Rádio Câmara

Reportagem Especial

O mal - Ele está dentro ou fora do homem? (06'56")

17/02/2010 - 00h00

  • O mal - Ele está dentro ou fora do homem? (06'56")

De onde surgem o mal e o sofrimento? A maldade está fora ou dentro do homem? O homem pode ser bom e mau ao mesmo tempo? São perguntas que as religiões, a filosofia e as ciências se fazem desde que o mundo é mundo.

O dramaturgo espanhol Manuel Tamayo disse que o primeiro mestre de filosofia da humanidade foi a serpente do paraíso.

E o apóstolo Paulo resumiu seu conflito entre o bem e o mal em uma pergunta: por que não faço o bem que prefiro e faço o mal que não quero?

A professora do Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo, Maria Ângela Vilhena, destaca que a humanidade tem uma grande dificuldade em aceitar a própria ambivalência.

"Eu diria que o mal que nós carregamos -- eu nem sei se eu uso a palavra ‘mal’ para isso, viu? -- , eu diria que é a ambivalência da pessoa humana. Nós somos ambivalentes, somos capazes de gestos de bondade, somos capazes de gestos de maldade, não é, e isso faz parte de todo ser humano. Não diria que isso é que é o mal, mas é essa dificuldade nossa, talvez, de lidar com a nossa ambivalência, porque somos seres frágeis, finitos, limitados..."

No Antigo Testamento, Satanás era um anjo a serviço de Deus, realizando tarefas que poderiam ser classificadas como maldades.

Só mais tarde a figura do diabo foi separada, ganhando o status de adversário de Deus e dos homens. O significado da palavra diabo é divisão, é o que está desunido, separado.

Para o analista e professor da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo, Waldemar Magaldi, o mal é justamente essa divisão que faz o homem ignorar as potencialidades construtivas e destrutivas que carrega dentro de si.

"Não existe mal maior do que a ignorância de si mesmo. Não é? Porque, à medida que o indivíduo tem consciência de si mesmo, ela sabe das potencialidades construtivas e destrutivas. E eu não posso dizer que a construção é boa porque tem construções que são ruins, assim como as desconstruções ou destruições são ruins, porque tem destruições e desconstruções que são boas."

Magaldi trabalha na linha psicanalítica do psiquiatra Carl Gustav Jung. Para Jung, as pessoas criam uma espécie de máscara social, que ele chamou de persona. Essa máscara seria nossa maneira de agir em sociedade.

Porém, muitas vezes a ambivalência e os sentimentos negativos são muito difíceis de serem aceitos e vivenciados nos grupos sociais.

Segundo Jung, tudo o que o homem não aceita em si fica separado na psique em um lugar que ele chamou de sombra. E normalmente, as pessoas reconhecem a própria sombra no que está fora delas.

O invejoso, por exemplo, pode ver a inveja nas ações das outras pessoas, e não em si mesmo. E quanto mais ele não vê a sombra em si mesmo, mais procura um culpado do lado de fora.

"Toda vez que eu estou numa relação com alguém ou com alguma coisa de fascinação por admiração ou de fascinação por retaliação, eu estou muito paralisado, contra ou a favor demais de uma idéia ou de uma pessoa, é porque tem sombra lá projetada, entendeu? E é nesse sentido que tem a figura do bode expiatório, porque aí eu projeto aquele mal que está em mim no bode, e aí expio o bode, destruo o bode, emulo o bode, achando que ele levou os males do mundo, só que vou precisar de bode o tempo todo."

O pastor e professor da Faculdade Teológica Batista de Campinas, Antônio Lazarini Neto, destaca o perigo que é o homem perceber o mal apenas fora de si mesmo.

Nesse sentido, colocar a culpa no demônio ou no outro faz com que as pessoas não se responsabilizem pelas próprias ações.

"Se a gente demoniza toda ação nossa, simplifica a vida, né, quer dizer, eu sempre acho que quem me fez fazer o que eu fiz de errado foi alguém, não fui eu mesmo, né. Então por mais, assim, que, nos vários sistemas religiosos que tem por aí, se creia que haja um agente malévolo, né, externo, nós não podemos explicar todas as nossas ações a partir disto, não é?"

Para Antônio Lazarini Neto, a figura do mal é necessária para dar ao homem a possibilidade de ser bom. Esse pensamento é compartilhado pelo filósofo e professor da Universidade de Caxias do Sul, Paulo César Nodari.

"A possibilidade de fazer o mal sempre existe, e isto é fundamental porque, se nós não tivéssemos a liberdade de fazê-lo, nós não seríamos livres."

Paulo César Nodari aponta que o motivo da existência do mal se coloca dentro das questões essenciais da filosofia. Vários pensadores se dedicaram a esse tema, como Santo Agostinho, Thomas Hobbes e Kant.

Mas apesar de existirem muitas considerações sobre o mal, nesse caminho, a indagação acaba sendo mais importante do que as respostas.

"Claro, existem alguns pensadores que tentaram dar respostas, mas dizer, assim, que o mal, será possível eliminá-lo totalmente, eu creio ser muito difícil. Isso não significa que nós justificamos o mal. Agora, nós temos que tentar continuamente a nos perguntar por que ele existe e por que nós, enquanto seres humanos, muitas vezes acabamos não fazendo o bem e fazendo o mal."

Em um conto oriental, um homem sábio descreve aos seus discípulos os conflitos internos do homem. Ele fala que dentro de si mesmo vivem dois cachorros, um deles cruel e agressivo e o outro bom e dócil.

Ao lhe perguntarem qual deles é mais forte, o homem refletiu e respondeu: o mais forte é aquele que eu alimento.

De Brasília, Daniele Lessa

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