Rádio Câmara

Reportagem Especial

20 anos Constituição 2 – Críticas ao texto constitucional e a Revisão de 1993. (09'28")

22/09/2008 - 00h00

  • 20 anos Constituição 2 – Críticas ao texto constitucional e a Revisão de 1993. (09'28")

A Constituição promulgada em 88 trouxe avanços democráticos, especialmente para um país que havia passado 21 anos sob regime militar. Disso, ninguém discorda. Mas exatamente por ter sido feita nesse contexto de reabertura política, alguns consideram que houve excessos no texto aprovado. É o caso do ex-deputado Tarcísio Delgado, do PMDB de Minas Gerais.

"A Constituição brasileira é uma constituição exemplo no mundo inteiro em muitos aspectos. Agora, não tem dúvida nenhuma de que nós estávamos saindo de um período arbitrário, havia uma grande sede de liberdade e defesa de direitos individuais. Naquele momento em que a Constituição foi elaborada, o Brasil não queria falar em dever mais, queria falar em direito do cidadão. E os cidadãos, numa democracia, precisam ter direitos e deveres".

O deputado e constituinte Ibsen Pinheiro critica também outro aspecto do texto da Constituição.

"Em primeiro lugar, ela é extensa, excessivamente extensa. Ela é detalhista. Ela é marcada por esta circunstância político-social que a envolveu: aquele momento de encerramento de um período ditatorial em que era preciso a reafirmação democrática".

Mesma opinião tem o também constituinte Fernando Lyra, do PMDB. Ele cita um exemplo de excesso relativo ao artigo 192, no capítulo sobre o Sistema Financeiro Nacional, que só foi derrubado pelo Congresso em 2003.

"Eu me lembro muito bem, por exemplo, que foi fixado pelo Fernando Gasparian, então deputado constituinte, um juro máximo de 12% ao ano. E é impossível você prever numa constituinte, o percentual de juros, o lado econômico. Então, eram diversas emendas que não tinham nada a ver com um contexto constitucional permanente".

Já o professor de Direito Constitucional Cristiano Paixão sai em defesa do texto promulgado em 88. Para ele, é um erro chamar a Constituição de detalhista ou excessiva no que se refere à previsão de direitos.

"Na verdade, a Constituição, como documento que retrata as opções políticas fundamentais de uma sociedade, ela tem seu rol de direitos. Isso é fruto do trabalho da sociedade. É óbvio que há uma ou outra disposição que poderia ter ficado para lei ordinária. Mas isso de fato não afeta o texto constitucional como um todo. Não está escrito em nenhum lugar que as constituições têm que ser genéricas e principiológicas. Muitos acham que a Constituição americana seria um modelo, porque é uma constituição enxuta. Isso é equívoco, porque a Constituição norte-americana não é bem redigida. Em alguns elementos é detalhista, em outros é genérica, é um documento muito antigo. O que é o modelo da Constituição americana é sua vivência, o fato de ela ser constantemente reescrita pela prática constitucional".

O professor de Direito da Universidade de Brasília também lembra que a Constituição não é um trabalho acabado, sendo natural que sofra revisões e emendas. Aliás, os próprios constituintes previram uma revisão, a ser realizada em 1993, cinco anos depois da promulgação. Eles imaginaram que, decorrido este tempo, o país já teria condições de avaliar os principais ajustes necessários ao texto promulgado. Mas chegada a hora da revisão, o ambiente político não parecia propício a essa tarefa.

Dias antes do início dos trabalhos, partidos de oposição recorreram ao Supremo Tribunal Federal. Alegaram que as sessões preparatórias descumpriram o regimento por não respeitarem, por exemplo, o quórum exigido. Além disso, entendiam que o instrumento para a autorizar a revisão deveria ser o decreto legislativo, e não uma resolução. Também interpretavam que a revisão prevista na Constituição não seria ampla, e que ao fazer sessões unicamerais, a importância da federação estaria reduzida, já que os senadores, que representam os estados, estariam diluídos em meio à bancada de deputados, bem mais numerosa. Por isso, PT, PSB, PDT e PCdoB entendiam que a revisão não poderia acontecer. O STF não concordou e no dia 7 de outubro de 93, começaram os debates.

Para facilitar o trabalho, os constituintes de 88 haviam previsto que, no período de revisão, seria possível alterar pontos da Carta Magna sem cumprir a exigência de obter três quintos dos votos em dois turnos de votação tanto na Câmara quanto no Senado. Bastaria a maioria absoluta dos votos, ou seja, mais da metade dos parlamentares, em sessões unicamerais, com a participação de deputados e senadores. Mas o Congresso estava mergulhado na crise política causada pelo escândalo dos Anões do Orçamento.

O país acompanhava o trabalho da CPI criada para analisar denúncias de desvio de verbas públicas, com a participação de parlamentares. O relatório final da CPI pediu a cassação de 17 deputados e um senador. Seis parlamentares perderam o mandato, quatro renunciaram para evitar a cassação e os outros oito foram absolvidos.

Enquanto isso, das quase trinta mil sugestões apresentadas, 74 foram transformadas em projetos de emenda para revisão constitucional. Desses, apenas 6 foram aprovados. A primeira emenda criou o Fundo Social de Emergência, para permitir ao governo desvincular recursos de outras áreas para custear despesas de saúde, previdência e assistência social. Também foram aprovadas a que previu a convocação de pessoas diretamente subordinadas ao Presidente da República, para prestar informações ao Congresso; a que permitiu a dupla nacionalidade a brasileiros; a que ampliou os casos em que alguém fica inelegível; e a que suspende os efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo de perda de mandato.

Líder do PMDB à época, o ex-deputado Tarcísio Delgado aponta o escândalo do Orçamento, a falta de interesse do governo e até de habilidade política do relator da revisão, Nelson Jobim, como causas do que considera o fiasco da revisão constitucional.

"Na verdade, o Congresso estava voltado para outra pauta, que era a pauta do escândalo, dos Anões do Orçamento, etc. Evidentemente que houve influência muito grande, mas eu não acho que tenha sido decisiva. Apesar dos Anões do Orçamento, se houvesse o empenho do governo em geral, a revisão andaria de forma mais positiva. O atual ministro Nelson Jobim foi o relator da revisão e desempenhou seu papel com a qualificação que ele tem, mas não era uma pessoa que tinha facilidade no entendimento. Não era um Ulysses Guimarães, que comandou a constituinte lá atrás com êxito. Não tinha a mesma força e não tinha aquele jeito especial de lidar com as diversas bancadas e buscar na heterogeneidade do Congresso um mínimo de homogeneidade para aprovar coisas importantes".

O deputado Ibsen Pinheiro, que também era parlamentar à época, aponta ainda como barreiras à revisão constitucional a excessiva politização do período e o medo de alguns setores em relação a mudanças.

"Você pega, por exemplo, o Ministério Público. Se você fala em processo de revisão constitucional, especialmente uma revisão por um quórum menor, você assusta os integrantes do Ministério Público: 'o que vai resultar disso?'. São setores que temem o revisionismo. Por exemplo as lideranças sindicais. Elas temem a mudança nos direitos trabalhistas e do modelo sindical. No funcionalismo público de modo geral, temem pela estabilidade. E que conseqüentemente diante dos riscos das mudanças, se perfilam numa outra linha: deixa como está".

Para Ibsen Pinheiro, o denuncismo da época e a desmoralização do Congresso interessavam a todos que não queriam a revisão constitucional.

O próprio Ibsen foi vítima desse processo. Na época, ele perdeu o mandato de deputado, acusado de enriquecimento ilícito. Somente 11 anos depois, o autor da reportagem que acusou Ibsen confessou ter errado ao publicar que o parlamentar teria movimentado um milhão de dólares em suas contas, e não mil dólares.
Passada a oportunidade de mudar a Constituição com um quórum reduzido, restou ao governo e à oposição o caminho das emendas constitucionais. Nas próximas reportagens, vamos falar de algumas que mudaram o perfil do Estado brasileiro.

De Brasília, Alexandre Pôrto.

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