Rádio Câmara

Reportagem Especial

O mal - A visão da ciência (07'14")

17/02/2010 - 00h00

  • O mal - A visão da ciência (07'14")

O mal moral, o mal físico, o mal que causa dor, o mal ligado à morte. É fácil perceber o que nos causa sofrimento, mas o que é conseiderado mal mudou de roupa várias vezes ao longo do tempo.

Os jovens índios da tribo sioux não ganhavam o seu penacho de adultos até que tivessem matado um inimigo. E em nome do patriotismo ou da liberdade, as guerras já mataram milhões e milhões de pessoas ao longo da história.

Para o professor de Direito Penal da PUC de Minas Gerais, Túlio Vianna, não existem crimes naturais. Ou seja, o que é considerado mal é decidido pela cultura do momento.

Atos que hoje são considerados crimes de pedofilia já foram plenamente aceitos no passado, por exemplo. E ainda hoje, o casamento de meninas de dez anos é comum em países como a Arábia Saudita.

"A própria pedofilia, que nos gera uma sensação de incômodo muito grande, mas se você parar para pensar, historicamente, provavelmente os nossos bisavós, quando eles casaram, a nossa bisavó, ela talvez fosse uma criança, porque as pessoas casavam muito jovens. O indivíduo, ele tinha excitação sexual mesmo com uma criança, o que pra nós é inconcebível. Mas naquele época, o cidadão, entre aspas, ´de bem´, o cidadão comum, ele se sentia excitado e casava muitas vezes com uma menina de dez, onze anos. Então, isso tudo é cultural."

As culturas do mundo antigo sempre apresentam uma figura que seria responsável pelo mal no mundo. Não só aquele provocado pelo homem mas também o que resulta de doenças ou desastres naturais.

Na mitologia egípcia, o perverso e invejoso deus Seth governa a desordem, os desertos e as tempestades.

Na cultura judaico-cristã, o mal é explicado pelo episódio do jardim do Éden. Nele, o mal teria entrado no mundo a partir da desobediência de Eva que, instigada pela serpente, teria comido o fruto proibido, contrariando a ordem divina.

Mas até mesmo estudiosos cristãos admitem que é uma história difícil de entender, como aponta o professor da Faculdade Teológica Batista de Campinas, Antônio Lazarini Neto.

"Porque no Éden você não tem, assim, uma explicação de onde vem o mal. De repente, a serpente entra na história de Deus, lá no Deus criou o mundo, criou o jardim, criou homem e mulher, e entrou a serpente em cena, né. Essa história do Gênesis é que nem aqueles filmes, assim, em que aparece um personagem de repente, mas ninguém sabe quem é ele, né. E aí, de repente, no decorrer do filme, você vai entendendo quem é aquele personagem"

Antônio Lazarini Neto destaca que definir e explicar essas questões é algo difícil pois o mal é subjetivo.

O que é mal para uma pessoa pode não ser para outra. Ou o que é percebido como um mal hoje, pode ser visto como um bem amanhã.

"Eu posso olhar daqui para lá e achar que isso é mau, mas pode ser que, de uma outra dimensão, alguém olhe e ache isso bom, não é? Acaba que estamos fora da compreensão humana, né? Quais são as razões que levam a um determinado acontecimento? Se é a consequência de uma coisa errada que foi feita, foi um erro, ou é simplesmente um propósito que tem que nós desconhecemos, mas sempre a humanidade vai olhar para situações como morte, como dor, sofrimento, a perda de um filho e ligar isso ao mal."

E qual seria a função do mal? A professora do Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo, Maria Ângela Vilhena, destaca que para grande parte das religiões, o mal teria o objetivo de ensinar o bem ao homem.

Nesse sentido, o mal teria uma função pedagógica. A divindade ou as divindades estariam usando da dor e do sofrimento para reconduzir a humanidade a um caminho bom.

Maria Ângela Vilhena considera que perguntar a razão do mal é importante para as pessoas que vivenciam situações de dor e sofrimento.

"Essa resposta se faz necessária para as pessoas que experimentam o mal, no sentido de que, se elas conseguirem perceber algum tipo de explicação, algum sentido para o mal, elas se capacitam a lidar um pouco melhor. Agora, a explicação para o mal, ela não existe enquanto uma explicação suficiente. O mal é um mistério."

As religiões orientais percebem o mal de forma bem diferente do mundo cristão ocidental.

O professor de ciências da religião da PUC de Minas Gerais, Carlos Frederico Barboza de Souza, explica que no budismo e no taoísmo o mal tem outra concepção já que a religião não acredita em uma divindade personificada que observa o destino dos homens. No budismo, o mal surgiria pelo desejo humano de obter uma realidade estável e sem mudanças.

"Para a visão budista, a realidade, ela está sempre em movimento, nada é permanente, nada é eterno, nada é definitivo, tudo se move o tempo todo. Então o mal vem justamente do meu desejo mal orientado, quando ele se prende e se fixa nas coisas, e acredita que as coisas são o que elas são, enquanto, na verdade, elas são pura ilusão, porque o tempo todo elas estão se movendo, se movimentando. Então é uma matriz completamente diferente da tradição judaica e cristã."

Já no hinduísmo, os opostos de bem e mal se misturam. Enquanto o deus Brahma cria e o Deus Vishnu mantém o universo, o deus Shiva é o senhor da morte e da destruição.

"O mal já é presente na realidade. Inclusive, as próprias divindades, dentro do Hinduísmo, elas podem destruir, elas podem construir, elas podem criar, elas podem derrubar as coisas. Então, quer dizer, a própria realidade é habitada por oposições, por opostos de bem e de mal, e que estão mais ou menos mesclados, não em luta. O próprio ciclo de vida, ele é um ciclo que é permeado por muita coisa boa e é permeado por mal também, permeado por sofrimento, por dores."

No entanto, o deus Shiva também é o senhor da dança que movimenta a recriação do mundo após cada destruição.

Para os indianos, os três deuses formam um só, bailando os ciclos de vida e morte do universo.

De Brasília, Daniele Lessa

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