Rádio Câmara

Reportagem Especial

30 Anos da Anistia - A resistência armada e as torturas no regime militar

31/08/2009 - 00h00

  • 30 Anos da Anistia - A resistência armada e as torturas no regime militar (bloco 1)

  • 30 Anos da Anistia - A aprovação da Lei da Anistia e a redemocratização (bloco 2)

  • 30 Anos da Anistia - A polêmica anistia aos torturadores e os arquivos do período (bloco 3)

  • 30 Anos da Anistia 4 - O governo Lula e as reparações às vítimas da ditadura (bloco 4)

Agosto de 79. O Brasil vivia um momento de forte mobilização social. Milhares de pessoas participavam de atos públicos e manifestações. A reivindicação era a anistia ampla, geral e irrestrita aos presos políticos e àqueles que tiveram no exílio a única alternativa diante da repressão militar.

MEC
Manifestação pública do Movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita
Manifestação pública, em São Paulo, do Movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita

Naquele mês, com a aprovação da Lei da Anistia pelo Congresso, começava o processo de redemocratização do país que, há 15 anos, vivia sob regime da ditadura.

Desde março de 64, quando as Forças Armadas derrubaram do poder o ex-presidente João Goulart, os militantes de esquerda resistiram. Pouco a pouco, o governo militar acabava com a liberdade política, baixando Atos Institucionais que tinham força de lei.

Quatro anos depois, em 1968, com o Ato Institucional número 5 - o tristemente conhecido AI-5 - o presidente da República ganhou poderes para fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos de parlamentares, demitir juízes, legislar por decretos e decretar estado de sítio.

Muitos dos que resistiram tiveram de deixar o país. Outros ficaram, partiram para a clandestinidade e até para a luta armada. A repressão aumentou. A tortura e os assassinatos nos porões da ditadura foram documentados no livro "Brasil Nunca Mais", produzido pelo então assessor do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Por outro lado, o deputado Jair Bolsonaro, do PP do Rio de Janeiro, diz que militantes de esquerda da época promoveram assaltos a banco e atentados com bombas que feriram e mataram brasileiros. Militar, Bolsonaro reclama que essa parte da história não é lembrada.

"Na grande parte, não cometeram crimes políticos. Foram crimes de sangue, com sequestros, assaltos, execuções, como no caso do tenente Alberto Mendes Jr, da Força Pública em São Paulo: foi barbaramente torturado quando viram que não conseguiram cooptá-lo para passar para o lado deles. Temos relação de aproximadamente 140 pessoas que morreram nesses momentos. São policiais militares, policiais civis, delegados de polícia, guardas de banco, cidadãos comuns que morreram durante assaltos a bancos por troca de tiros. Grupos que participaram da luta armada impondo terror. Como na bomba do Aeroporto de Guararapes, em Recife. Tudo isso aconteceu e não é contado esse outro lado." 

A acusação de crimes cometidos pela resistência armada gera polêmica com os ex-participantes da luta pela democracia. Expulso da Marinha, Antonio Geraldo Costa, hoje com 75 anos, diz ter sido torturado na prisão, de onde fugiu para viver seis anos na clandestinidade até deixar o país em 1970. "Neguinho", como é conhecido, não aceita dizer que participou de assaltos a banco naquela época.

"O movimento revolucionário nunca assaltou bancos. O que o movimento fazia era cobrar o imposto revolucionário. Desapropriar, fazer finanças para financiar a luta revolucionária. Quer dizer, 'assalto a banco', o termo está errado. 'Desapropriações', esse é o termo correto. Os companheiros presos eram torturados e assassinados a sangue frio. Eu fui torturado, não quero entrar em detalhes de tortura porque é uma coisa muito dramática, que fica sequelas. Nós lutamos por um Brasil livre e democrático, essa que é a verdade. Chegou um momento em que foi impossível e saímos do país. Nosso caminho foi Uruguai, Argentina e Chile. Dali, Suécia."

O doutor em História e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Oswaldo Munteal também rebate a argumentação do deputado Jair Bolsonaro. Segundo ele, a repressão militar, ao matar milhares de pessoas, foi cruel e desproporcional à resistência democrática.

"A ditadura se estabeleceu matando milhares de pessoas, prendendo e torturando. A resposta que vai sendo dada é uma resposta jamais proporcional ao ataque. Muitos jovens de 13, 14, 15, 16, 17 anos foram presos e não sabiam de nada. Nunca tinham pertencido a nenhum grupo. Foram poucos os grupos que se organizaram efetivamente na luta armada. Morreram sem saber de nada."

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Guerrilha do Araguaia
Tropas do Exército no Araguaia; conflito deixou poucos sobreviventes entre os guerrilheiros

Oswaldo Munteal também classifica como "massacre" o episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Entre 1972 e 1974, cerca de 70 pessoas vinculadas ao Partido Comunista do Brasil que participaram de ações de resistência armada ao regime militar na região da divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Poucas sobreviveram.

Ainda hoje, familiares de desaparecidos esperam encontrar os restos mortais de seus parentes.

Alguns fatos começaram a chamar a atenção da sociedade frente às torturas praticadas contra presos políticos. Um deles foi o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 69.

O fato chamou a atenção no plano internacional, causando constrangimento diplomático para o governo militar.

Em troca da liberdade do embaixador, os sequestradores exigiram a libertação de 15 presos políticos. Foram atendidos e libertaram o embaixador. O hoje deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro - à época, um dos jovens que participaram da operação - diz que, hoje, não tomaria a mesma atitude. Ele acha que episódios como esse provocaram repressão militar ainda mais forte.

"O sequestro foi fruto de uma decisão no interior de uma concepção política. Estávamos no auge da Guerra Fria e numa luta dentro do Brasil para derrubar o sistema capitalista. Hoje não faria mais isso. Primeiro, não faria mais luta armada; segundo, não faria nenhum tipo de sequestro, acho que sequestro é violência contra o ser humano. O resultado pretendido era a libertação de quinze pessoas que foram libertadas. No entanto, fechou um processo de repressão que pode ter prejudicado até a luta pela democracia em termos pacíficos."

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Vladimir Herzog
Morte de Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, colocou ditadura em xeque

Outro caso que colocou a ditadura em xeque foi o do jornalista Vladimir Herzog, morto em 75, quando era diretor de telejornalismo da TV Cultura.

No dia 25 de outubro pela manhã, Herzog compareceu ao DOI-CODI em São Paulo para depor, sob suspeita de pertencer ao Partido Comunista. No mesmo dia, foi encontrado morto na prisão, enforcado com o cinto do macacão de presidiário.

A versão de suicídio, apresentada pelos militares, foi desmentida por outros detentos, que afirmam ter ouvido gritos de Herzog sendo torturado. Jornalistas, que sofriam na pele a censura do regime, paralisaram muitas redações. Milhares de pessoas participaram de celebração religiosa na Catedral da Sé, na capital paulista.

Pouco a pouco, a sociedade começou a se mobilizar pelo fim da ditadura. Os conflitos da resistência ganhavam repercussão em outros países.

Quando assumiu a presidência, em março de 74, Ernesto Geisel anunciou um processo de abertura que ele chamou de lenta, gradual e segura.

Em 77, o governo lançou o chamado "Pacote de Abril", fechando mais uma vez o Congresso para conter o fortalecimento do Movimento Democrático Brasileiro, partido que vinha crescendo nas urnas.

Com novo salto de fortalecimento em 78, o MDB já tinha deputados e senadores que denunciavam violações de direitos humanos.

A partir de 1979, o general João Figueiredo continuou o processo de abertura política. No entanto, as torturas e atentados a bomba atribuídos ao aparelho da repressão ainda ocorriam.

O país caminhava para o fim de um período marcado pela violência, pela censura e pela falta de liberdade.

Da Rádio Câmara, de Brasília, Alexandre Pôrto

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