Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Paulo Freire 2 - Ler é muito mais que juntar sílabas ... (08'43'')

04/06/2007 - 00h00

  • Especial Paulo Freire 2 - Ler é muito mais que juntar sílabas ... (08'43'')

NA REPORTAGEM ESPECIAL DE HOJE, VOCÊ VAI CONHECER UM POUCO MAIS DA CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO DE PAULO FREIRE, QUE PROVOCOU TANTA POLÊMICA NO BRASIL E NO MUNDO.

"Ler não é passear por cima das palavras. Ler é ter uma compreensão profunda, estética também do lido. Se esse país levasse a sério o exercício da leitura, da palavra associada à leitura do mundo, com todas as suas implicações, de ordem estética, de boniteza, e também de liberdade de criação. Eu acho que ensinar a ler e a escrever numa perspectiva como essa faz parte da pedagogia, da democracia."

Como Paulo Freire mesmo definia, aprender a ler é muito mais do que juntar sílabas. Muito mais do que desenhar letras num papel. O Método Paulo Freire de alfabetização provocou uma verdadeira revolução no conceito de Educação na década de 50.

A primeira mudança do método Paulo Freire foi substituir o formato convencional das salas de aula, com um professor na frente e alunos em fila olhando para ele. Os alunos de Paulo Freire ficavam em círculos, chamados "círculos de cultura", conversando e debatendo. Antes de alfabetizar, os monitores escutavam histórias dos educandos, destacando as palavras que faziam parte do seu vocabulário, da sua realidade. Com isso, os alunos aprendiam a escrever sobre coisas que faziam sentido em sua vida. Dessa forma, o alfabetizando refletia sobre seu papel na sociedade enquanto aprendia a escrever a palavra "sociedade". O professor Afonso Celso Scocuglia é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba e assessor internacional do Instituto Paulo Freire. Ele explica que o Método Paulo Freire abriu o canal para o debate dos problemas que os alunos enfrentavam.

"Ao mesmo tempo que elas se alfabetizavam, elas se conscientizavam dos seus problemas, discutiam seus problemas, tentavam encaminhar soluções coletivas para seus problemas e, a partir dessa discussão, tiravam palavras, frases, textos que serviam para se alfabetizar. Ou seja, ele inseriu a alfabetização não como uma metodologia neutra, mas como uma visão participativa, política, conscientizadora, e é isso que tinha um grande diferencial com relação a outras metodologias de alfabetização de jovens e adultos."

O Método Paulo Freire começou a ser aplicado no Movimento de Cultura Popular, de Recife. Eram apenas cinco alunos, dos quais três aprenderam a ler e escrever em 30 horas, e os outros desistiram. Em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, Paulo Freire teve a grande experiência de alfabetização. Em 45 dias, foram alfabetizados trezentos trabalhadores. Isso numa época em que quase 40% da população eram analfabetos. A convite do presidente João Goulart, em 1963, Paulo Freire organizou uma Campanha Nacional de Alfabetização, com o objetivo de alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20 mil círculos de cultura. Sem desmerecer a função de especialista em alfabetização de adultos, Paulo Freire dizia que sua preocupação era mais gulosa do que essa.

"O que eu buscava já naquela época, nos anos 50, era uma crítica à Educação brasileira. O que eu incluía nessa crítica, a crítica ao formalismo mecanicista das práticas da alfabetização de adultos."

O professor Scocuglia concorda e diz que a pedagogia proposta por Paulo Freire é profundamente humanista.

"Paulo Freire é usado no mundo todo como um pensador da Educação, como um propositor de idéias para a Educação. Ou seja, como um dos educadores mais importantes do século 20. É claro, priorizou por um lado a alfabetizaçao de jovens e adultos, como foi no Brasil, na América Latina, mas não ficou só nisso, foi um educador que transcendeu muito essa parte de metodologia. Não dá para identificar o Paulo Freire como simplesmente um método de alfabetização, mas sim como um pensador da Educação, como um propositor da Educação."

O golpe de 64 trouxe também o fim do projeto de alfabetização de Paulo Freire. Em seu lugar, surgiu o MOBRAL, que voltou a desvincular alfabetização de conscientização.

Além de prender e mandar Paulo Freire para o exílio, a ditadura também praticamente dizimou sua biblioteca na época, com mais de 1.800 exemplares. O organizador de seus arquivos no Instituto Paulo Freire é seu filho caçula, Lutgardes. Ele conta que, da biblioteca original, sobraram apenas cem exemplares.

"Muita coisa se perdeu, muita coisa também os educadores da época queimaram devido à perseguição da ditadura, dos militares, muitos projetores foram enterrados. Quer dizer, é uma lástima... Nós temos, então, pelo menos cem exemplares dessa primeira biblioteca do meu pai, mas temos felizmente a segunda biblioteca do meu pai, que é a que ele teve a partir do exílio... Essa biblioteca contém 3 mil exemplares."

Lutgardes diz que seu pai era um leitor demoníaco.

"Acordava às 6 horas da manhã, trabalhava o dia inteiro, chegava de noite, jantava com a gente e ia para a biblioteca dele. Ficava até 3 horas da madrugada estudando, lendo, escrevendo, não admitia que ninguém entrasse no escritório dele. Essas coisas intelectuais daquela época. Meu pai foi um intelectual da época em que escrevia tudo à mão."

O amigo Moacir Gadotti acompanhou Freire por 23 anos e hoje é diretor do Instituto Paulo Freire. Ele relembra a relação sensitiva que o educador tinha com os livros.

"Eu andei por quase 40 países com ele, e eu lembro que, em N. York, ele estava no lançamento de um livro, uma edição do 'Pedagogy of Hope', e ele chegou na livraria antes, chegava sempre antes, nunca chegava depois, atrasado, e ele tinha uma pilha de livros no meio da livraria, e ele ficava olhando de longe, passava, rodeava, como quem diz 'será que eu vou me aproximar do livro.' Ele tinha uma relação epidérmica com o livro. E a primeira coisa quando ele pegou o livro - uma edição muito bonita em capa dura -, ele abriu o livro e cheirou o livro. Ele tinha essa relação muito sensitiva com as coisas."

Paulo Freire escreveu individualmente 27 livros. O mais conhecido deles, "A Pedagogia do Oprimido", foi traduzido para 47 idiomas.

De Brasília, Adriana Magalhães.

AMANHÃ, NA ÚLTIMA REPORTAGEM SOBRE PAULO FREIRE, VAMOS ANALISAR SE SUAS IDÉIAS SÃO APLICADAS, NA PRÁTICA, NAS SALAS DE AULA BRASILEIRAS.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h