação da fome e da miséria.

Daí por diante, ele não parou mais de compor até morrer, prematuramente, aos 26 anos idade. Deixou um legado de 259 músicas, das quais pelo menos 50 são consideradas grandes sucessos até hoje.

Suas letras falavam dos amores que teve, denunciavam injustiças e retratavam o cotidiano, assim como fazem os bons cronistas de uma época. Ele quebrou a "ditadura dos intérpretes" ao abrir espaço para que os próprios compositores cantassem e gravassem suas músicas. E, acima de tudo, ignorou preconceitos para fundar a moderna música popular brasileira ao estreitar os laços culturais da classe média com os sambistas de morro, como conta o jornalista João Máximo, principal biógrafo de Noel Rosa.

"De 1930 a 1934, ele vai ter mais de dez parceiros negros do morro: sempre o parceiro fazendo a primeira parte e ele, a segunda parte. Ismael Silva, Cartola, Alcebíades Barcellos, Antenor Gargalhada, Canuto, Puruca, Gradin: todos esses compositores têm samba com Noel Rosa e, para ele, foi um enriquecimento também porque ele se apaixona por esse tipo de samba, que ainda não era muito conhecido, e vai aproveitar muito desse samba na sua obra. E para eles também. Como esses negros do morro, que eram uma comunidade completamente esquecida e apagada, poderiam chegar à voz de Francisco Alves e Carmem Miranda, que eram os dois maiores intérpretes da época, senão fosse através dessas parcerias?"

MÚSICA: "Feitio de oração" (Noel Rosa e Vadico, com MPB 4)
"O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração..."

João Máximo revela que Noel Rosa era tão generoso e tinha um espírito criativo tão intenso que nem sempre fazia questão de colocar o seu nome em composições que viriam a se tornar clássicos da música brasileira. Foi o que aconteceu num episódio entre o "poeta da Vila" e o "mestre Cartola", da Mangueira.

"O Noel Rosa nem sempre assinava. Tem samba do Noel Rosa com o Cartola - o Cartola nos confessou isso - que o Noel não assinou a segunda parte. Um samba admirável chamado ´Qual foi o mal que te fiz´: o Cartola foi muito grato ao Noel e achava o Noel maravilhoso por isso. O Noel não fazia questão dessa coisa, porque, na época, esse tipo de emparceiramento não tinha o rigor que tem hoje: música de fulano, letra de beltrano que efetivamente tenham feito aquilo".

MÚSICA: "Qual foi o mal que te fiz" (Noel Rosa e Cartola, com Francisco Alves)
"Diz qual foi o mal que eu te fiz?
Eu não te farei essa ingratidão
Foi um palco contra nossa amizade
Não creias, não pode ser verdade..."

Noel também criou pérolas musicais com Ismael Silva, compositor do morro do Estácio e fundador da primeira escola de samba do Rio de Janeiro, como lembra Ricardo Cravo Albin.

"Ismael Silva fez 12 sambas com Noel Rosa. Eu fiz o derradeiro espetáculo - dirigi e apresentei em palco - do Ismael, grande parceiro de Noel. Tinha uma música que, quando o Ismael cantava, ele quase chorava e que se chama ´Adeus´. Uma música deslumbrante da dupla Ismael e Noel Rosa."

MÚSICA: "Adeus" (Noel Rosa e Ismael Silva, com Toquinho e Vinícius)
"Adeus! Adeus! Adeus!
Palavra que faz chorar
Adeus! Adeus! Adeus!
Não há quem possa suportar..."

Além dos sambistas dos morros cariocas, o paulista Oswaldo Gogliano, o Vadico, foi um dos parceiros mais assíduos de Noel Rosa.

Os grandes clássicos do "poeta da Vila" foram imortalizados nas vozes de Marília Batista, Chico Alves, Mário Reis e Aracy de Almeida, sua intérprete preferida. E foram, depois, regravados pelos grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, Maria Bethânia, Toquinho e Vinícius de Moraes.

De Brasília, José Carlos Oliveira

MÚSICA: "Adeus" (Noel Rosa e Ismael Silva, com Toquinho e Vinícius)
"Pra que foste embora?
Por ti, tudo chora!
Sem teu amor, esta vida não tem mais valor..."

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h