Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Mulheres 3 - Lya Luft - ( 06' 33" )

05/03/2007 - 00h00

  • Especial Mulheres 3 - Lya Luft - ( 06' 33" )

Foi na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul, área de colonização alemã, que a menina Lya Luft iniciou sua relação íntima e permanente com a literatura. Quem sabe as respostas para os mistérios da vida não estariam nas linhas retas dos livros?

"Desde criança eu me vejo muito mais rodeada de livros, na minha cama de menina, depois de adolescente, no meu quarto, na casa de meu pai cheia de livros. No fundo eu achava que a resposta estaria nos livros, na minha inocência ainda de jovenzinha. Depois eu entendi que o interessante é a procura e a gente não vai ter resposta."

Entre poesia, romances e crônicas, Lya Luft já publicou 19 obras. Ela iniciou sua vida literária nos anos 60, como tradutora do alemão e do inglês. Escreveu duas obras de poesia e um livro de contos, até finalmente estrear como romancista em 1980, com o livro As Parceiras. Seguiu escrevendo, e em 2003, o livro Perdas e Ganhos foi um dos mais vendidos do ano. Para a escritora, é fácil apontar a semente de sua literatura: ela germinou na infância, em meio à casa grande, o belo jardim e à existência feliz mergulhada em uma fantasia marcante.

"As minhas memórias de infância são sempre cheias de magia. Muitas vezes magia um pouco para o medo: medo de escuro, medo de fantasma, medo não entendido. Talvez a minha literatura seja uma tentativa de compreender o que não se compreende, de mexer no mistério, que é por um lado fascinante, e por lado outro assustador."

Lya Luft diz que escreve sobre os mistérios da vida. E alimenta seus escritos de pequenas grandes perguntas: qual o sentido disso tudo, da flor na janela, da família, do nascer e morrer, de se construir sonhos. Escritora de uma obra profunda e reflexiva, Lya Luft não se considera uma pessoa triste, ainda que tenha criado personagens muito atormentados. Eles são fruto da fantasia que tenta verbalizar o invisível. Lya Luft defende o recolhimento, nesse período em que a humanidade corre cada vez mais. E destaca que talvez os grandes sustos da modernidade, como a violência, façam o homem parar para refletir sobre sua própria vida. Quanto a ela própria, afirma só querer cada vez mais simplicidade para o seu viver.

Mas a mulher tranquila é enérgica quando assunto é a chamada literatura feminina. Lya Luft afirma que a idéia de que existe diferença entre a literatura produzida por homens e mulheres repete os velhos preconceitos da discriminação e do sexismo.

"Nós temos já há algumas décadas, mulheres escrevendo uma literatura forte, forte no sentido de impactante, e no mundo inteiro. Então eu acho que essa é uma posição muito tola, literatura feminina e masculina. Por exemplo, na pintura ninguém diz: Tomie Ohtake faz pintura feminina, acho que seria ridículo perguntar isso. As arquitetas criam edifícios, locais diferentes, mais doces, mais arredondados que a arquitetura masculina? Isso é uma besteirada. Isso é arrastar o cadáver apodrecido de velho preconceito."

A escritora diz que ser homem ou mulher certamente tem influência na visão de mundo das pessoas. Mas no tocante à arte, para Lya Luft, o importante é que cada um crie o seu território máximo de liberdade, sem as amarras de fazer uma literatura com rótulos ou elaborada para agradar à crítica. Hoje, aos 68 anos, Lya Luft aponta que se pensa cada vez mais como ser humano, e não como mulher.

"Eu sou, eu ajo, eu falo, eu me penso como ser humano, como pessoa. Ser mulher já é uma coisa secundária. É claro que influi o fato de ser mulher. Acho que as mulheres têm uma ligação com a vida, e portanto com a morte, um pouco diferente da ligação do homem, a partir do momento que elas dão a vida ou que elas potencialmente podem dar a vida. É a velha coisa da mãe natureza. Quanto mais velha fico, mais eu volto de novo para a coisa das cavernas. Eu acho que nós somos biopsiquicamente muito determinados, claro que não completamente, pela coisa da natureza."

Lya Luft está no terceiro casamento. Sua primeira união foi com o lingüista Celso Pedro Luft, com quem teve três filhos. Depois viveu com o escritor e psicanalista Hélio Pellegrino, que morreu três anos depois. Algum tempo depois, voltou a se casar com o primeiro marido, de quem também ficou viúva. Ficou alguns anos sozinha e agora está na terceira união, que ela diz esperar que seja a última. Lya destaca a importância de estar bem sozinho para viver uma relação a dois de qualidade.

"O ser humano não nasceu pra ser sozinho, mas eu acho que a gente precisa aprender a viver sozinho. Se você está bem sozinho, se está
tranquilo sozinho, você é capaz de assumir novas relações de uma maneira mais positiva, melhor. Quer dizer, livrar-se da ansiedade de ter que ter
alguém. Isso é uma coisa que ainda existe, infelizmente, um pouco na nossa cultura. O homem está sozinho, ai que bom, está aproveitando a vida. Mulher está sozinha, ah, é porque ninguém a quis."

Mas a escritora se confessa uma romântica. Lya Luft finalizou a entrevista mostrando sentir que a vida fica mais rica quando partilhada com alguém que realmente valha a pena.

De Brasília, Daniele Lessa

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