Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Transplantes 1 - Conheças as causas da redução na doação de órgãos (07'44'')

19/11/2007 - 00h00

  • Especial Transplantes 1 - Conheças as causas da redução na doação de órgãos (07'44'')

NO REPORTAGEM ESPECIAL DESTA SEMANA, VOCÊ ACOMPANHA CINCO MATÉRIAS SOBRE OS TRANSPLANTES NO BRASIL. NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS, GRADATIVAMENTE O NÚMERO DE DOAÇÕES DE ÓRGÃOS FOI DIMINUINDO, LEVANDO MÉDICOS E PACIENTES NA FILA A SE MOBILIZAREM MAIS UMA VEZ EM CAMPANHAS DE ESCLARECIMENTO SOBRE O ASSUNTO. NA PRIMEIRA REPORTAGEM DA SÉRIE, ACOMPANHE HOJE AS CAUSAS DA REDUÇÃO DAS DOAÇÕES E CONHEÇA A EXPERIÊNCIA DE UMA JOVEM QUE RECEBEU UM NOVO CORAÇÃO HÁ QUATRO MESES E JÁ TRABALHA PARA SENSIBILIZAR AS PESSOAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS.

A menina Ana Carolina já nasceu com problemas cardíacos. Nunca fez educação física na escola e ficava cansada mesmo com pequenas caminhadas. Mas a vida seguiu normal, até que aos vinte anos o problema se agravou e ela foi avisada que, em algum momento, teria de entrar na fila do transplante. A insuficiência cardíaca foi sendo acompanhada pelos médicos, até que em janeiro deste ano, Ana Carolina Zarpellon teve de largar a família, o emprego e o namorado e ir para o Incor em São Paulo. A função cardíaca tinha piorado muito, e, em abril, ela precisou ser internada. Ao entrar no hospital, ela enfrentou a agonia da espera.

"Quem está na fila tem um código e consegue ver a fila pela internet. E eu comecei a perceber que a fila andava não porque tinham acontecido transplantes mas porque as pessoas estavam morrendo na fila e isso começou a me deixar apavorada. E, em abril, eu fui internada porque não agüentava mais esperar em casa. No Incor a gente tem colega de quarto, uma das minhas colegas de quarto, uma menina de quinze anos do Rio de Janeiro faleceu do meu lado esperando um coração. Para ela não deu tempo."

A presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Maria Cristina de Castro, aponta que o Brasil realiza apenas 20% dos transplantes que necessita, sendo que 9 em cada 10 possíveis doadores são perdidos por falta de notificação ou por problemas na abordagem e na condução do processo. A médica explica que os mitos sobre a doação e o atendimento precário na rede pública de saúde ajudam a entender a diminuição das doações.

"Outra coisa que atrapalha são alguns mitos que existem: primeiro que a morte encefálica pode ser reversível ou de que os órgãos são ver distribuídos só para ricos e famosos, o que não é verdade. E existe também um certo ressentimento da população em relação ao atendimento de saúde que se tem. Muitas vezes aquela família procurou vaga e não achou, aquele paciente ficou no pronto socorro porque não tinha vaga na UTI, nem sempre foi atendido com toda a agilidade que aquela família gostaria, e no momento da doação a família, às vezes, recusa porque sentiu que não foi bem atendida durante todo o processo."

A diminuição na quantidade de órgãos doados gerou algo como um apagão dos transplantes. O Brasil é referência no assunto e, segundo o Ministério da Saúde, ocupa o terceiro lugar entre os países que mais transplantam. Porém, de três anos para cá, o número de doadores está caindo: em 2004 foram 7,3 doadores para cada milhão de habitantes, em 2005 6,4 doadores e em 2006, apenas 6 doadores por milhão de pessoas. No primeiro semestre deste ano, os números continuaram em queda. Quais os fatores envolvidos nesse apagão? A necessidade constante de campanhas de sensibilização, a sobrecarga no sistema público de saúde e a falta de estrutura nos hospitais são apenas alguns deles. O coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, Abrahão Salomão Filho, admite que nem sempre as equipes médicas podem se dedicar aos pacientes com morte encefálica quando há outra pessoa ao lado precisando de cuidados e com chance de sobreviver. Além disso, Abrahão destaca que são poucos os hospitais que notificam as centrais estaduais quando surge um caso de morte encefálica.

"A gente costuma falar no Brasil que tem lei que pega e lei que não pega, e essa não pegou. São poucos os hospitais que notificam as respectivas CNCDO, que são as centrais estaduais de que existe paciente com morte encefálica para que uma equipe possa se dirigir ao local, fazer entrevista, posteriormente fazer o diagnóstico de morte encefálica, e daí por diante o processo é automático."

O coordenador do Sistema Nacional de Transplantes reconhece as dificuldades e explica que dificilmente o Brasil conseguirá suprir toda a demanda com a rapidez necessária. Mas Abrahão Salomão Filho relembra sua experiência como médico e fala do sentimento quando um paciente consegue receber uma renovação de vida.

"Os americanos que transplantam cinco ou seis vezes a quantidade de órgãos que a gente transplanta, por exemplo de rim, têm uma fila de espera monumental com mais de setenta mil doentes. Mas a alegria, a felicidade, a gratificação que vem quando você resolve um caso é tão fantástica, é a sensação de se aproximar de Deus, né?"

E Ana Carolina, que hoje já é uma mulher de 26 anos, ganhou um coração novo há quatro meses. Ela conta que foi para a cirurgia feliz da vida e nunca duvidou que sua recuperação seria rápida. Se antes mal conseguia falar, agora ela conta a sua experiência para tocar o coração de quem ainda não sabe se um dia pode precisar de um transplante ou autorizar a doação dos órgãos de um familiar.

"Eu vou tomar remédio para o resto da vida, o remédio da rejeição tem alguns efeitos colaterais, mas perto do que era a minha vida antes, o que está agora, eu com quatro meses de transplante, eu sou outra pessoa. Quem me conhecia desde pequena estranha, porque hoje eu consigo levantar, pegar um copo, me servir de água, sentar, tomar água, voltar, coisa que antes eu não fazia, eu não conseguia fazer, eu nunca consegui."

Formada em Direito, Ana Carolina relata que espera se recuperar um pouco mais para voltar ao trabalho. O namoro continua firme e ela se envolve cada dia mais na ajuda para aqueles que ainda esperam pela esperança de vida que um transplante pode trazer. Afinal de contas, hoje foi ela, amanhã pode ser um de nós, de nossos pais ou de nossos filhos.

De Brasília, Daniele Lessa

AMANHÃ, DENTRO DA SÉRIE DE REPORTAGENS ESPECIAIS SOBRE TRANSPLANTES, VOCÊ ACOMPANHA MAIS DETALHES SOBRE O QUE É A MORTE ENCEFÁLICA. A JORNALISTA DANIELE LESSA OUVIU MÉDICOS QUE EXPLICAM OS MITOS E OS FATOS SOBRE O QUE ACONTECE QUANDO A PESSOA MORRE MAS O CORAÇÃO CONTINUA BATENDO. ACOMPANHE TAMBÉM A EXPERIÊNCIA DE UMA MÃE QUE AUTORIZOU A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS DO FILHO. AS REPORTAGENS DESTA SÉRIE TAMBÉM PODEM SER OUVIDAS NA PÁGINA DA RÁDIO CÂMARA NA INTERNET PELO ENDEREÇO WWW.RADIO.CAMARA.GOV.BR

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