Rádio Câmara

Reportagem Especial

20 anos Constituição 1 – Da redemocratização à promulgação da Carta Magna. (10'27")

22/09/2008 - 00h00

  • 20 anos Constituição 1 – Da redemocratização à promulgação da Carta Magna. (10'27")

A esperança do compositor Chico Buarque de que o período da ditadura militar chegasse ao fim foi se concretizando pouco a pouco. Em 1983, durante o governo do general João Figueiredo, começou a mobilização nacional para que o país voltasse a ter, no ano seguinte, eleições diretas para presidente da República. O movimento das "Diretas Já" promoveu grandes comícios nas principais cidades brasileiras. E revelou o sentimento de uma nação que exigia participação popular nas decisões políticas.

Mas o Congresso não aprovou a emenda Dante de Oliveira e a escolha do presidente em 84 foi feita de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral. Tancredo Neves, representando a oposição, derrotou Paulo Maluf, candidato governista. Mas antes que assumisse a presidência, Tancredo faleceu, vítima de infecção generalizada. O país com sede de democracia sofreu um golpe do destino.

Mas o caminho rumo à reabertura política já não tinha volta. O vice de Tancredo, José Sarney, acabou sendo o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Foi sob a presidência dele que foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987. Representantes escolhidos pelo povo se juntaram a parlamentares já empossados para dar ao país uma Lei Maior, com os princípios que devem pautar toda a vida em sociedade. O número de partidos se ampliou, deixando para trás a polaridade entre Arena e o MDB. Fernando Lyra, que foi constituinte pelo PMDB, lembra que o povo ainda voltava a dar os primeiros passos no jogo democrático. Por isso, ele afirma que a maior parte dos brasileiros não tinha consciência da importância daquela eleição.

"Os deputados eleitos para a constituinte, pouquíssimos, talvez não cheguem a dez os que foram eleitos por eleitores conscientes de que ele iria fazer uma nova Constituição. Os deputados foram eleitos normalmente, sem que ninguém dissesse o que ele iria fazer na Assembléia Nacional Constituinte".

Enquanto Fernando Lyra critica a falta de consciência do eleitor na escolha dos constituintes, o também constituinte Almir Gabriel diz que, no processo de construção da Carta Magna, a situação mudou. Almir Gabriel, que foi relator do título da Ordem Social na Constituição, recorda a intensa participação da sociedade organizada.

"Na verdade, nós tivemos muitos grupos que pressionaram legitimamente o Congresso constituinte em função de muitos direitos que consideravam normais serem incluídos na Constituição. As empregadas domésticas estiveram comigo várias vezes. Algumas outras profissões, como o pessoal de banco, os médicos, alguns professores, os negros, os índios, os portadores de deficiência... Enfim, foi uma Constituição de uma belíssima construção".

Caravanas de diversos estados vieram a Brasília acompanhar os debates. O "Diário da Constituinte", que ia ao ar na televisão, registrou assim o protesto de caravanas que vieram pedir que a reforma agrária fosse inscrita na Constituição.

"APRESENTADOR: 'Hoje foi um dia de movimentação intensa na Assembléia Constituinte. No começo da tarde, trabalhadores rurais ocuparam o corredor que dá acesso ao Plenário, e saudaram cada constituinte que passava com músicas e palmas, pedindo a reforma agrária'. ÁUDIO: 'Reforma agrária, vem. Reforma Agrária, vem. Se não tem reforma agrária, o Brasil perde também' ENTREVISTADO: 'Sem a reforma agrária, o país não sai da crise. A gente não elimina a violência, não elimina a fome nem o desemprego. Então, se a constituinte não tem a reforma agrária, ela não está correta. Ela fica faltando uma peça importante' ".

122 emendas populares foram apresentadas. Destas, 83 foram aceitas, porque cumpriram o requisito de ter assinatura de no mínimo 30 mil eleitores, sob a responsabilidade de três entidades associativas. Em meio à pressão popular, o senador constituinte Almir Gabriel lembra como se comportavam os grupos políticos que formavam a Assembléia Constituinte.

"Hoje, um pouco de longe no tempo, a gente pode interpretar como havendo um grupo mais à esquerda, progressista, mas que não conhecia muito profundamente a questão econômica, enquanto que o grupo de direita conhecia bastante bem a parte econômica, mas não se dava conta das liberdades individuais e das questões da democracia. Nesse intervalo entre extrema esquerda e extrema direita, havia uma centro-esquerda - que hoje em grande parte está dentro do PSDB - e essa turma é que conduziu em grande parte a diretriz central da constituinte".

Pessoas de vários cantos do país puderam interferir nos trabalhos da Constituinte. O Legislativo colocou à disposição, nas agências dos Correios, formulários para que qualquer um enviasse, de graça, sugestões aos parlamentares. Ao todo, foram mais de 72 mil. A enfermeira Francisca Selene sabe que a saúde pública no Brasil ainda tem muitas carências. Mas se orgulha de ter sugerido uma importante conquista para quem precisa de atendimento.

"Eu sugeri que houvesse um Sistema Único de Saúde que atendesse a todas as pessoas, porque antes só eram atendidas pessoas que recolhiam para a Previdência, e muitos não tinham dinheiro nem para comprar medicamento. Então, era consulta inócua: o médico atendia, a pessoa não tinha dinheiro para comprar o medicamento, e morria, enfartava. Eu imagino quantas pessoas morreram por falta de assistência, medicação. E hoje, eu vejo - eu trabalho no programa Saúde na Família - as pessoas serem acompanhadas pelo médico, e damos o medicamento de acordo com que o médico manda."

O senador constituinte Almir Gabriel também destaca o Sistema Único de Saúde, o SUS, como um dos grandes avanços da Constituição de 88.

"Há pessoas que ainda reclamam muito do Sistema Único. E eu concordo porque ele ainda está falhando em algumas coisas. Mas ele constitui um avanço espetacular na história da assistência médica no Brasil. Se a gente considera 40, 50 anos atrás, uma pessoa qualquer não tinha direito, não tinha acesso a uma cirurgia cardíaca, a um transplante, a uma atenção de UTI como hoje tem".

Além de melhorias na seguridade social, a Carta Magna de 88 se destacou por inovar em outras áreas. Professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília, Cristiano Paixão destaca como um dos principais avanços a ampliação do acesso à justiça.

"Ela estabeleceu uma série de procedimentos tanto judiciais como político-administrativos que são inovadores. Ações constitucionais como: mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, habeas data, revalorizou o habeas corpus... São todas formas de propiciar uma possibilidade de acesso à justiça que envolva a concretização de direitos. Além disso, estabeleceu participação em conselhos de saúde, de educação, iniciativa popular para projetos de lei. Então, nós temos aí uma Constituição que se abre à participação popular".

Em 19 meses de trabalho, 487 deputados e 72 senadores produziram uma Constituição com 245 artigos. O então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, batizou a Carta Magna de Constituição-Cidadã. No dia da promulgação do texto constitucional, em 5 de outubro de 88, ele arrancou aplausos do Plenário.

"Falando com emoção, aos meus companheiros, às autoridades, falando ao Brasil, declaro promulgado o documento da liberdade! Da dignidade! Da democracia! Da justiça social! Do Brasil! Que deus nos ajude que isto se cumpra!".

A Constituição de 88 ficou conhecida por garantir e ampliar direitos individuais e coletivos, por exemplo o dos trabalhadores. Também foi a primeira na história do país a consagrar o princípio da proteção ao meio ambiente e direitos da criança que só foram reconhecidos dois anos depois no plano internacional. Porém, mais do qualquer direito específico, o professor da Universidade de Brasília Cristiano Paixão destaca que o texto constitucional foi importante para assegurar a estabilidade das instituições democráticas.

"A Constituição de 88 permitiu que todos os presidentes civis completassem seus mandatos, e o único que não completou foi afastado sob a forma constitucional - que foi o presidente Collor. Portanto, a Constituição permitiu uma estabilidade institucional. Tivemos alternância no poder, alternância de partidos, ideologias, e tudo isso foi possível com a Constituição".

No entanto, a Carta Magna promulgada em 88 também recebeu críticas. Mas este é um assunto para a próxima reportagem, onde também vamos relembrar a revisão constitucional de 1993.

De Brasília, Alexandre Pôrto.

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