Rádio Câmara

Reportagem Especial

Bicicleta: pedalada segura e saudável - Segunda parte (09'57")

07/07/2009 - 00h00

  • Bicicleta: pedalada segura e saudável - Segunda parte (09'57")

Em busca de segurança para pedalar pelas ruas e trilhas do país, os ciclistas das grandes cidades têm cultivado o bom hábito de fazer passeios em grupo.

A idéia inicial era unir forças para se proteger de assaltos ou do desrespeito dos motoristas no trânsito. Mas, além da sensação de segurança, esses ciclistas agregaram a solidariedade, a camaradagem e a amizade ao prazer de pedalar.

O Clube de Cicloturismo do Brasil foi criado em 2001, em São Paulo, e organiza passeios por paisagens deslumbrantes do país, como a Chapada Diamantina, na Bahia, e a Serra da Canastra, em Minas Gerais. A coordenadora do clube, Eliana Garcia, descreve o clima que impera nesses passeios.

"A intenção é fazer muita amizade e não ter um clima competitivo. Curtir bastante a paisagem, parar para conversar com muita gente pelo caminho. Fazer uma quilometragem baixa para dar tempo de fazer bastante parada, tirar fotografia, curtindo bastante o caminho em si e não só os pontos de chegada".

Alguns desses caminhos já eram percorridos naturalmente por trilheiros a pé, de moto ou de carro. Mas, Eliana Garcia revela que o clube planejou o primeiro roteiro exclusivamente para cicloturistas. São 350 quilômetros de estradas de terra pelo chamado Vale Europeu, em Santa Catarina, num cenário rico em natureza e cultura.

"As distâncias, o tipo de estrada, tudo é pensado na experiência de quem está de bicicleta. Em todos os hotéis, você será bem recebido com a bicicleta; em todos os restaurantes; a população já está preparada e já sabe porque está passando tanta bicicleta e sabe que tem de receber bem o ciclista".

E foi com uma proposta parecida com a do Circuito Vale Europeu que 240 ciclistas de Brasília decidiram vencer os cerca de 100 quilômetros que separam a capital federal da histórica e aprazível Pirenópolis, encravada na Serra dos Pirineus, bem na região central de Goiás.

O passeio ciclístico, apelidado de "Superando Limites", reuniu 240 homens e mulheres, crianças e idosos, gordos e magros percorrendo 100 quilômetros em estrada de terra, com subidas de perder o folêgo, descidas de arrepiar, trechos de pedras, valas e buracos e, ao mesmo tempo, diante de um cenário ainda estonteantemente verde-azul-amarelo, típico das manhãs e tardes de junho no cerrado brasileiro. E cada um seguia no seu ritmo, sem competição.

Nós, da Rádio Câmara, tivemos o prazer de acompanhar essa legião de amantes da bicicleta no passeio organizado pelo grupo de mountain bike Rebas do Cerrado. Numa das paradas nos postos de apoio do "Superando Limites", uma das coordenadoras do grupo, a psicóloga Janice Pereira, nos explicou o espírito que tomava conta daquelas 240 criaturas que, em êxtase, pedalavam, caíam, se levantavam, incentivavam umas às outras, ajudavam o companheiro, riam de si mesmas, tiravam fotos, contemplavam a natureza...

"As pessoas que procuram o grupo é com esse espírito: o espírito rebas de ser. O lema é ´pedalando ou empurrando, chegaremos lá´. O espírito rebas de ser envolve solidariedade. Os valores contemplam respeito à natureza, bom humor, como você deve ter percebido. O nosso foco é realmente fazer trilhas, é pedalar, trazer as pessoas e iniciá-las no mountain bike".

O ambiente que impera nos passeios do Rebas do Cerrado é realmente democrático. A intenção é mostrar que as pedaladas por esse Brasil afora podem trazer momentos sublimes para pessoas de todas as idades.

Se duvidarem, ouçam o depoimento do menino João Pedro, de apenas 12 anos, o mais novo ciclista a completar os 100 quilômetros de trilha entre Brasília e Pirenópolis. João comenta, feliz da vida, a oportunidade de pedalar em total segurança, sem ter de disputar espaço com carros.

"É a primeira vez que estou pedalando longas distâncias. Eu amo pedalar, eu amo pedalar. Uma coisa que eu noto quando vou pedalar com meu pai é que tem carro que acha que acostamento é faixa para ele andar. Então, eles vão no acostamento enquanto a gente está pedalando".

João Pedro pedalou em família, ao lado dos pais orgulhosos com cada quilômetro superado pelo menino.

O engenheiro Maurício de Castro Oliveira também levou o filho André para a trilha e, apesar dos cabelos brancos, parecia um menino em meio aos colegas do adolescente. A expectativa de Maurício é contar com a mulher e a filha nas próximas trilhas de longa distância.

"Eu comecei a conhecer o grupo, fui tomando gosto e levei meu filho. Começamos a pedalar várias trilhas juntos e percebi que, para ele, era importante ter outros amigos, senão ele iria sair da trilha. Eu estendi o convite aos amigos dele e a gente já pedala há vários meses juntos. A minha esposa e agora a minha filha estão começando a pedalar. Então, é um projeto de prática esportiva como lazer e como social e em família. Esse é o meu projeto com a bicicleta".

Também encontramos nesse trajeto, a estudante Mariane dos Santos, de 20 anos, que é parcialmente cega. Ela participa, há pouco mais de um ano, das trilhas de mountain bike que o grupo Rebas do Cerrado realiza todos os domingos em Brasília.

Mari, como é mais conhecida no grupo, faz parte do projeto ´Deficiente Visual na Trilha´, promovido desde 2005.

"Eu sempre gostava de bicicleta, mas não sabia que tinha o projeto. Quando fiquei sabendo, gostei e me interessei. Eu pedalo firme há um ano, como esporte e meio de transporte também. Mas, mais como esporte para mim".

Mari pedala numa bicicleta dupla, aquelas que têm dois selins e dois pedais. O comando do guidão fica sempre a cargo de um voluntário do projeto ´Deficiente Visual na Trilha´.

Nesse percurso de Brasília para Pirenópolis, Mari dividiu a bicicleta com o servidor público Bruno Lago, de 24 anos, e entusiasta da arte de ajudar.

"Eu fui convidado por alguns amigos do projeto e que pedalam há algum tempo. Fui lá, dei uma voltinha, inclusive com a Mari, e gostei muito. Comprei uma bicicleta de dois lugares e estou aqui, agora, estreando a bicicleta e levando a Mari para conhecer Pirenópolis".

Durante uma das subidas mais acentuadas do trajeto entre Brasília e Pirenópolis, o repórter perdeu um pouco a noção de esforço e decidiu entrevistar a dupla, em pleno percurso, sobre a técnica de pedalada que os dois desenvolviam naquele momento.

"Repórter: Sei que vocês vão conseguir falar mesmo na subida. Vocês desenvolvem uma técnica especial para esse tipo de bicicleta?
Bruno: A técnica é ir girando. A bicicleta é muito pesada, então, deixa-se a marcha mais leve, vai girando sem fazer força e devagarzinho a gente chega lá.
Repórter: E para você, Mari?
Mari: O esforço é maior porque são duas pessoas, então, a responsabilidade fica maior.
Repórter: Na verdade, é você quem está carregando o Bruno aqui, fala a verdade?
Mari: Não, não. Os dois têm que estar em sintonia, senão os dois quebram.
Bruno: Se um parar de pedalar, o outro quebra, cara. É muito peso, né".

A veterinária Nara Benato também protagonizou histórias curiosas durante o ´Superando Limites´ entre Brasília e Pirenópolis.

Diante da falta de uma bicicleta resistente aos solavancos do percurso, ela foi à luta em busca de apoio. Dos 240 participantes do passeio ciclístico, Nara talvez tenha sido a única a ter garantido patrocínio.

"Nem eu acreditava que isso fosse possível. Eu tinha que fazer a inscrição, estava sem dinheiro e comentei com alguns amigos, em casa. E aí, um amigo falou que sabia de uma pessoa que poderia patrocinar: um jornal novo em Brasília, que tinha interesse em fazer pequenos patrocínios e assim divulgar a marca dessa forma. E aí, brincando e conversando, outras pessoas começaram a dar ideias. Um dos argumentos que eu utilizava é que acho que é uma troca, porque consegue-se divulgar a marca dele num público super específico".

Além do jornal, Nara Benato garantiu o apoio de um laboratório veterinário, um centro comercial e uma loja de bicicleta.

Ela também confeccionou camisetas comemorativas do evento e conseguiu uma mountain bike novinha em folha para circular pelas ruas, estradas e trilhas do país.

Ainda não há consenso no grupo Rebas do Cerrado para saber se o ponto alto da aventura foi a alegria pela superação dos 100 quilômetros entre Brasília e Pirenópolis ou as imagens de cerrado nativo ainda impregnadas na retina de quem as viu ou a recepção calorosa proporcionada por amigos e moradores de Pirenópolis ou o espírito de solidariedade e amizade que garantiu a chegada suada, empoeirada e emocionada de todos os 240 ciclistas que iniciaram o percurso do "Superando Limites".

De Brasília, José Carlos Oliveira

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