Rádio Câmara

Reportagem Especial

O lado obscuro da maternidade - Parte 4 (06'31")

04/03/2009 - 00h00

  • O lado obscuro da maternidade - Parte 4 (06'31")

A busca de Ricardo Fisher pela mãe biológica durou vinte anos. Contra a vontade da família adotiva, ele seguia buscando o seu passado, a sua origem. No momento do encontro, Ricardo conta que era dia de eleição e havia muitas pessoas ao redor.

"Eu consegui no meio das pessoas identificar ela. Eu pensei ´é aquela mulher lá´. Aí, perguntei o nome dela e o guarda me falou: é ela mesmo. O senhor pode chamar ela para mim? Aí chamou. A reação dela também foi de reconhecimento na hora. Quando ela me olhou ela já começou a chorar, sem nunca ter me visto. Aí nós começamos a conversar, conversar, conversar..."

Ricardo soube então do seu passado. Ouviu que a moça solteira e menor de idade engravidou de gêmeos.

A família abastada do Rio Grande do Sul não permitiu que a mãe ficasse com os bebês. Até hoje Ricardo procura pelo irmão gêmeo que também foi entregue para adoção.

E para ajudar outras pessoas que também buscam a sua história biológica, ele criou o site "Filhos Adotivos do Brasil", que já promoveu 28 reencontros de pessoas com os pais biológicos.

Depois daquele encontro, Ricardo Fisher conta que a mudança na vida dele foi definitiva.

"Eu tirei um peso, uma pedra que tinha no coração. É uma coisa muito difícil de falar, mas eu me tornei uma pessoa muito velada, muito fria, não tinha sentimento. Cada vez que eu pensava nisso me incomodava. Eu só fui resolver tudo isso aí, ter o coração mais aliviado, quando eu descobri realmente de onde eu vim, o que aconteceu e como foi. Isso aí realmente mudou a minha vida, pode ter certeza."

Ricardo Fisher conta que foi difícil seguir em sua busca. Os pais adotivos se entristeciam, o resto da família criticava, interpretando seu desejo como ingratidão para com a família que o acolheu.

Ele destaca que teve muito amor e carinho dos pais adotivos. Ao mesmo tempo, conhecer de onde viemos é uma necessidade essencial do ser humano.

A consultora e especialista em infância e adoção, Sylvia Nabinger, explica o sofrimento que a família adotiva sente nessas situações.

"Os pais adotivos têm uma fantasia universal que um dia vão ser abandonados por esses filhos que eles educaram e que eles vão voltar para a sua família de origem. É uma fantasia, porque a prática não é assim."

De acordo com Sylvia Nabinger, a busca de pessoas adotadas por sua origem biológica mistura sentimentos como rejeição, angústia e culpa.

"Vinte anos depois, a primeira coisa que o adotado pergunta é como me chamo, qual é o meu nome, e porque que eu fui abandonado. E o problema dele, o que vai incomodá-lo para o resto da sua existência, não é ter sido adotado, é porque que eu fui abandonado, o que que eu tinha. Eles se sentem culpados."

Na esfera do Direito, a filiação e a origem genética são coisas distintas.

Ou seja, a relação de amor filial com os pais não impede o direito de buscar a nossa origem genética, como detalha o advogado especialista em bioética, José Roberto Moreira Filho.

"Se chegar ao conhecimento da criança, do adolescente ou do adulto que ele é fruto de uma inseminação artificial heteróloga ou de uma adoção, não existe vedação no direito de impedir essa pessoa de buscar a sua origem genética, isso não existe."

Para a ciência jurídica, saber a origem biológica se coloca como um direito de personalidade. Ou seja, um direito que não pode ser tirado de uma pessoa.

José Roberto destaca que, com os avanços da ciência médica, torna-se cada vez mais importante que as pessoas saibam sobre os seus ancestrais biológicos.

No entanto, o geneticista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Renato Zamora, opina que as doenças genéticas nem seriam as razões mais relevantes para a busca da origem genética.

"Eu acho que a questão mais relevante nem é essa, de quais são as doenças que eu posso vir a herdar desse meu ancestral, mas para saber qual é a minha história, de onde eu venho. E a nossa história não é só uma história cultural, também é uma história biológica. Qualquer um que saiba quem são os seus ancestrais e de onde ele veio, consegue ver como isso é importante. Porque vamos negar esse direito para outros?"

A nova lei de adoção em vigor no Brasil garante que pessoas adotadas tenham acesso às informações sobre a mãe biológica.

Daniele Lessa para a Rádio Câmara
De Brasília, Daniele Lessa

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