Rádio Câmara

Reportagem Especial

Reprise - Especial Quilombolas 1 - Em busca da Liberdade, a fuga das senzalas ... (06'12'')

12/05/2008 - 00h00

  • Reprise - Especial Quilombolas 1 - Em busca da Liberdade, a fuga das senzalas ... (06'12'')

O TRÁFICO DE NEGROS AFRICANOS PARA A ESCRAVIDÃO NA EUROPA E NAS AMÉRICAS É UMA DAS PÁGINAS MAIS VERGONHOSAS DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE. O POVO NEGRO SOFREU A CRUELDADE NO CORPO E NA ALMA, MAS RESISTIU BRAVAMENTE NOS QUILOMBOS, PALCOS DE LUTAS GLORIOSAS PELA LIBERDADE. OS REMANESCENTES DESSES QUILOMBOS EXISTEM ATÉ HOJE NO BRASIL. O GOVERNO FEDERAL JÁ IDENTIFICOU 3 MIL E QUATROCENTAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS QUE PRESERVAM A CULTURA E OS COSTUMES DOS ANTEPASSADOS AFRICANOS, MAS QUE TAMBÉM EXIBEM FORTES CARÊNCIAS SOCIAIS.

AO MESMO TEMPO, CULTIVAM UMA CULTURA SECULAR, RICA EM SÍMBOLOS, EM RITMOS E EM FÉ. O JONGO E O TAMBOR DE CRIOULA, POR EXEMPLO, FORAM RECENTEMENTE RECONHECIDOS COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL BRASILEIRO.

Calcula-se em quase 70 milhões o número de negros arrancados da África e enfiados em navios negreiros com destino aos portos do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, entre os séculos 16, quando o Brasil foi descoberto, e 19, quando a escravidão foi oficialmente abolida. Bantos de Angola, Congo e Moçambique; iorubás, jejes e malês do Sudão, Nigéria e Daomé, atual Benin, estão entre os principais grupos étnicos usados como mão-de-obra dos canaviais, cafezais, garimpos e fazendas dos colonos e fidalgos portugueses. Além disso, o tráfico negreiro revelava-se extremamente rentável: o negro era tirado da África quase de graça, transportado como animal em porões de navios e depois vendido a preço de ouro na Europa e nas colônias da América.

MÚSICA: "Acorda, negro velho" (Jair do Cavaquinho) (30s)
"O castigo do negro era triste
Era de doer o coração
Enquanto gemia no tronco
Os outros joelhavam no chão (sobre o chão)

Imploravam o seu perdão
Santo Deus, tenha dele dó, compaixão."

Para garantir o cumprimento do trabalho, os colonos não economizavam nas torturas. Além do tronco, do açoite e do vira-mundo, aquele instrumento de ferro que prendia mãos e pés dos escravos, os historiadores citam casos de castração, amputação dos seios das mulheres e quebra de dentes com martelo como pena para quem reclamava da situação.

Porém, o negro não aceitou a escravidão e a desumanidade passivamente. Muitos conseguiam reagir à violência dos feitores e dos capitães-do-mato e fugiam em busca de liberdade. Geralmente, escolhiam terras isoladas onde pudessem se reagrupar, reproduzir o modo de vida africano e acalentar a esperança de que seus filhos não nascessem escravos. O Quilombo dos Palmares, em Alagoas, é o mais conhecido desses agrupamentos: durou cerca de 70 anos e reuniu milhares de negros liderados por Zumbi dos Palmares.

MÚSICA: "Canto das três raças" (de João Bosco) (c/Clara Nunes)
"Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou..."

Palmares simbolizava a liberdade e seu exemplo se espalhou pela região. O Quilombo de Palmeiras dos Negros surgiu na mesma época, também em Alagoas. O atual líder da comunidade, José Sandro Santos, sempre relembra as histórias contadas por seus antepassados sobre a origem do lugar, a repressão por parte da Coroa Portuguesa e a solidariedade recebida de índios e brancos no quilombo.

"Vieram os negros que fugiam das senzalas e dos grandes engenhos. Aqui, a nossa comunidade era uma grande mata e eles se alojaram aqui. E aí, essa comunidade ficou sendo um local de apoio aos demais negros que conseguiam fugir da escravatura. Na época em que vieram aqueles grandes exércitos que queriam acabar com o Zumbi, junto com os fazendeiros, os pistoleiros e a política da época, a comunidade já existia. Aqui morou negro, morou índio e morou branco também. Porque o branco que ajudava o negro e tinha dó dos negros não conseguia ficar lá. Se ficasse, ele era (considerado) traíra, traidor."

Zumbi e o Quilombo dos Palmares foram dizimados em 1695, mas o espírito de resistência se espalhou cada vez mais. Mesmo após a princesa Isabel abolir a escravatura oficialmente, em 1888, novos quilombos continuaram surgindo pelo Brasil afora. A Lei Áurea deixou os negros livres do tronco e dos açoites, mas os manteve na miséria, abandonados à própria sorte, desprovidos de seu patrimônio cultural e vivendo numa sociedade que os considerava inferiores. Os quilombos ganharam, então, uma nova dimensão: a de agrupar negros libertos em torno de suas tradições e identidade cultural.

MÚSICA: "Canto II", (O canto dos escravos)
"Purugunta adonde vai, ô parente.
Purugunta adonde vai.
Pru quilombo do Dumbá"

Atualmente, o governo federal reconhece a existência de 3.400 comunidades quilombolas, ou seja, de remanescentes de quilombo. A professora da Universidade de Brasília e coordenadora do livro "A história do povo Kalunga", Glória Moura, acredita que esse número pode ser muito maior e defende mais valorização para a cultura e a história dos quilombolas.

"Está provado que há comunidades remanescentes de quilombo de norte a sul, de leste a oeste, que muitos de nós não conhecemos. E o que a gente ignora, a gente não valoriza. E são parte de nossa história. As pessoas estão lá, seja por doação de terra pelo ex-senhor, seja porque foram quilombos de resistência à escravatura, seja porque ocuparam terras de santos ou de santíssimos que a igreja às vezes doava para os escravos fugidos ficarem, seja porque alguns escravos alforriados foram juntando algum recurso para comprar aquela terra... São várias formas e, de qualquer maneira, eles estão lá e tem uma história muito forte para contar."

O livro de Glória Moura é adotado em escolas do ensino fundamental da comunidade dos kalungas e conta como os antepassados desse povo chegaram ao Brasil e foram parar nos rincões da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. É uma história rica em resistência, tradição e cultura, mas também marcada por fortes carências na luta pela sobrevivência diária.

O governo federal trabalha num pacote de cidadania para os quilombolas, que prevê políticas públicas mais efetivas nas áreas de educação, saúde, assistência social e crédito. A regularização das terras quilombolas também avança, apesar de enfrentar várias resistências. Mas isso é um assunto para a nossa próxima matéria.

A RÁDIO CÂMARA ESTÁ REPRISANDO O ESPECIAL QUILOMBOLA QUE FOI AO AR EM 18.06.2007.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h