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Reportagem Especial

Especial Marchinhas 4 - O carnaval de rua ressuscita as marchinhas (12'19'')

08/02/2010 - 00h00

  • Especial Marchinhas 4 - O carnaval de rua ressuscita as marchinhas (12'19'')

Um misto de nostalgia e de reconhecimento à qualidade das marchinhas foi responsável pela retomada desse estilo musical no início dos anos 2000. Nas grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo, esse processo veio acompanhado da revitalização do carnaval de rua, que antes estava desprestigiado diante dos holofotes voltados exclusivamente para o desfile das escolas de samba. O pesquisador musical Zuza Homem de Mello enaltece essa volta do povo às ruas durante o carnaval, seguindo um exemplo que vinha lá do nordeste.

"O carnaval é uma festa popular. Não é um programa de televisão. Do jeito que está, é um programa de televisão longo, chato pra caramba e sobre o qual são feitas apologias e exaltações, como se aquilo fosse um grande show da Broadway. A festa popular é a festa em que a pessoa entra no cordão por conta própria, sai pela rua afora, não sabe a que horas vai voltar, dança a noite toda, diverte-se com as pessoas. É uma coisa popular, nasce sozinha, como eram os carnavais e como existia no carnaval de Olinda, por exemplo".

"Olinda, quero cantar
A ti, esta canção
Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar
Faz vibrar meu coração
De amor a sonhar
Minha Olinda sem igual
Salve o teu carnaval..."

O frevo realmente não abandonou as ruas de Olinda e Recife nem mesmo depois de uma ligeira estagnação, provocada pela falência da gravadora Rozenblit, que antes havia impulsionado a carreira dos compositores pernambucanos, até meados dos anos 80. Naquela época, já havia um farto repertório de belos frevos de Capiba, Nelson Ferreira, Edgar Moraes e tantos outros compositores que sacudiam os foliões nas ruas, desde várias semanas antes do carnaval. Os ritmos das marchas eram bem variados, indo desde o frenético frevo-canção até a melodiosa e nostálgica marcha de bloco.

"Você conhece o Bloco da Saudade
Se não conhece eu vou lhe apresentar
Fica na rua da felicidade
Ele só chega pra nos alegrar..."

O Bloco da Saudade foi criado em 1974 e, desde então, arrasta milhares de foliões saudosistas pelas ruas de Recife e Olinda, ostentando o encarnado e o azul, as cores da cultura popular nordestina. A presidente do bloco, Isabel Bezerra, celebra o contínuo interesse dos jovens pelo carnaval do passado.

"O nosso estilo é marcha de bloco, também chamada de frevo de bloco. Então, a gente tem a orquestra de pau e corda, o coro feminino e a nossa dança é com evoluções. O coro é feminino. A origem desses blocos daqui vem das serestas, das mocinhas que, no início do século, nem podiam sair de casa para brincar o carnaval. Outros surgiram no nosso estilo. Mais de 20 blocos já surgiram. Isso é ótimo para a gente, porque você tem uma infinidade de fantasias diferentes, um carnaval multicultural mesmo".

"Ao som dolente de um madrigal
Sinto que o Bloco da Saudade existe
Pra que não morra o nosso carnaval..."

O Galo da Madrugada, que aparece no Livro dos Recordes como "o maior bloco carnavalesco do mundo", também tem o repertório baseado nos frevos e marchinhas do período áureo das décadas de 1920 a 70. O bloco foi fundado por Enéas Freire em 1978. "Seu Enéas", como era conhecido, morreu em 2008. O filho dele, Gustavo Travassos, é hoje cantor e diretor cultural da agremiação e garante que o ressurgimento dos velhos carnavais veio para ficar.

"Nós somos um bloco que tem 2 milhões de pessoas na rua. E o que fez levar essas pessoas à rua foi o Galo sempre manter a tradição de tocar o frevo, as marchinhas; e de tocar o que era o carnaval de Pernambuco. Isso representa, para a gente, uma missão cumprida diante do sonho de Enéas, que era trazer o autêntico carnaval da cidade do Recife para as ruas. E com uma grandeza muito maior hoje, reconhecido como patrimônio, que a gente sabe que isso vai perdurar por muitos e muitos anos, por muitos e muitos carnavais para o povo".

Pois é, o Galo da Madrugada e o Bloco da Saudade acabam de ser declarados Patrimônio Imaterial da Cultura de Pernambuco, numa iniciativa do governo do estado.

"Quem não chora não mama
Segura meu bem a chupeta
Lugar quente é na cama
Ou então no Bola Preta..."

No Rio de Janeiro, o Cordão do Bola Preta resiste a todos os modismos e se mantém fiel ao carnaval de rua desde 1918. Uma banda com instrumentos de sopro e percussão costuma reunir milhares de foliões na histórica Cinelândia, bem no centro da cidade.

Ao mesmo tempo, uma verdadeira febre de novos blocos carnavalescos tomou conta do Rio, nos últimos anos. São mais de 400 e o fenômeno atinge todos os bairros da cidade. Os blocos mais badalados, como o "Simpatia é quase amor" e a tradicional Banda de Ipanema, desfilam na zona sul. O Monobloco, além de atrair multidões nos ensaios e desfiles, ainda faz várias apresentações no país inteiro ao longo do ano. As marchinhas de carnaval têm presença obrigatória no repertório, conforme conta o cantor e compositor Pedro Luís, um dos fundadores do Monobloco.

"Quando a gente começou a fazer essa revitalização das marchinhas, com os ritmos e os arranjos que a gente foi desenvolvendo, a gente viu que até os jovens tinham aquilo, de certa maneira, no inconsciente coletivo. E é muito bacana fazer essa aproximação da galera de um repertório que é tão representativo da música brasileira. Na verdade, são crônicas sociais de épocas do Brasil".

"Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô ô
Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
E queimou a nossa cara..."

As marchinhas têm ganhado tanta projeção, nos últimos anos, que se tornaram a estrela principal de um espetáculo que vem lotando os teatros brasileiros há quatro anos. A peça "Sassaricando: e o Rio inventou as marchinhas" é resultado de uma árdua e, ao mesmo tempo, prazerosa pesquisa da historiadora Rosa Araújo e do crítico Sérgio Cabral. Eles ouviram cerca de 1300 marchinhas sobre os mais variados temas. Desse total, 87 foram incluídas no espetáculo e 102 estão no CD duplo lançado em 2006. Rosa comenta o efeito das marchinhas na platéia.

"Sassaricando comove as pessoas. É muito engraçado: as pessoas riem, mas também choram e se emocionam, porque ele resgata muito da identidade brasileira, dos tipos brasileiros. Os mais velhos recordam o seu passado, os mais jovens têm o orgulho de como a cidade e o Brasil foram. As crianças amam o Sassaricando".

"Yes, nós temos bananas
Bananas pra dar e vender
Banana, menina, tem vitamina
Banana engorda e faz crescer..."

Nas cidades do interior, as marchinhas nunca deixaram de ter seu lugar de destaque durante o carnaval. A novidade, nos últimos anos, é o fato de elas assumirem o papel principal. Assim era, por exemplo, em São Luís do Paraitinga, estância turística localizada no Vale do Paraíba, em São Paulo. Até ser devastada pela enchente desse início de ano, Paraitinga mantinha o título de carnaval mais tradicional do interior paulista, exatamente por causa do protagonismo das marchinhas.

TRILHA: Pout pourri com Beth Carvalho: "Mamãe, eu quero" (de Jararaca e Vicente Paiva), "Eu brinco" (de Pedro Caetano e Claudionor Cruz), "Quem sabe, sabe" (de Jota Sandoval e Carvalhinho), "Me dá um dinheiro aí" (de Ivan Ferreira, Homero Ferreira e Glauco Ferreira), "Índio quer apito" (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira).

As cidades históricas de Minas Gerais seguiram o mesmo ritmo. As prefeituras de Ouro Preto, Mariana, Diamantina, São João del Rey, Tiradentes e Sabará decidiram se unir para promover carnavais embalados exclusivamente por marchinhas e pelos chamados "sambas de raiz", como conta o secretário municipal de São João del Rey, Ralph Justino.

"A partir desse ano, todos os blocos vão ter, na sua concentração, bandinhas tocando. É uma maneira de a gente fortalecer a ideia do carnaval de marchinhas. E também tem a atuação nossa, no sábado, domingo, segunda e terça, onde vai ter uma bandinha tocando marchinha toda noite, no centro histórico, que também é um lugar de concentração. Vão cantar não só as marchinhas tradicionais conhecidas, mas também as marchinhas de autores de São Joaõ del Rey".

Seja na rua, nos blocos carnavalescos, nos clubes, no teatro, nos bailes interioranos, as marchinhas de carnaval ressuscitaram, depois de um ligeiro período de ostracismo. Além de arrastar milhões de foliões pelo país afora, esse velho estilo musical também voltou a despertar a criatividade de compositores de todos os quilates, até de astros do pop rock nacional, como Eduardo Dusek, autor da debochada "Ô Pitanguy".

"Ô Pitanguy, ô Pitanguy
Fez a Lalá ficar a cara da Lili
A Lalá é a mãe da Lili
E é a gata mais incrível que eu já vi
Mas a Lalá foi dar um tempo no spa
Oba!
Agora eu quero um menage à trois..."

De Brasília, José Carlos Oliveira

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