Rádio Câmara

Reportagem Especial

Agronegócio - Os esforços dos produtores para reduzir impactos ambientais da atividade (10'00")

20/04/2010 - 00h00

  • Agronegócio - Os esforços dos produtores para reduzir impactos ambientais da atividade (10'00")

Condições climáticas favoráveis são um fator fundamental para as atividades agropecuárias. Mas o setor também é um dos grandes emissores de gases do efeito estufa, principais responsáveis pelas mudanças no clima.

Isso se dá de várias formas: via queimadas, desmatamento, movimentação do solo e até mesmo pela pecuária, já que o gado emite metano em seu processo digestivo.

O setor, que até bem pouco tempo se mostrava avesso a discutir o tema, cada vez mais assume sua responsabilidade e busca formas de reduzir o impacto das atividades sobre o meio ambiente.

Um dos maiores exemplos vem de Paragominas. Localizado no nordeste do Pará, o município ganhou fama pelos altos índices de desmatamento e violência. Mas, após uma ação que envolveu produtores rurais, poder público e ONGs, o corte de floresta caiu 90%, levando a cidade a sair da lista dos maiores desmatadores da Amazônia.

O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, Mauro Lúcio de Castro, admite que a produção era feita de forma irresponsável, mas conta que mesmo com muita resistência foi possível mudar.

"Eu tenho rodado muito as propriedades atrás dos proprietários pra poder conversar e realmente fiquei admirado porque eu vi já muita mudança. O que mais me chamou atenção é que eu vi muitas mudanças que eram de pessoas muito radiciais, que tinham até fama de ser muito extrativista, só pegava uma área, extraía tudo que ela tinha e deixava detonada. E eu vi pessoas que tinham esse perfil já trabalhando de maneira diferente, agora te falar que é 100%, eu estaria mentindo pra você. Mas fiquei satisfeito de ver algumas pessoas que eu tinha como muito difíceis de mudar, e eu vi a mudança nessas pessoas"

Uma das principais mudanças foi a adoção de práticas de conservação do solo. Na Amazônia, a terra é pouco fértil, o que garante alta produtividade agrícola apenas nos primeiros anos de exploração. Dessa forma, muitos produtores partiam para outras áreas até então cobertas pela floresta, ao invés de investir em adubação e correção do solo.

A conscientização em Paragominas reduziu o desmatamento ilegal em 90% e aumentou a produtividade nas propriedades rurais. Mas as fontes de financiamento para ações sustentáveis ainda são um gargalo tanto em Paragominas, quanto no restante do país.

O pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, Paulo Barreto, lembra que boa parte do desmatamento amazônico é feito para abrir espaço para o gado. Para reduzir as emissões de gases estufa pelo setor, Barreto explica que é necessário, portanto, parar o corte de floresta, evitar queimadas para limpar o pasto, além de outras medidas, que também demandam investimentos.

"Tem que melhorar o pasto, você pode ter um pasto já degradado, envolve investimento. Tem que melhorar a infraestrutura da fazenda para facilitar o manejo desse gado. Um exemplo é fazer uma melhor divisão do pasto, com cercas, isso permite que você melhore o pastoreio. Em vez de deixar o gado comendo só numa área, ele comer até quase a raiz e degradar, ele come alguns dias, tira o gado daquela área, deixa regenerar o capim alguns dias, depois ele volta. Tem outra parte da genética do gado, ter gado que cresce mais rápido. Então tem várias coisas que envolvem investimento para melhorar a produtividade. Isso vai ser importante porque aí reduz a pressão para desmatar novas áreas"

Práticas agrícolas sustentáveis são velhas conhecidas do produtor rural Valter Nicoletti Baron. E o motivo é simples: ele garante que, atualmente, a agricultura convencional é economicamente inviável devido aos altos custos.

"Aquele preparo convencional do solo que se fazia há alguns anos. Hoje, devido ao alto custo, principalmente dos combustíveis e da mão-de-obra, sem falar na manutenção dos equipamentos, é praticamente inviável uma agricultura convencional sem o plantio direto que hoje se usa aqui em quase 100% das áreas"

Como o nome sugere, nessa técnica o plantio é feito sem movimentar o solo, semeando a nova cultura em cima da palha da cultura antiga. Assim, ocorre o famoso sequestro de carbono, já que os gases presentes na terra não são liberados, pois o solo não é revolvido.

Além do plantio direto, Valter Baron aplica outras técnicas conservacionistas, como a integração lavoura-pecuária.

"Além de fazer o plantio direto, eu uso o sistema de integração lavoura-pecuária. Tenho produção de leite aqui e consigo uma produtividade muito maior na seca do que nas águas. Os resíduos da agricultura, palha, capim que nasce, no milho inclusive a gente planta capim. Eu agora tô colhendo milho e o capim que eu plantei tá pequenininho. Ele cresce, eu depois largo minhas vacas leiteiras e faço duas safras por dia, são 720 safras por ano, o que dá uma estabilidade financeira na propriedade. Veja bem: quem planta soja ou milho faz uma safra por ano. Se tiver qualquer problema, como seca ou ataque de pragas ou doenças, pode perder. E perde um ano"

Outra técnica que aumenta a produtividade e diminui o impacto ambiental é a rotação de culturas. Onde foi plantado feijão, se planta milho, onde foi milho, se planta soja e assim sucessivamente. Por terem necessidades diferentes de nutrientes, as culturas alternadas não esgotam o solo e até o equilibram. Exemplo disso é a soja, que armazena nitrogênio na terra, elemento muito consumido pelo milho.

Técnicas conservacionistas se espalham pelo país, mas há quem avalie que o setor agropecuário ainda tem muito a avançar. O pesquisador do Imazon, Paulo Barreto, considera que os produtores têm sido lentos nessas discussões, apesar de darem uma atenção crescente para os riscos das mudanças climáticas.

A mesma percepção tem o pesquisador da Embrapa, Eduardo Assad, que manda um recado aos que ainda duvidam do aquecimento global.

"O que o agricultor não pode ignorar e a grande maioria não ignora é que, ao promover esse desmatamento, você aumenta a erosão, reduz a oferta de água, você aumenta a evaporação e cria-se, mesmo que pouco perceptível, esses microclimas que vão provocando essas alterações. Então isso é real, nós temos dados, eu lamento que ainda existam pessoas que duvidem, dizem, eu não acredito em mudança climática. Eu também não acredito, não é questão de crença, é questão de dados. Eu tenho dados, medidas que mostram que nos últimos 50 anos a temperatura em diversos pontos do Brasil subiu mais de 1 grau. Então não é questão de crença. Temos que olhar isso com muito cuidado e verificar de que maneira vamos combater. Uma delas é reflorestando"

Eduardo Assad cita as técnicas de plantio direto na palha, recuperação de pastos, rotação de cultura e fixação do nitrogênio como outras ações relevantes nesse processo.

Representantes do segmento agropecuário têm se esforçado para tentar mudar a percepção de que o setor chegou atrasado na discussão. No ano passado, pela primeira vez eles participaram oficialmente da Conferência da ONU sobre Clima, algo que o setor de florestas plantadas, por exemplo, já faz há três anos.

E agora, a Confederação Nacional da Agricultura, CNA, acaba de lançar o Projeto Biomas, um ambicioso plano para estudar, durante nove anos, como ocupar de forma sustentável os seis biomas brasileiros.

A proposta vai envolver mais de 240 pesquisadores, com um custo estimado em 20 milhões de reais. O superintendente técnico da CNA, Moisés Gomes, explica que a ideia principal é buscar e testar técnicas que garantam a continuidade da produção diante de um novo clima.

"A atividade agropecuária mais que ninguém depende do meio ambiente. Nós temos essa percepção e inclusive os produtores rurais, preocupados com isso, estão dispostos a gastar. Esse projeto vai custar R$ 20 milhões pra que a gente possa continuar produzindo com segurança, mas sem destruir o patrimônio ambiental que nós temos. O projeto Bioma ele pretende, num primeiro momento, instalar o que estamos chamando de vitrines tecnológicas. São áreas de cerca de 500 hectares em cada bioma e o que pretendemos: é que pesquisadores escolham áreas representativas de cada um desses biomas e apliquem ali os resultados das pesquisas que existem em termos de técnicas de produção e de conservação, para que, a partir daquela vitrine, os produtores rurais possam conhecer em escala real, no campo, o que é que eles podem e o que é que eles não podem fazer na sua propriedade"

A ideia deve ajudar produtores como seu Donato Rocha, que perdeu quase 10 mil pés de alface devido ao sol cada vez mais forte na área rural de Manaus.

"Nós temos que ter uma orientação dos especialistas. Aqui ainda não chegou pra nós, pros agricultores daqui ninguém teve ajuda nenhuma"

Seu Donato Rocha calcula o prejuízo em torno dos R$ 3 mil. De uns três anos para cá, ele percebe o sol mais forte, queimando a ponta das hortaliças que cultiva.

Para evitar novas perdas, ele e seus irmãos tiveram que mudar a rotina de trabalho, molhando a horta mais vezes. Seu Donato é mais uma entre muitas pessoas que não sabe explicar o que provoca essa mudança, mas sente na prática que algo precisa ser feito para salvar preservar seu ganha-pão.

De Brasília, Mônica Montenegro

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