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Câmara é História

O primeiro presidente eleito por eleições diretas sofre impeachment (13' 23")

16/07/2006 - 00h00

  • O primeiro presidente eleito por eleições diretas sofre impeachment (13' 23")

A primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura militar elegeu o mais jovem presidente que o país já teve. Ex-deputado federal e governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, concorrendo pelo minúsculo PRN, venceu outros 24 candidatos na corrida ao Palácio do Planalto. Entre eles, os atuais deputados Roberto Freire, Enéas e Ronaldo Caiado, lideranças tradicionais como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, e o atual presidente da República, Lula.

"Vamos juntos minha gente, vamos construir o Brasil novo. Agora chegou a nossa vez"

Mas Collor não foi até o fim de seu governo. O impeachment interrompe o primeiro governo eleito diretamente após 29 anos.

"Está admitida a acusação contra o senhor presidente da República por crime de responsabilidade"

Fernando Collor fez do marketing seu estilo. Com atitudes agressivas e imperiais dizia não ter vínculos com a política tradicional. Seu discurso era neoliberal e contra a corrupção.

Seu Governo começou com medidas de impacto. Collor prometeu derrubar a inflação com um golpe. E assim o fez, confiscando os depósitos em cardeneta de poupança e contas-corrente com o chamado Plano Collor, elaborado pela equipe de sua ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo. Anunciou uma equipe de governo que considerava imutável, mas que logo começou a ruir com as acusações de corrupção sobre integrantes da equipe.

A elite política e econômica já conhecia os defeitos do presidente, diz o senador Antonio Carlos Magalhães, mas preferia Collor à ameaça da esquerda representada por Lula e Brizola.

"Nós votamos em Collor. Ele não tinha defeito novo. Os defeitos dele eram conhecidos. mas ele conseguiu empolgar o país com uma falsa impressão de moralidade. que logo se desfez no início do governo"

O primeiro integrante da equipe a ser atingido pelas denúncias foi o ministro do Trabalho, Rogério Magri, que caiu após a divulgação de uma fita em que admitia ter recebido propina para liberar recursos do FGTS.

A seguir, a ministra da Ação Social, Margarida Procópio, foi demitida. As denúncias continuam e derrubam o ministro da Saúde, Alceni Guerra, por suposto envolvimento no que ficou conhecido como Escândalo das Bicicletas, do qual foi inocentado anos mais tarde.

Também a primeira-dama, Rosane Collor, é envolvida no escândalo de desvio de recursos da Legião Brasileira de Assistência que comandava. Antevendo um mar de lama, o vice-presidente Itamar Franco rompe com Collor e deixa o PRN.

Mas o castelo começa a ruir mesmo a partir da bombástica entrevista de seu irmão, o empresário Pedro Collor, à revista Veja, que expôs ao público o esquema de tráfico de influências entre governo e empresários capitaneado pelo tesoureiro de campanha Paulo Cesar Farias.

Sentindo-se prejudicado em negociações que envolviam a disputa do mercado jornalístico em Alagoas, Pedro Collor denunciou casos de extorsão e suborno de empresários. Acusou Paulo Cesar Farias, o PC, de ser testa de ferro do presidente e de transferir recursos financeiros para o presidente da República.

O impacto da denúncia levou à criação da CPI mista do caso PC, em maio de 1992.

O inquérito no Congresso levantou suspeitas contra o presidente, mas faltavam provas. A agressiva bancada pró-Collor, conhecida como Tropa de Choque, tentou abafar as denúncias. Até que surge a figura de Eriberto França, motorista da secretária de Collor, Ana Acioli.

Eriberto dá ao Congresso detalhes e pistas do esquema de extorsão de PC Farias. Com suas denúncias, aparece a teia de contas-fantasmas em vários bancos do país e o desvio de milhares de dólares para beneficiários do esquema. Entre os beneficiários estão a mulher, a ex-mulher, a mãe, e diversas outras pessoas ligados a Fernando Collor de Mello.

O secretário particular do presidente, Claudio Vieira, tentou então explicar os recursos como sendo derivados da campanha eleitoral. Logo as explicações de Vieira sobre os empréstimos contraídos na chamada Operação Uruguai foram desmentidos por uma secretária que revelou a farsa.

A CPI mista aprova então o relatório em que acusa o presidente da República de se beneficiar com dinheiro do esquema PC, em atitude incompatível com o decoro do cargo.

Collor reage. Na TV, pede ao povo que traje verde e amarelo nas ruas, no dia 16 de agosto, em apoio ao seu mandato. A população dá o troco e veste preto.

"Não me deixem só. Eu preciso de vocês"

Na manifestação contra Collor, surge o movimento dos cara-pintadas, que pintam no rosto as cores da bandeira e bradam slogans de contestação. A campanha do "Fora Collor" se amplia.

O pedido de impeachment do presidente é encaminhado à Câmara em setembro pelos presidentes da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Lavenére.

O pedido tramita em ritmo acelerado e culmina no dia 29 de setembro com a votação na Câmara. Os deputados, em votação aberta, autorizam o Senado a julgar o presidente da República com o voto favorável de 441 deputados. Trinta e oito votos contrários. Vinte e três deputados não compareceram e uma abstenção.

A votação começou pouco depois das 5 horas da tarde e os 336 votos necessários para o impeachment foram alcançados às 18h50 com o voto do deputado Paulo Romano, do PFL de Minas Gerais. A votação foi interrompida e o plenário cantou o Hina Nacional.

"Senhor presidente, meu voto pela dignidade e por aquilo que Minas Gerais representa. meu voto é Sim. (Aplausos, gritos de Fora Collor. Canto do Hino Nacional).

O presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, anuncia então o destino da proposta.

"Aprovado o parecer. Está admitida a acusação contra o senhor presidente da República por crime de responsabilidade, segundo denúncia oferecida pelos cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenére. Decisão que será comunicada ao presidente do Senado."

O povo se manifesta contra o presidente e a Polícia Militar calcula em 500 mil as pessoas nas ruas em 17 capitais.

Um dia depois, o deputado Amaury Muller, do PDT do Rio Grande do Sul, reflete em Plenário sobre a decisão do dia anterior. Ele faz um discurso de desabafo pedindo punição a todos os envolvidos no episódio.

"Refletindo os anseios mais legfítimos e amplos da sociedade brasileira, a decisão desta Casa decreta o fim de um ciclo nefasto e hipócrita, que embora tenha durado pouco mais de trinta meses, provocou lesões quase irreparáveis no tecido político e social do país. Felizmente, os parlamentares souberam ouvir o clamor permanente das ruas, o grito dos oprimidos, e tomaram a posição que o país e a história deles esperavam."

Amaury Muller pede então medidas que possam punir os demais envolvidos no episódio.

"Não creio, senhor presidente, que ao sepultarmos esse período obscuro, nocivo e pernicioso, tenha definitivamente eliminado o tumor maligno que ameaça os valores do trabalho e da democracia. Há ainda um longo e tortuoso caminho a ser percorrido. Não basta despojar do poder quem não soube dignificar o poder. Não basta enquadrar ese mal presidente em crime de responsabilidade ou em delito comum. Não basta colocá-lo na cadeia. É preciso ir mais longe. À sombra do poder frutificaram interesses espúrios que agrediram e traumatizaram a Nação. Não é apenas o senhor Paulo Cesar Cavalcanti Farias responsável por este quadro hediondo que a nação viveu por quase trinta meses. Há muito mais gente envolvida nas falcatruas, nos escândalos, na corrupção que cercou desgraçadamente o Palácio do Planalto nesse período."

A decisão da Câmara obriga Collor a deixar o cargo e aguardar a decisão do Senado.

O Senado julga Collor no dia 30 de dezembro e aprova o impedimento por 76 votos a 3.

Um dia antes, o presidente renuncia ao cargo, tentando escapar do processo. Mas seu tempo tinha esgotado e seu ato não interrompe o processo.

Itamar Franco, que já exercia a presidência provisoriamente, toma posse em definitivo.

Collor tem seus direitos políticos cassados por oito anos, até o ano 2000. Em 1994, o Tribunal Superior Eleitoral absolve o ex-presidente do crime de corrupção passiva, por falta de provas.

Paulo Cesar Farias é preso na Tailândia em 1993. Ele cumpre dois anos de pena em Brasília, e após ser libertado é assassinado em Alagoas.

No próximo Câmara é História, você vai saber um pouco mais sobre o Governo Collor e o plano econômico heterodoxo que não deu certo.

Este programa Câmara é História teve como trilha a música "Que País é Esse?", da banda Legião Urbana.
Consultoria musical de Marcos Brochado
Trabalhos técnicos de Leandro Gregorine
Produção e Apresentação de Eduardo Tramarim
Coordenação de Jornalismo: Aprigio Nogueira.

O Câmara é História é uma produção da Rádio Câmara retransmitida por centenas de emissoras em todo o país. O programa resgata discursos e momentos do Parlamento relevantes, situando-os no contexto político e histórico da época em que foram proferidos.

O programa pode ser baixado e reproduzido gratuitamente por qualquer emissora do país.

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