Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Políticas para a Juventude - Conheça algumas iniciativas de sucesso, como o Projeto Axé (BA) e a Casa de Passagem (PE) (07'45")

15/03/2010 - 00h00

  • Especial Políticas para a Juventude - Conheça algumas iniciativas de sucesso, como o Projeto Axé (BA) e a Casa de Passagem (PE) (07'45")

Quem conhece a história de Luciano Ribeiro se surpreende. Homem de fala calma, o educador de 33 anos se orgulha de cuidar dos seus quatro irmãos e incentivar que eles estudem. Mas há vinte anos, ele estava nas ruas de Salvador. Vivia de esmolas e procurava um lugar para dormir sempre preocupado se estaria vivo no dia seguinte.

"Meus colegas mesmo, eu perdi dois colegas. Eu ainda estava dormindo na rua, a gente conversou, aí quando foi no outro dia, quando a gente procurou, quando foi ver, eles estavam num matagal jogados, mortos. Porque muitas vezes o carro chega chamando, dizendo que vai ajudar, mas na verdade não vai ajudar..."

A virada na vida de Luciano aconteceu quando ele tinha 14 anos.

"Eu estava na rodoviária. Nunca tinha roubado, eu nunca tinha feito ato nenhum. E aí ia passando uma senhora. Eu olhei assim o relógio, eu digo: vou levar aquele relógio, tô com fome. Depois eu parei assim, poxa, tomar o relógio dessa pessoa, a pessoa trabalhou pra comprar. Eu fiquei naquela coisa querendo ir e não querendo, então não fui. Aí, o colega foi. Aí, começou a gritaria: pega, pega, pega. Conseguiram pegar ele, foi a polícia que pegou e bateu nele tanto, que eu fiquei assim pensando: ó o que ia acontecer comigo. De lá pra cá, eu não quis mais ficar na rua, eu digo: eu vou mudar, comecei a estudar, frequentar o projeto, ajudar meus irmãos. Corri atrás e consegui chegar ao meu objetivo"

Quem ajudou Luciano a voltar para a família e mudar de vida foram os educadores do Projeto Axé, que desde 1990 trabalha para tirar crianças e adolescentes da situação de rua.

Muitos deles viraram educadores e hoje trabalham no próprio Axé, como Luciano Ribeiro. O idealizador e coordenador do projeto, Cesare de La Rocca, credita o sucesso da iniciativa principalmente à forma de abordagem a quem vive sem perspectiva pelas ruas de Salvador.

"A maior dificuldade é a imensa desconfiança que esses meninos têm do mundo dos adultos. Eles só conheceram figuras negativas de adultos, a começar pela própria família. Depois vão pra rua, é o transeunte, depois é a polícia. Então, para se construir uma relação de confiança educador-educando, o tempo é demorado na rua. A gente não pode dizer, como muitas vezes o poder público diz: em 90 dias quero todos os meninos fora da rua. Nunca ninguém conseguiu. O processo de educação é um processo de construção de confiança recíproca. @#$ CORTEI AQUI @#$ Nós descobrimos que a arte é indispensável á educação. Eu não entendo uma escola sem arte, sem beleza, sem cultura"

A ONG trabalha com o que chama de três grandes retornos: a volta para casa, para os estudos, e para a comunidade de origem. Usando a arte como instrumento de transformação, o Projeto Axé já atendeu quase 18 mil meninos e meninas em Salvador.

José Antônio das Neves, de 19 anos, nunca morou nas ruas, mas também já passou pela trágica experiência de ver amigos da sua idade morrerem de forma violenta.

"O que mais teve foi casos desse tipo. Às vezes ia passando assim e via um amigo lá se drogando. Já teve casos de quando eu tava indo pra faculdade ver o corpo lá no chão. Mas esse é o destino, né?"

José das Neves acredita que esses colegas poderiam ter um destino diferente se tivessem feito as escolhas certas. Ele usa o próprio exemplo. O interesse pelo futebol o levou para a Associação Viver, que há 12 anos atua na Vila Estrutural, uma das satélites mais pobres e violentas de Brasília.

Ele estudava pela manhã, e à tarde ia para a ONG, onde, além de jogar bola, tinha aulas de reforço escolar. Zé, como é conhecido, conta que essa oportunidade mostrou a ele novos horizontes e considera que só por causa da Associação, hoje ele está na faculdade de Educação Física e virou educador do projeto.

Além da violência, a gravidez precoce é um assunto recorrente quando se conversa com adolescentes, principalmente que vivem na periferia.

Roseane dos Santos teve sua primeira filha aos 13 anos e o segundo aos 16. A jovem acaba de chegar à maioridade desempregada, assim como seu marido, três anos mais velho que ela. Desde outubro, Roseane participa das atividades oferecidas pela Casa de Passagem, ONG que existe há duas décadas no Recife.

"Eu acho que se eu tivesse conhecido a ONG antes, eu não tinha tido os dois meninos não. As pessoas tratam as pessoas bem, tratam com carinho, dão conselhos, a gente faz palestra nas escolas, aprende a fazer várias coisas de artesanato, de teatro, de dança, várias coisas. @#$ CORTEI AQUI @#$ Eu gostei. Depois que eu conheci a Casa de Passagem, não quero sair de lá nunca"

Roseane sonha agora em voltar a estudar. Seu marido também participa dos cursos profissionalizantes oferecidos pela ONG e acha que a capacitação vai ajudar a conseguir o tão esperado emprego.

Para a gerente executiva da Casa de Passagem, Cristina Mendonça, é preciso levar em conta a realidade de cada jovem para que as ações deem resultados concretos. E o fundamental: para tocar pessoas muitas vezes brutalizadas por situações como o abuso sexual, a palavra-chave é o afeto no atendimento.

"A história de vida desse jovem, é um jovem que foi educado feito um animal, feito bicho. A família despreparada, sem um planejamento, desemprego, a mulher engravida muito cedo, com 13 anos já é mãe, então o jovem fica sem uma estrutura. Mas é incrível porque esse jovem, apesar de tudo isso, eles são resilientes. E os jovens pobres ficam bloqueados com tanta violência que eles sofrem. Através de grupos terapêuticos, o jovem vai desabrochando, ele vai mostrando potencial. Os jovens que estão em situação de envolvimento em droga, você começa a capacitar o jovem em curso profissionalizante, começa a trabalhar os familiares, começa a trabalhar na comunidade, o jovem muda sua direção de vida".

Esporte, arte, afeto, respeito. Os caminhos para falar com jovens, principalmente em situação de risco, são diversos.

Mas o sucesso dos projetos voltados a esses meninos e meninas pode se resumir no que todos os entrevistados citaram: eles precisam apenas de uma oportunidade para desenhar um futuro melhor.

De Brasília, Mônica Montenegro

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