Rádio Câmara

Reportagem Especial

Reprise - Especial Cana-de-açúcar 4 - Críticas ao modelo de expansão do produto não se restringe a quetões trabalhistas (08'58'')

23/06/2008 - 00h00

  • Reprise - Especial Cana-de-açúcar 4 - Críticas ao modelo de expansão do produto não se restringe a quetões trabalhistas (08'58'')

A RÁDIO CÂMARA ESTÁ REPRISANDO O ESPECIAL SOBREA PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR NO BRASIL.NA QUARTA EDIÇÃO DA SÉRIE , VOCÊ VAI SABER POR QUE AS CRÍTICAS AO MODELO DE EXPANSÃO DESSE PRODUTO NÃO SE RESTRINGEM A QUESTÕES TRABALHISTAS. ALGUNS ESPECIALISTAS TAMBÉM QUESTIONAM A SUSTENTABILIDADE DE GRANDES EMPREENDIMENTOS SUCROALCOOLEIROS. A REPORTAGEM É DE ANA RAQUEL MACEDO.

O álcool produzido a partir da cana-de-açúcar tem sido apontado como uma das alternativas mais viáveis de substituição de combustíveis fósseis, como a gasolina, por biocombustíveis, considerados menos poluentes. Alguns ambientalistas e estudiosos alertam, no entanto, que o modelo de monocultura de cana difundido pelo país poderá provocar mais prejuízos do que benefícios ao ambiente.

Estudo lançado recentemente pelas ONGs Núcleo Amigos da Terra/Brasil, Instituto Vitae Civilis e Ecoa- Ecologia e Ação- mostra que a expansão dos plantios de cana para áreas como o Triângulo Mineiro, o Oeste Paulista e o Sul do Mato Grosso do Sul tem sido acompanhada por problemas como: destruição de vegetação nativa; contaminação do solo e cursos d´água; poluição atmosférica; destruição de biodiversidade; entre outros.

Um dos problemas mais visíveis são as queimadas em canaviais, já que, ainda hoje, de acordo com a pesquisa, cerca de 80% da área plantada usa a técnica para reduzir o volume de palha, facilitar o corte e baratear custos. As conseqüências negativas da prática vão desde o aumento do consumo de água para garantir a limpeza de casas e locais públicos atingidos pela fumaça até o incremento do número de acidentes em rodovias devido à falta de visibilidade ou, ainda, o agravamento de doenças respiratórias, especialmente em crianças e idosos.

O economista da Unicamp Pedro Ramos mora em uma região canavieira e conta que o fogo também traz uma série de impactos negativos ao ambiente.

"Eu moro em uma região que é canavieira, região de Piracicaba. Eu fiquei assustado. Eu tenho um sítio. Eu fiquei assustado quando agora recentemente eu fui para o sítio e vi que puseram fogo num canavial perto de nascente e de uma mata. Tenho vontade de fotografar e fazer a denúncia e é de um dos maiores grupos usineiros do Brasil. Você vê que o fogo ultrapassou os limites do canavial e atingiu a mata."

Alguns estados já impõem alguns limites às queimadas. No Rio Grande do Sul, o Código Estadual Florestal proíbe a prática. Em São Paulo, onde está cerca de 70% da produção de cana do país, uma lei estadual prevê a eliminação gradual de queima de palha até 2021 em áreas mecanizáveis e até 2031 em áreas não mecanizáveis. E recentemente, por conta da baixa umidade do ar no estado, a queima foi proibida até 15 de outubro das seis da manhã às oito da noite.

Ambientalistas destacam que um outro problema ainda encontrado em algumas regiões de cana é a contaminação das águas pelo chamado vinhoto. Um dos principais subprodutos da cana, o vinhoto é também muito poluente.

Desde o fim dos anos 70, uma portaria ministerial proíbe o descarte do resíduo em corpos d´água. E hoje os produtores já dispõem de uma técnica para reutilizar o material como adubo. Mas segundo Lúcia Ortiz, coordenadora do estudo da Amigos da Terra, Vitae Civilis e Ecoa sobre os impactos da expansão de biocombustíveis no país, nem sempre a chamada fertirrigação é feita sob controle adequado.

"A gente vê que existem sistemas com maior controle, inclusive controle químico, do solo e de salinização e de concentração desses nutrientes no solo, para ver se vai precisar de uma dose maior ou menor dessa fertirrigação, mas a maioria dos outros sistemas é feito com controle muito pequeno e com conseqüências graves para contaminação das águas subterrâneas."

Nas áreas pesquisadas pelo projeto da Amigos da Terra, Vitae Civilis e Ecoa, foram denunciadas diversas supressões ilegais de vegetação, como em áreas próximas a cursos d´água.

Ricardo Machado, diretor do Programa Cerrado-Pantanal da ONG Conservação Internacional, alerta que 70% das 180 possíveis áreas de expansão de cana coincidem com regiões consideradas essenciais para a manutenção de espécies nativas de cerrado. O especialista avalia que, para conter uma eventual ampliação predatória da produção, seriam necessárias políticas públicas que incentivassem o uso de terras já degradadas e preservassem do avanço agrícola os locais críticos para conservação da biodiversidade.

"Especificamente, as áreas que são mais preocupantes são remanescentes que existem no oeste da Bahia, principalmente porque no oeste da Bahia estão localizados os principais afluentes da margem esquerda do São Francisco. (...) E em alguns pontos específicos do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por causa da ocorrência de algumas espécies ameaçadas. As últimas populações dessas espécies estão exatamente nessa região de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

Atento às pressões por uma expansão mais sustentável da cana-de-açúcar no país, o governo anunciou recentemente que estuda restrições ao plantio do produto em regiões como a Amazônia ou o Pantanal. O Ministério da Agricultura coordena um grupo de trabalho responsável por planejar o zoneamento agrícola da cultura de cana.

A iniciativa, segundo José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura, tem o apoio dos produtores de cana. Ele diz que, para os empresários do setor, esta será uma oportunidade de mostrar como a expansão do plantio de cana já está se dando em áreas degradadas e sem prejudicar o meio ambiente. Segundo o técnico, apenas uma minoria dos produtores não respeita hoje a legislação ambiental.

"A cana não está indo em regiões novas, que não tinha cultura nenhuma. Os problemas ambientais já existiam antes até da legislação ambiental, porque já existiam problemas ambientais com outro tipo de cultura, com pecuária, soja. E agora a cana está ocupando esse espaço e estão culpando a cana. Por exemplo, reserva legal é de 20% no cerrado. Isso está sendo cumprido, até em financiamento estão se exigindo isso. Não existe essa questão da cana não estar cumprindo as questões ambientais. A fiscalização está muito grande. Onde não foi respeitado, mas isso vem de questões de muitos anos antes. Os empresários estão se adequando, recuperando matas.

Mas essa substituição de áreas de pecuária ou soja por cana preocupa alguns estudiosos e ambientalistas. Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra, avalia que os produtores de soja ou gado poderão ser pressionados a migrar para outras regiões, como as de florestas.

"A pressão sobre ecossistemas como o amazônico nasce a partir disso, muito mais da expansão da cana diretamente. Eles nascem a partir do deslocamento de outras culturas. É uma coisa que a gente já vivenciou com a soja, nos anos do boom da soja, 2001/2002/2003. E que agora a gente está enfrentando novamente com a cana. Isso requer políticas públicas, políticas de crédito adequado, zoneamento e iniciativas que fogem ao controle de simplesmente o fazendeiro, o comprador, uma usina de álcool.

Coordenadora do estudo da Amigos da Terra, Vitae Civilis e Ecoa sobre os impactos da expansão de biocombustíveis, Lúcia Ortiz diz que o atual modelo de monocultura de cana pressiona, principalmente, o pequeno produtor de gado e alimentos.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

A RÁDIO CÂMARA ACABOU DE REPRISAR A QUARTA MATÉRIA DO ESPECIAL SOBRE O CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR NO BRASIL, PROGRAMA QUE FOI AO AR SETEMBRO DO ANO PASSADO.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h