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Reportagem Especial

20 anos Constituição 3 – As emendas econômicas que mudaram o perfil do Estado. (12'26")

22/09/2008 - 00h00

  • 20 anos Constituição 3 – As emendas econômicas que mudaram o perfil do Estado. (12'26")

Ao longo de seus 20 anos, a Constituição Federal sofreu reformas que modificaram seu texto de acordo com programa dos governos de cada período. Boa parte das mudanças tiveram a mesma justificativa: era preciso adaptar os direitos sociais à realidade econômica. Ou seja: os cofres públicos não suportariam os gastos sociais previstos na Carta Magna. O deputado Mauro Benevides, do PMDB cearense e um dos constituintes, lembra que essa postura já existia ainda durante o debate da Constituição. Benevides recorda que, na época, o presidente da República, José Sarney, foi à televisão criticar o texto em fase de elaboração pelos parlamentares, o que provocou a reação do presidente do Congresso, Ulysses Guimarães.

"Sarney suscitava a hipótese da ingovernabilidade do país, sob o pretexto de que muitas das emendas já aprovadas iriam sobrecarregar o erário. E aí então, 24 horas depois, o presidente Ulysses também utilizava a cadeia de televisão para tranqüilizar o país: diante das câmeras, dizer que o trabalho estava sendo processado com imensa responsabilidade e que o país poderia confiar nos seus constituintes".

Passado o governo Sarney, Fernando Collor saiu vencedor nas primeiras eleições diretas para presidente da República após duas décadas de ditadura militar.

No entanto, Collor acabou sem apoio político no Congresso, o que impedia qualquer mudança no texto constitucional.

Envolvido em denúncias de corrupção, teve de deixar a presidência após enfrentar um processo de impeachment. Itamar Franco assumiu o cargo, mas também não aprovou no Legislativo uma ampla revisão constitucional, em 93, como previa a própria Carta Magna ao ser promulgada, em 88.

Foi então no início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 95, que ganhou força a tese de que era preciso reformar a Constituição para reduzir gastos públicos.

Respaldado pelo voto popular devido ao sucesso em conter a inflação por meio do Plano Real, que havia conduzido à frente do Ministério da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique encaminhou propostas de emenda ao Congresso que permitiam à iniciativa privada atuar em setores até então controlados exclusivamente pelo Estado, como o de telefonia e o de exploração do petróleo. Previam ainda medidas para conter o déficit público - como a reforma da previdência - e também para aumentar a eficiência da máquina estatal - como a reforma administrativa.

A maior parte dessas medidas foram aprovadas pelo Congresso ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique. Mas enfrentaram resistências. A reforma da Previdência é um exemplo. A aprovação das primeiras mudanças na Constituição, durante o governo Fernando Henrique, não foi fácil. A proposta de emenda constitucional levou 3 anos e 8 meses tramitando no Congresso. Um dos momentos mais críticos foi no dia 8 de fevereiro de 96. O Plenário da Câmara rejeitou o parecer do relator na Comissão Especial, deputado Euler Ribeiro, que defendia as mudanças. A reforma só continuou a tramitar porque o deputado Michel Temer, do PMDB de São Paulo, fez uma emenda aglutinando partes do texto. Aprovada, ela fez com que a proposta seguisse. Depois que o texto sofreu alterações no Senado e voltou à Câmara, o deputado Arnaldo Madeira, do PSDB de São Paulo, foi escolhido novo relator na Comissão Especial.

"O parlamento e a sociedade não estavam preparados para esse debate. Quando as pessoas receberam a informação de que havia um déficit da Previdência, foi uma descrença e um susto generalizado. Então, nós tivemos sessões na Comissão Especial muito tumultuadas. Eu lembro de sessão que teve de ser encerrada, por invasão do Plenário da Comissão, não tinha nenhuma condição de continuar a discussão".

Uma das principais mudanças trazidas pela emenda promulgada em dezembro de 98 foi a exigência, para a concessão de aposentadorias, de tempo de contribuição em vez de tempo de serviço. No caso dos servidores públicos, a emenda previu que quem fosse admitido a partir daquela data só poderia ter aposentadoria integral com idade mínima de 60 anos e 35 anos de contribuição, no caso de homens; e 55 anos e 30 de contribuição, no caso de mulheres. Para os trabalhadores da iniciativa privada, a emenda fixou, entre outros pontos, um teto para os benefícios.

O Partido dos Trabalhadores foi um dos que mais contestaram a reforma. No entanto, eleito em 2003 o presidente Lula, candidato do PT, nova reforma foi enviada ao Congresso. Dessa vez, propunha principalmente regras mais rígidas para aposentadoria no serviço público, como o fim da aposentadoria com salário integral para os servidores.

No dia 6 de agosto de 2003, quando os deputados discutiam o primeiro turno da reforma, cerca de 50 mil manifestantes se concentraram em frente ao Congresso. Houve tentativa de invasão e alguns vidros do prédio foram quebrados. Um dos temas mais polêmicos da reforma foi a determinação de que aposentados passem a contribuir com a previdência. O assunto já havia sido rejeitado tanto pelo Congresso como pela Justiça. Mas dessa vez foi aprovado pelos parlamentares. A reforma, que abriu caminho para a criação de fundos complementares de previdência para o funcionalismo, foi promulgada depois de apenas 8 meses de tramitação. Mesmo com a aprovação, a ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Juçara Vieira, que participou naquela época da organização de marchas de protesto, considera que o movimento teve vitórias.

"Nós conseguimos manter a aposentadoria especial dos professores da educação básica, que são os 25 anos para a mulher e os 30 anos para os homens, tendo em vista que é uma atividade extremamente estressante, e também conseguimos que o governo regulamentasse que os fundos têm que ter controle da sociedade, não são fundos somente privados".

Para amenizar os efeitos da reforma, o Congresso propôs e aprovou uma outra emenda, que ficou conhecida como PEC Paralela. Ela previu medidas para permitir, por exemplo, a aposentadoria de donas de casa, além de algumas vantagens para quem tem doenças incapacitantes.

As mudanças na Constituição trazidas pela Reforma Administrativa também causaram muita polêmica. Sob o argumento de que o Estado teria que ser mais eficiente, o presidente Fernando Henrique enviou em 95 ao Congresso proposta que previa, entre outros pontos, a permissão para que o governo contratasse pessoal pelo regime celetista, em que não há estabilidade; a possibilidade de demissão de servidores por necessidade da Administração Pública e um teto salarial para o funcionalismo. O teto, na área federal, acabou definido como o valor recebido por um ministro do Supremo Tribunal. Várias outras medidas relativas à gestão de pessoal aprovadas ainda dependem de regulamentação. Para o economista Raul Veloso, a reforma administrativa foi decepcionante.

"A Reforma Administrativa foi um fiasco, porque ela nunca foi de fato posta em prática. Ao final, a legislação que deveria complementar a mudança constitucional acabou não acontecendo. Por exemplo: você não pode demitir, a não ser por justa causa. A parte de contratação não está bem, porque você precisa em certos segmentos contratar num regime mais próximo do setor privado e não consegue. Enfim, essa é uma área ainda muito carente de mudanças que venham a flexibilizar e melhorar a eficiência do Estado".

Já o ex-ministro Bresser Pereira, mentor da reforma, contesta. Para ele, as mudanças aprovadas abriram caminho para uma melhor eficiência na prestação de serviços públicos.

"no Brasil inteiro existe uma quantidade muito grande de experiência de organizações sociais. Certos serviços que o Estado prestava diretamente por meio de seus funcionários, passa a ser prestado por organizações sem fins lucrativos financiadas pelo Estado e fortemente controladas pela Alta Administração Pública".

O professor da Universidade de Brasília José Matias, especialista em economia do setor público, diz que a maior herança deixada pela reforma administrativa foi a filosofia que permitiu a aprovação, em 2001, de um código de conduta para os administradores públicos.

"Me parece que o maior ganho que a sociedade teve foi exatamente a lei complementar número 101, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Você começou a coibir uma série de ações no sentido de evitar que esse administrador, seja um prefeito ou um governador, fizesse contratação, empréstimo para que o próximo pagasse essa conta. São questões assim que mostram que houve realmente avanço".

Assim como a reforma administrativa, que reduzia a presença do Estado na economia, outras emendas constitucionais da década de 90 abriram à iniciativa privada setores que até então eram monopólio estatal, como o de telecomunicações. Para o economista Raul Veloso, a privatização no setor foi benéfica para o consumidor.

"O consumidor é que precisa ter melhores serviços, e em vários deles, o setor público vinha oferecendo um serviço ou vinha suprindo serviços com qualidade abaixo do desejável ou em quantidade insuficiente. E a gente sabe que o setor privado é muito mais talhado para atender a certas necessidades do que o setor público. Então não tinha por que manter esses monopólios rígidos".

O professor José Matias, especialista em economia do setor público, concorda. Para ele, a telefonia passa por mudanças rápidas que exigem muitos investimentos, que o antigo Sistema Telebrás não tinha condições de atender. Ele credita as resistências à quebra do monopólio no setor a interesses fisiológicos.

"Você tinha 27 empresas de telecomunicações nos Estados, que ficavam sob o manto dos governos estaduais e isso, do ponto de vista político, era um poder significativo, da capacidade de abrigar afilhados políticos e também o volume de recursos que transitavam por essas empresas, tanto a nível federal quanto a nível dos estados".

José Matias também afirma que a quebra do monopólio estatal do petróleo, apesar de ter causado muita polêmica, não trouxe mudanças significativas, já que a Petrobras continua na prática atuando sozinha na pesquisa e extração do solo brasileiro.

"Qualquer ação no sentido de permitir que empresas estrangeiras participem de leilão para definição de áreas de prospecção, o impacto é muito pequeno. As grandes jazidas da Petrobras estão em águas profundas, é uma tecnologia muito própria da Petrobras. Você ter acesso a essa tecnologia, qualquer empresa vai levar muito tempo e gastar muito dinheiro".

Em suas duas décadas de existência, a Constituição também sofreu alterações em áreas como saúde, educação e habitação. É o que vamos conferir na próxima reportagem.

De Brasília, Alexandre Pôrto.

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