Rádio Câmara

Reportagem Especial

Agronegócio - A relação com o tempo e os efeitos das mudanças climáticas (06'28")

20/04/2010 - 00h00

  • Agronegócio - A relação com o tempo e os efeitos das mudanças climáticas (06'28")

"... Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação e fecundar o chão..."

Quem trabalha com a terra está acostumado a prestar atenção nos ciclos da natureza. O tempo das águas é o mais esperado, pois o período chuvoso significa hora boa pra se plantar. Mas se a chuva for muita, pode botar a produção a perder. Se for pouca, também significa problemas. Quem nos dá um pouquinho dessa lição é Jorge Roberto, que cresceu em meio a lavouras no sul do país, e hoje é encarregado operacional de uma cooperativa agrícola no Distrito Federal.

"É que nem um botão de rosa, quando tá seco ela demora pra abrir, ela já sai feia, é a mesma coisa. E a flor do milho principalmente influencia muito, porque se não tem o pólen suficiente, cada grão precisa do pólen, então, se ele não tem pólen, a flor suficiente a espiga já sai com defeito, com menos grão, os grãos mais miúdos, aí a qualidade cai, o soja já começa desde a vagem que ia formar três grãos forma dois, o que ia formar dois forma um. Você olha por cima tá bonito, tá maravilhoso, mas você vai ver o grão, a vagem diferencia."

Como bem explicou Jorge Roberto, a agricultura depende de um delicado equilíbrio. Mas alguns produtores já começam a perceber na prática o que os cientistas alertam há alguns anos: as mudanças climáticas representam sérios riscos para o setor.

Em uma comunidade rural bem próxima a Manaus, seu Donato Campos cultiva alface, cebolinha e cheiro verde, e tem observado alterações nos últimos anos.

"A gente percebeu de uns três anos para cá a gente tem que aguar mais vezes no dia. Aqui o clima chove, mas quando o sol vem queima a ponta das folhas, aí tem que molhar mais vezes - Isso mudou a forma de trabalho de vocês? Mudou, tem que trabalhar mais, tem que aguar mais vezes, né? - E isso prejudicou também alguma cultura ou só aumentou o trabalho? Um tempo a gente parou até de produzir alface, porque logo no começo ela veio e nos prejudicou muito, a gente ainda não estava muito acostumado com o clima, aí a gente parou, que elas queimavam tudinho quando abria o sol, aí depois a gente acertou com o clima, aí trabalha mais vezes pra poder produzir"

Seu Donato estima em mais de R$ 3 mil o prejuízo que teve naquela época, com a perda de 10 mil pés de alface por causa do sol forte.

Histórias como a de seu Donato são comuns no meio agrícola, já que o setor fica à mercê das condições climáticas.

Os cientistas fazem questão de explicar que ainda não existem estudos conclusivos sobre os reflexos das mudanças no clima sobre a agricultura, mas as evidências são cada vez mais fortes.

Uma das principais referências sobre o tema no país foi desenvolvida por pesquisadores da Unicamp e da Embrapa. O projeto "Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil" simulou o impacto do aumento da temperatura sobre as principais culturas desenvolvidas no país, com projeções para 2020, 2050 e 2070. E os resultados apontam para severos prejuízos, como detalha um dos autores do estudo, o professor Hilton Silveira Pinto.

"Só pra se ter ideia, se você considerar a soja, que é o produto de maior produção que nós temos hoje, vamos ter um prejuízo de cerca de R$ 3,993 bilhões por ano em 2020. Isso no melhor cenário possível. Agora, se a gente considerar outras culturas, por exemplo, o café, nós teremos um prejuízo da ordem de US$ 630 milhões/ano e assim por diante. - E professor, além desse prejuízo, haveria a inviabilização de alguma cultura no Brasil? Sim, sem dúvida, porque com o aquecimento global a região tropical do Brasil, o Nordeste principalmente, ela teria um aquecimento ainda maior. Então o Nordeste do Brasil, ao invés de semi-árido, passaria a ter um regime de aridez total, ou seja, praticamente mais nenhuma cultura poderia ser desenvolvida no Nordeste nas regiões mais secas, evidentemente"

Com a temperatura até 2 graus mais quente, a cultura da mandioca pode desaparecer do semi-árido nordestino, encontrando condições mais favoráveis no leste da Amazônia e na região sul. Outra espécie que deve se beneficiar com o aumento nos termômetros é a cana-de-açúcar, podendo dobrar sua área de ocorrência no país. Exceto a cana e a mandioca, todas as lavouras analisadas no estudo devem perder área propícia para plantio.

Quando se fala sobre os impactos do aquecimento global sobre a pecuária, os dados são ainda mais escassos. Mas assim como na agricultura, os indícios de prejuízos são preocupantes.

O professor Hilton Silveira lembra dos reflexos que uma onda de calor provocou no interior de São Paulo, em setembro de 2004.

"Uma onda de calor que aconteceu em setembro fez com que a temperatura daquele mês fosse cerca de 4° mais elevada do que o normal. Aí aconteceram coisas estranhas. Por exemplo, na parte de criação de aves houve uma perda de mais de 50% por morte das aves em função do aumento de temperatura. A postura, por exemplo, de ovos, praticamente reduziu a zero neste mês porque as galinhas botavam ovo sem casca. O calor era tanto que a fisiologia da ave desviava os alimentos e a água apenas para a proteção contra o calor. A produção de leite caiu cerca de 50%. Os leitões morriam por excesso de calor, cerca também de 50% de perda de pequenos animais de modo geral"

Os prejuízos provocados por essa onda de calor sobre a produção animal foram estimados em cerca de US$ 50 milhões, apenas no estado de São Paulo.

De Brasília, Mônica Montenegro

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