Rádio Câmara

Reportagem Especial

Saiba mais sobre a psicopatia - terceira parte (08'19")

16/06/2009 - 00h00

  • Saiba mais sobre a psicopatia - terceira parte (08'19")

Jussara Canuto conta que Lucas sempre foi um bebê agressivo. Aos três anos, foi expulso da escolinha por problemas de comportamento um mês depois de ter sido matriculado.

A criança não parava quieta e agredia os colegas. Depois disso, a história se repetiu em outras escolas.

“E daí foi um abismo. Sempre com problema, toda escola que ia, ele não ficava. Meio social nosso foi cortado por completo porque onde chegava ninguém queria porque ele não parava, se tinha outra criança ele agredia.”

Quando o menino tinha 10 anos, os médicos da cidade de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, disseram que não poderiam fazer mais nada pelo garoto. E aconselharam Jussara a procurar ajuda em São Paulo.

Ela chegou ao ambulatório de crianças com transtorno de conduta do Hospital das Clínicas. A essa altura, ela já não saía de casa sozinha com o filho.

“Quando eu cheguei, eu cheguei totalmente descontrolada. Você já pensa o que vai ser na adolescência. O meu medo era o futuro, então eu não cuidava nem do presente. E o que eu ouvi aqui foi o seguinte: é uma batalha diária. É uma planta e você tem que regar ela diariamente, tem que zelar. E outra coisa, não basta você só dizer “é meu filho e eu amo”, você tem que cuidar e lutar pelos direitos dele”.

O ambulatório do Hospital das Clínicas recebe crianças a partir de quatro anos, indo até o início da adolescência.

Muitas delas foram encaminhadas pelas varas de infância e juventude. Crianças que já ouviram diversas vezes a frase de que são intratáveis. Crianças desafiadoras, com atitude de desrespeito às regras aos direitos alheios e agressividade.

O psiquiatra Paulo Germano Marmorato integra a equipe multidisciplinar que envolve médicos, psicólogos e psicopedagogos. Ele destaca que a personalidade ainda em formação das crianças permite que uma abordagem terapêutica dê bons resultados.

“Havia essa posição muito negativa a partir da idéia de que existe um transtorno de personalidade e que se a personalidade tem essa alteração não tem muito o que fazer, porque é do jeito de ser da pessoa. A questão é que quando a gente está falando de adolescentes, mas principalmente de crianças, essa personalidade ainda está em formação. A gente pode fazer, ou pelo a gente espera que uma abordagem bem efetiva possa fazer alguma transformações, possa agir em algumas estruturas psíquicas da criança para que ela perceba as vantagens, os benefícios de algumas mudanças de postura."

O psiquiatra explica que o tratamento começa com a investigação da história da família, quando os comportamentos negativos e positivos de todo o grupo são detectados.

Um dos pontos negativos mais comuns são os pais terem posturas disciplinares diferentes para as mesmas situações, algo que deixa a criança confusa.

A equipe do hospital também conversa diretamente com as escolas. Ou seja, o tratamento é conjunto e envolve todo o universo próximo da criança.

O filho de Jussara Canuto está em tratamento há um ano e ela relata que houve uma mudança sensível em seu comportamento. Ela destaca a importância dos pais procurarem ajuda profissional.

Jussara diz ainda que a troca de experiências com outros pais pode ser muito enriquecedor.

“Por você não saber, fazer tanto e não ver resultado, a forma com que eu agia era agressiva, não fisicamente, mas verbalmente, nunca tendo paciência com nada. E me culpando nunca por não saber lidar. Quando eu vim no grupo e você escuta histórias de outras mães, você fica, poxa, não sou só eu, porque acha que é a bruxa. Você vê que não é só você. E o mais importante é que cada uma fala do que faz de errado, mas do que fez e deu certo.”

O comportamento agressivo ou antissocial das crianças geralmente tem várias causas. Na maioria das vezes, elas já apresentam um temperamento desafiador ou dissimulado. E por serem crianças difíceis, se acostumam a ouvir o tempo todo que são crianças difíceis.

O psiquiatra Paulo Germano Marmorato destaca que isso reforça o comportamento delas. Segundo ele, um dos caminhos importantes do tratamento é reforçar a autoestima das crianças.

“Elas tendem a ter uma visão de si muito negativa. Em geral elas têm um histórico de tanto a visão alheia quanto própria de que elas realmente valem pouco, uma história de humilhação, de pouca valorização. Então a gente também procura valorizar o que ela tem de bom pra que isso possa ser um fator pra alavancar os comportamentos pró-sociais.”

O psiquiatra admite que existem casos em que as crianças ou jovens não respondem ao tratamento. Dependendo da situação, alguma medicação pode ser prescrita, além do acompanhamento junto à família.

Segundo ele, os bons resultados com crianças com transtorno de personalidade acontecem quando os profissionais conseguem estabelecer um vínculo com elas.

“Apesar de muitas vezes chegarem com um ar de desconfiança e hostilidade, mas elas percebem que alguem está genuinamente interessada por elas, alguém realmente se apresenta como algo em que elas podem confiar, a gente consegue algumas respostas positivas. É claro que isso se estabelece a longo prazo."

A psicopedagoga e psicóloga Nívea Maria Fabrício tem 30 anos de experiência com crianças com transtorno de aprendizagem ou de personalidade.

Ela reconhece que são casos difíceis e que precisam de atendimento personalizado, o que é acessível a poucas poucas pessoas no Brasil.

Sobre os professores que lidam com esses casos, Nívea reitera que a criança precisa sentir que o profissional acredita no valor da criança.

"São jovens extremamente sensíveis que precisam perceber no profissional que trabalha com eles a crença na possibilidade de resgate. A crença neles, a crença no trabalho e no investimento, o investimento é forte. Costumo dizer que é um investimento de energia muito grande. Nós, profissionais, precisamos estar muito alimentados pra dar conta."

O que leva algumas crianças e jovens a responder ou não ao tratamento é um mistério.

A psiquiatra forense Hilda Morana destaca que existe um aspecto na constituição das crianças que faz com os casos sejam mais leves ou mais complicados. Ou seja, o componente genético é bastante forte.

Como exemplo, Hilda fala de crianças de nascem em meios violentos e dos jovens que cometem delitos e recebem atendimento nas FEBEMS.

"Então, você vê numa favela crianças que nascem naquele meio horroroso e fogem dele, se adaptam, estudam, trabalham, não tem nada a ver. Você vê crianças que se juntam e depois que são presas, em um ano e meio em média eles já voltam a ter um comportamento adequado. Quer dizer, ele não é nenhum anjo, já tem um transtorninho, porque se ele não tivesse um transtorno leve ele nem iria se juntar ao bando. E você vê os verdadeiros psicopatas, que você faz o que você quiser, um ano e meio, dois, três de FEBEM, e não tem jeito, o indivíduo continua sendo o que é. Esse é o verdadeiro psicopata."

Hilda Morana destaca que seria importante fazer um trabalho nas escolas para capacitar os professores a reconhecer e encaminhar crianças com transtorno de personalidade.

Ela afirma que com o acompanhamento adequado, é possível que muitos casos de transtorno de personalidade na infância não cheguem a formar adultos problemáticos ou mesmo casos de psicopatia grave.

De Brasília, Daniele Lessa

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