Rádio Câmara

Reportagem Especial

Os mitos relacionados à saúde: A influência da desinformação (07'51'')

22/02/2010 - 00h00

  • Os mitos relacionados à saúde: A influência da desinformação (07'51'')

A dermatologista Gladys Martins é especialista e mestre em dermatologia. Ela coordena o laboratório de Psoríase no Hospital Universitário de Brasília.

Diariamente, ela se depara com algumas mentiras relacionadas a sua área. Uma das mais comuns é sobre a higiene com os cabelos. E essa confusão é provocada por outros profissionais que dão orientações que não são corretas. E aí, em quem acreditar? Você sabe, por exemplo, se lavar o cabelo todo dia faz mal? Algum cabeleireiro pode ter falado pra você que sim. E aí? Gladys responde.

"Realmente alguns cabeleireiros, alguns profissionais tentam passar a informação de que faz mal lavar o cabelo todo dia. O que é importante ficar claro é que cada cabelo tem o seu ritmo. Nós temos um ritmo de secreção, alguns transpiram mais, alguns menos, alguns retém mais oleosidade na raiz do cabelo, tem o que chamamos de seborréia. Então, se o paciente tem oleosidade do seu biotipo, a pele e o cabelo oleosos devem ser lavados seguidamente, sim."

A odontologista Sharmênia de Araújo Soares é professora de saúde coletiva da Universidade de Fortaleza. Junto a outra professora do departamento de medicina social da Escola de Medicina de Harvard, ela conduziu uma pesquisa de campo de seis meses em Beberibe, cidade litorânea do Ceará, região que possui um nível muito baixo de saúde bucal.

As cientistas entrevistaram 36 pacientes e mais de uma dúzia de dentistas do local. Os resultados do trabalho foram publicados na revista Social Science and Medicine.

A dupla verificou que, apesar de um programa lançado há 15 anos pela Organização Pan-Americana de Saúde para ajudar a resolver o problema, as crenças dos pacientes a respeito do cuidado com os dentes e da causa das cáries persiste e tornam a prática da odontologia moderna um desafio diário.

Um desses mitos é acreditar que "lagartas" são causadoras da cárie dental e não as bactérias. As lagartas não são nada mais nada menos que a versão moderna do "verme dental", um termo usado até o século XVIII.

A desinformação, como se vê, tem raízes históricas.

"Se a gente vai estudar na história da odontologia, antes do advento das bactérias e microscópios, se acreditava que a dor-de-dente era causada por um verme que havia dentro do dente."

Os pais ainda passam para os filhos os mesmos estereótipos. A dor de dente é explicada como um verme comendo o dente. Essa imagem é forte e a população ainda hoje em grande parte acredita que é assim que ocorre.

"Porque na pesquisa eu estive em escolas, eles desenharam e as explicações eram muitos parecidas com a dos pais. Porque na pesquisa eu também incluí crianças desenhando. E o discurso é muito parecido com os pais. Um reproduz o que o outro diz. E eu acho que a odontologia contribui de alguma forma para manter esse discurso"

A imagem que a população mais pobre tem do dentista é a mesma, há mais de um século.

"Tudo sobre dentista é sempre o que? O fórceps com o dente na mão. Essa é historicametne ainda como se vê a odontologia. Isso não saiu do discurso popular."

A pesquisa realizada por Sharmênia Araújo é qualitativa e, portanto, não se propõe a concluir numericamente a porcentagem da população que mantém esse tipo de conceitos. O fato é que ainda se encontram registros desse tipo de pensamento. Isso provoca um embate entre paciente e dentista. A solução é muito complicada.

"O paciente chega na cadeira e diz ´doutor, eu quero extrair esse dente´. O dente tem recuperação e o dentista diz "eu não tiro esse dente." E aí gerava o dilema porque o dentista não queria extrair e o paciente queria extrair porque não acredita na restauração. E foi isso que eu fui pesquisar: ´por que ele não acredita?´ E como é uma pesquisa antropológica, eu fui na raiz da odontologia, porque apesar de todo conhecimento científico, ele não atingiu no discurso popular ainda."

O discurso popular às vezes tem sentido. A observação pura e simples tira uma conclusão que acaba sendo uma meia verdade. A dermatologista Gladys Martins dá um exemplo. Sempre que se fala que chocolate dá espinha, as respostas são divergentes.

"A história de que chocolate dá espinha, pode dar, sim. Não é uma influência que corra em 100% dos pacientes, mas muitos pacientes ao comerem chocolate piora. Não é que a causa única seja o alimento mas ele pode ser agravada por alguns alimentos entre os quais o chocolate".

Engolir chiclete pra muita gente é um pequeno drama. Que tipo de consequências pode ter um doce que é elástico e que gruda em qualquer lugar? O bom senso indica que engolir chiclete deve ser, no mínimo, não recomendável. O bom senso falha? O médico e escritor Fernando Lucchese responde se engolir chiclete faz mal.

"Não acontece absolutamente nada porque o chiclete passa pelo aparelho digestivo intacto. Ele não é destruído pelos sucos gástricos e depois é eliminado. Ele é aos poucos tranformado. Não tem problema em prender nas paredes do intestino. Não há relato científico disso."

E pra encerrar, uma surpresa. O médico Fernando Lucchese confirma uma crendice. Algo que você talvez nem saiba. Segurar espirro faz mal?

"Segurar espirro aparentemente aumenta muito a pressão dentro do crânio durante o ato de espirra. Portanto o ato de segurar o espirro aumenta muito a pressão dentro do crânio. A gente não recomenda."

A moral religiosa também é responsável por alguns mitos relacionados à saúde, como as restrições ao consumo de carne de porco. O preconceito que muitas pessoas têm em relação a esse tipo de carne é por esse motivo. E muitas vezes ela nem sabe.

De Brasília, Luiz Cláudio Canuto

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