Rádio Câmara

Reportagem Especial

Movimentos sociais - O olhar da imprensa (06' 39")

26/06/2006 - 00h00

  • Movimentos sociais - O olhar da imprensa (06' 39")

O olhar da imprensa sobre os movimentos sociais organizados, sobretudo os movimentos de luta pela terra, tem sido objeto de vários trabalhos acadêmicos. Muitos acusam o jornalismo de parcialidade e de falta de contextualização dos fatos que envolvem os movimentos. O professor Bernardo Mançano,
do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista, avalia as notícias divulgadas pela imprensa como um conjunto de boletins de ocorrências policiais. Ele se refere, em particular, à quebradeira protagonizada por um grupo do MLST na Câmara dos Deputados.

"A questão que a mídia deveria tratar para ter um papel democrático era por que aconteceu isso. Aquelas pessoas entraram na Câmara dos Deputados, cometeram aquele ato de violência porque gostam de violência ou a conjuntura pela qual isso aconteceu é mais ampla? O Movimento de Libertação dos Sem-Terra é um movimento de luta pela reforma agrária, pelo desenvolvimento da agricultura camponesa. Por que essas políticas não caminham? Por que essas políticas estão paradas? Por que a Câmara dos Deputados é representada majoritariamente pelos ruralistas, que impedem que a reforma agrária seja realizada, que se democratize o acesso à terra no Brasil? Então, fazer uma leitura mais ampla do que o processo de criminalização das pessoas que foram cometer esse ato violento dentro da Câmara dos Deputados"

Dalmo Dallari, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vê a imprensa como parcial. Para ele, os jornalistas não dão o mesmo tratamento aos fatos envolvendo classes dominantes e dominadas.

"Não vejo denúncias na grande imprensa a denúncias dessas ilegalidades e violências cometidas pelos grandes latifundiários, pelos grandes grileiros. No estado de São Paulo, tive acesso a um levantamento feito durante o governo Mário Covas, sobre o Pontal do Paranapanema. Verificou-se que grande parte das terras de fazendeiros é grilada. Naturalmente num conluio cartorário e com outros funcionários, eles conseguem construir no papel um documento em que aparentemente são proprietários que adquiriam normalmente suas áreas"

A professora Lucília Romão, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, de Ribeirão Preto, analisou o modo como a imprensa e as autoridades usavam o discurso para retratar os sem-terra. Ela descobriu semelhanças nas formas com que, no passado, se falavam dos quilombos, de Canudos, do levante de camponeses suíços de Ibicaba e das Ligas Camponesas.

"O que se falava, por exemplo, dos negros que fugiam para os quilombos? As cartas que eu analisei de fazendeiros, o texto da época, os documentos internos da Igreja diziam que os negros formavam quadrilhas, usavam foices, ameaçando os fazendeiros, bagunçavam a ordem no quilombo, eram criminosos, ameaçavam a segurança dos donos de terra. Então, essa forma de narrar tem toda uma coloração criminatória, condenatória, uma coloração que denigre a reivindicação social daqueles agentes sociais e a queixa que engendrou aquela luta, aquela forma de resistência"

A professora Lucília Romão considera que a grande imprensa costuma condenar os movimentos organizados politicamente, não apenas os de luta pela terra. Para ela, poucas vezes há a divulgação das causas sociais que geraram tais movimentos. Em vez disso, ocorre um deslocamento dos fatos para a esfera criminal.

"E quando esse deslocamento acontece, o que se espera é que para ações criminosas seja usada a força da lei, a punição, a condenação e por aí vai."

Já para Caio França, coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, o papel da mídia tem sido o de mostrar a complexidade que tem a sociedade brasileira e os grandes desafios que o Brasil ainda enfrenta para alcançar uma situação de justiça social. Segundo ele, esse é um papel que contribui para formar uma consciência nacional.

"A violência no meio rural brasileiro é constitutiva do próprio processo histórico, da própria formação brasileira. Podemos fazer referência à escravidão, às relações de dependência que os trabalhadores rurais mantiveram durante anos em relação aos coronéis, o desrespeito aos direitos fundamentais e a incorporação muito tardia dos direitos trabalhistas na área rural. Não devemos confundir os movimentos sociais, a sua legitimidade, a sua importância para a democracia brasileira com o tema da violência. Esses movimentos se orientam para a superação de condições e situações de violência que ainda existem no meio rural brasileiro"

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, 102 pessoas morreram no campo em decorrência da luta pela terra no ano passado. Deste total, 64 pessoas morreram por causas associadas ao problema da má distribuição de terra: inanição, excesso de trabalho e falta de políticas públicas, outros trinta e oito trabalhadores rurais foram assassinados.

De Brasília, Marise Lugullo

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