Rádio Câmara

Reportagem Especial

REPRISE - Especial Brasília 2 - Das superquadras e monumentos ao tombamento ... (12'13'')

21/04/2008 - 00h00

  • REPRISE - Especial Brasília 2 - Das superquadras e monumentos ao tombamento ... (12'13'')

Uma cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente mas, ao mesmo tempo, uma cidade viva e aprazível. Essa definição de Brasília consta do projeto apresentado por Lúcio Costa em 1957. Entretanto, o planejamento inicial do urbanista foi modificado por fatores não imaginados por ele na época. A questão viária, por exemplo. Na década de 60, poucas famílias possuíam carros e a maioria das que tinham, possuía, quando muito, um veículo. Hoje, é comum dois carros por família e, em algumas chega a quatro, cinco automóveis. De acordo com Antônio Carlos Carpintero, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília, o crescimento vertiginoso do número de automóveis era um elemento imprevisível na época da construção, o que gerou os problemas de trânsito que Brasília vivencia hoje. Observa-se a falta de estacionamento e os congestionamentos nos horários de pico, problemas comuns em cidades não planejadas. Mas Carpintero explica que o problema do excesso de carros nas entrequadras vem de uma mudança no projeto original do plano piloto.

"O Lucio Costa previu a faixa das quadras 100, 200, do outro lado do eixo, e as quadras 300. Não tinha as 400, nem as 600, nem as 700, nem as 900. As 500 tinha, mas são uma faixa de quadras, de grandes armazéns, oficinas, etc. A Novacap, logo no início da construção, criou aquela faixa de casas na W3. Sem comércio. Na hora que ela criou a faixa de quadras sem comércio, ela criou um fluxo transversal no plano que contradiz a linearidade do Eixo. Então o morador de uma casa da w3 obrigatoriamente tem que atravessar a W3 e entrar nas quadras para fazer suas compras. Então isso gera uma mudança no caráter das vias dali, que eram locais, só para os moradores originariamente, então o comércio seria de fato local. Na hora em que criou esse fluxo, o comércio que era local deixou de ser local."

A professora de História e Arquitetura da UnB, Sílvia Fischer, discorda de vários aspectos da orientação urbanística do projeto de Lucio Costa. Para ela, foi um erro a ênfase nessa questão viária, uma característica típica da década de 50. Ela dá como exemplo o eixo rodoviário de Brasília, mais conhecido como Eixão, que percorre toda a área residencial do Plano Piloto, dividindo a cidade em duas. Quem mora e trabalha em Brasília conhece os perigos de se atravessar essa via expressa, com três faixas de rolamento para cada lado e com velocidade de 80 km/hora. As únicas formas alternativas de travessia são passagens subterrâneas, distantes dos pontos de ônibus, mal-conservadas e mal-iluminadas. A professora Sílvia Fischer afirma que o plano de Lucio Costa funciona bem hoje, o que não quer dizer que ele seja de todo bom.

"Cresceu muito, continua crescendo, um pique econômico, com um dinamismo muito forte, que evidentemente demonstra que a transferência da capital do Brasil para o interior, toda essa idéia da interiorização da administração brasileira, teve um resultado extremamente feliz. Então não é assim: o plano é bom, o plano é ruim, o plano funciona, o plano não funciona. Agora, o plano funciona bastante bem. A minha grande diferença é com essa excessiva ênfase na questão das vias expressas, particularmente o Eixão, mas isso vale para o resto. E também toda vez que se tenta melhorar essa circulação, quando ela é ajustada, e está sempre pedindo ajustes, se mantém a mesma lógica de vias expressas."

Uma particularidade do plano de Lucio Costa deu cara própria à capital brasileira: as superquadras. Quem visita Brasília pode gostar ou não, mas certamente o visitante nunca viu nenhuma cidade parecida. As superquadras são conjuntos de prédios residenciais de seis andares, com áreas de lazer e comerciais próximas a elas, emolduradas por faixas de árvores que garantem a sombra. Para a filha de Lucio Costa, Maria Elisa Costa, as superquadras são um dos fatores que determinaram o sucesso da cidade. Maria Elisa explica que seu pai colocou-se no lugar de quem ia morar na cidade quando pensou nas superquadras.

"Então a quadra, ele ter mantido os 6 andares, o pilotis aberto, a coisa de você ter um acesso, de repente, criou condições, desde o comecinho, para se criar, dentro da quadra, um tipo de convívio, que era das ruas de antigamente, quando o Rio de Janeiro era menos populoso. Tinha time de futebol da quadra, as pessoas se conheciam, eram solidárias com seus problemas. ´Chegaram os móveis, vai chegar não sei o que´. Eu acho que isso foi o grande lance. E também a coisa dele usar paisagismo não como um enfeite, mas como um instrumento do projeto. Cercar as superquadras de árvores é fundamental por todas as razões."

Lucio Costa planejou Brasília pensando em quatro escalas: a monumental, a residencial, a gregária, e a bucólica. O professor Carpintero destaca que essas escalas não são fixas, mas o que deve ser preservado é a relação entre elas. Então, a escala bucólica significa o horizonte que se avista de qualquer ponto da cidade. Mas o professor observa que, hoje em dia, a paisagem bucólica mudou porque existe uma série de ocupações irregulares nos locais onde deveria estar a paisagem nua. Um deles é um condomínio irregular de classe média alta que surgiu às margens do Paranoá, que é visto atrás do Congresso Nacional nos cartões postais atuais. Para Carpintero, aquela é uma das maiores agressões ao plano de Brasília.

"O projeto do Lucio Costa é todo voltado para desfrute da paisagem. Essa questão está seriamente ameaçada. A gente está perdendo seriamente esses valores da paisagem."

O superintendente do Iphan em Brasília, Alfredo Gastal afirma que as escalas previstas por Lucio Costa se mantém praticamente intactas nesses 47 anos, apesar de pequenas agressões, principalmente no avanço à escala bucólica, como citado por Carpintero. Mas Gastal diz que essas agressões não representam nada dramático.

"Uma grande coisa que se fez foi o Parque da Cidade, que realmente deu uma densidade muito grande à escala bucólica. E as quadras vão muito bem, obrigado, na sua grande maioria. Tem algumas exceções, temos os casos, por exemplo de que os edifícios eram entregues e o síndico chamava um paisagista para fazer o paisagismo. E esqueciam que as quadras, independente do paisagismo que ele queira fazer no seu edifício, elas têm obrigatoriamente um cinturão de árvores de 20 metros. E isso começou a ser substituído por coqueirinhos, palmeirinhas. Mas isso são coisas perfeitamente corrigíveis."

Brasília foi tombada em 1990, e tornou-se Patrimônio Mundial da Humanidade em 1987. Há quem diga que esses títulos acabam engessando o desenvolvimento da cidade. O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal discorda, afirmando que a intenção do tombamento não é esse.

"O que sim, o tombamento faz é que ele reduz o dinamismo, no sentido de que, por exemplo, arquitetos que têm idéias maravilhosas e querem fazer edifícios de 40 andares, isso não pode. Porque a cidade tem um tamanho determinado, tem vias determinadas para aquele volume de gente, com o volume de tráfego determinado."

Catedral, Palácio da Alvorada, Palácio do Planalto, Congresso Nacional. Se você já esteve em Brasília ou já viu alguma fotografia da cidade, provavelmente vai reconhecer esses monumentos. Todos projetados por Oscar Niemeyer. Os traços de Niemeyer deram personalidade própria à cidade. Com o passar do tempo, Niemeyer seguiu elaborando obras para Brasília. A última obra inaugurada na Esplanada foi o Complexo da República, formado por Museu e Biblioteca, no final do ano passado. A professora de arquitetura do Centro Universitário de Brasília, Gabriela Izar dos Santos acha que as obras mais recentes do arquiteto mudam a idéia original de Brasília e não têm discurso, idéia. Gabriela explica que a posição original dos prédios na esplanada, por exemplo, não é aleatória. Por isso, critica o Complexo da República, cujo museu é em forma de semi-esfera tão grande que impede a visão da catedral.

"Agora, quando entra aquele museu enorme, aquela volumetria que tampa tudo, e aquela biblioteca, aquilo afeta muito aquele equilíbrio e não diz nada no sentido de acrescentar uma nova visão de Estado."

Apesar disso, Gabriela reconhece a genialidade de Niemeyer nas construção de Brasília.

"A obra dele em Brasília é um conjunto. Não é uma exploração infantil de novas linguagens, sem discurso, sem idéia. Brasília, não. Ele escreve por que cada palácio é como é, cada quadra, alguns edifícios que ele fez de quadra, de projeto. Essa obra é muito importante. Essa obra eu considero a fase mais importante. A que tem realmente conteúdo."

Gostando ou não das obras de Niemeyer ou do projeto de Lucio Costa, Brasília está aí, uma senhora de 47 anos. Quem resume a importância da cidade para além dos traçados dos arquitetos, é o Coronel Affonso Heliodoro, que era sub-chefe do Gabinete Civil de Juscelino na época da construção. Ele sintetiza o amor que JK sentia pela cidade.

"Ele não via apenas uma cidade bonita, projetada por Lucio Costa, arquitetura do Oscar Niemeyer, parques do Burle Marx. Ele via aqui a conquista de 6 milhões e 500 mil km2 de Brasil, que eram desérticos"

De Brasília, Adriana Magalhães

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