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Reportagem Especial

O mal - Das telas aos livros infantis (07'43")

17/02/2010 - 00h00

  • O mal - Das telas aos livros infantis (07'43")

Monstros, demônios e criaturas perversas. A arte está repleta de representações sobre o mal. Caminhando entre a alegria e a dor, entre o pecado e a salvação, os homens pintaram, escreveram e filmaram o dilema de confrontar a maldade.

Para o professor de Estudos Literários da UFMG, Julio Jeha, os monstros refletem tudo o que escapa à compreensão humana.

Os navegadores do século dezesseis, por exemplo, nos mapas de viagem, desenhavam monstros onde estavam os mares desconhecidos.

"O que nós conhecemos, o que nós denominamos de real, o que nós denominamos de certo, de correto, de bom, vai até um certo ponto. E é nesse limite, quando o nosso conhecimento falha, quando a nossa moral não consegue avançar, quando não conseguimos entender, é que vai aparecer a figura do monstro, para nos levar a refletir sobre esse alcance que nós temos. Nós conseguimos entender até certo ponto. Daquele ponto em diante, ele é monstruoso."

Na arte, o monstro atua refletindo os conflitos da humanidade. Frankenstein, por exemplo, poderia mostrar o desconforto do homem com o progresso da tecnologia.

Escrita em 1818, a novela de Mary Shelley conta a história de um cientista obcecado em criar vida artificialmente. Em suas tentativas, rouba cadáveres do cemitério e cria um monstro que sai do seu controle. Frankenstein mostra que consequencias pode ter a vaidade humana.

"O monstro em si é apenas um operador, o que interessa é a monstruosidade que nós somos capazes. O monstro, se você olhar a etimologia da palavra, ele é monstrare, ele nos mostra alguma coisa. Ele nos mostra um desvio de comportamento, ele nos mostra uma falta de conhecimento, algo que nós não poderíamos fazer, mas que somos capazes de fazer."

Para Julio Jeha, um dos monstros mais notáveis é o Drácula. Capaz de crimes e pecados, o vampiro é uma figura extremamente sedutora e interessada no que se passa ao seu redor.

Presente em diversos pontos do planeta há muitos séculos, a lenda da criatura que se alimenta de sangue pode refletir muitas questões que respiram no imaginário dos homens.

"Se você pensar, o mito do vampiro, a figura do vampiro, ela aparece em todos os continentes, você tem várias culturas e várias épocas que vão usar o mito do vampiro, do ser que é morto mas não é morto e que vive às custas do sangue dos vivos. Você pode interpretar isso como sendo a exploração do ser humano, como o mal que não morre nunca, o morto que vai e volta, ou seja, permite várias explicações para vários fenômenos aparentemente inexplicáveis."

No cinema, o professor Julio Jeha destaca Alien, o 8° Passageiro. O filme conta a história de uma nave espacial que vai investigar um planeta distante.

Lá, encontra uma criatura monstruosa que utiliza a tripulação da nave como hospedeira para seus ovos. No filme, fica a pergunta de quem é realmente o monstro.

"Do ponto de vista dele ele não é mal, ele quer sobreviver e acabou. Quem é o grande monstro moral neste filme é a companhia mineradora que mandou a nave, porque ela sabe que existe aquele monstro e ele pode ser um soldado imbatível. Então eles querem utilizar o monstro não importando as consequencias para a humanidade. Essa que é a monstruosidade moral: fazer o que se quer sem se importar com as consequencias."

A literatura brasileira é privilegiada no que toca à reflexão sobre o bem e o mal. Em Minas Gerais nasceu Guimarães Rosa, mestre que descreveu a dualidade humana em suas obras.

Em Grande Sertão Veredas, o jagunço Riobaldo se pergunta todo o tempo quem é onde está o diabo, conforme conta a professora de Teoria Literária da PUC do Rio de Janeiro, Eliana Yunes.

"Como está na boca do Riobaldo, o mundo é travessia, viver é muito perigoso. Esse balanço entre estar ou não estar submetido ao mal como entidade, Riobaldo se pergunta muitas vezes onde está o demônio, onde está o diabo, ele existe ou não existe, o mal está dentro dele mesmo, é ele que tem que fazer essa opção? Ele faz ou não faz um pacto com o mal, porque o mal aparentemente dá coragem pra fazer o que tem que ser feito."

Eliana Yunes é uma das organizadoras do livro “O Bem e o Mal em Guimarães Rosa”, obra que reúne textos de diversos autores. A professora analisa o conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”.

Homem brigão e temido por todos, Nhô Augusto aproveitava a vida enquanto a mulher e a filha estavam em casa. Até que fica pobre, perde a família, os amigos, e depois de uma surra, encara a morte nos olhos.

"Sua hora e vez é a hora que coincide sua morte com a vida, o aniquilamento com a salvação. É preciso que ele use, em defesa do bem, toda a força que ele antes represou e que estava a favor do mal. Essas ambivalências que colocam o homem com a cara que ele tem, desejando o bem e a felicidade e a paz, mas o tempo todo cheio de atitudes mesquinhas, que são o exercício do mal no meio do mundo."

Eliana Yunes fala ainda na maneira como o mal é retratado na literatura infantil. Segundo ela, a tradição é que os livros infantis valorizem a bondade e as boas ações.

No entanto, a literatura contemporânea tem exemplos de como os livros podem falar da dia-a-dia onde a maldade tantas vezes acontece.

A professora destaca os livros da escritora Lígia Bojunga e a obra de Monteiro Lobato. A boneca de pano Emília é um exemplo de como a dualidade pode entrar no mundo infantil.

"Toda criança vive essa dualidade, essa ambiguidade. Ela ama o irmão, mas ela tem ciúme do irmão, ela tem vontade de esganar o irmão. Como é que ele resolve isso? Resolve nos sonhos, nos brinquedos, nos jogos, e melhor se ela puder resolver na literatura. A Emília traz essa ambiguidade. A Emília é inteligente, é esperta, é amorosa, é afetiva, é capaz de sair em defesa de quem ela ama, mas ela é ao mesmo tempo endiabrada, é capaz de ser traquinas, é capaz de usar subterfúgios para resolver seus problemas."

Emília é a criatura que denuncia a hipocrisia dos adultos e não leva desaforo pra casa. Nela, convivem a espontaneidade de quem sabe ser boa e má quando quer.

De Brasília, Daniele Lessa

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