Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial IBGE: Política (09' 23")

19/06/2006 - 00h00

  • Especial IBGE: Política (09' 23")

O presidente Lula comemorou a última divulgação do IBGE sobre os números favoráveis à economia brasileira que apontou crescimento de 1,4% do PIB, o produto interno bruto, no primeiro trimestre deste ano em relação ao quarto trimestre do ano passado.

E o presidente comemorou porque esses números positivos sobre o crescimento da economia podem ajudá-lo numa virtual disputa eleitoral.

Mas nem sempre Lula gostou dos números publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No final de 2004, a divulgação de uma pesquisa de orçamentos familiares, pelo IBGE, levou a uma reação contrária do governo e do próprio presidente.

O estudo revelou na época que a fome crônica, cujo principal indicador é a deficiência de peso em relação a outras variáveis, era confirmada apenas em 4 por cento das amostras. Enquanto isso, mais de 40 por cento dos entrevistados apresentavam excesso de peso, sendo 11 por cento obesos.

Esses números prejudicavam o marketing do governo sobre o programa Fome Zero e não combinavam com o discurso de Lula sobre a pobreza, como comenta o professor de Ciência Política da UnB, Paulo Kramer.

"A tendência deles (governistas) é brigar com os dados quando os dados não favorecem. Eles não admitem nenhum reparo, nenhuma crítica para esse diagnóstico. O Lula tinha na cabeça que a pobreza no Brasil se traduzia em níveis de fome talvez semelhante ao de Biafra, na Nigéria. Quando na realidade não é isso, Nós temos pobreza sim, nós temos fome sim, mas nossa fome não pode ser comparada a outras regiões do mundo. É a fome brasileira"

Para evitar novas surpresas como essa, o Ministério do Planejamento publicou uma portaria pela qual o IBGE deve fornecer ao próprio governo o resultado das pesquisas pelo menos 48 horas antes de serem divulgadas.

A introdução dessa fase de pré-divulgação foi entendida como censura pelo Ministério Público Federal. O órgão entrou com ação civil pública pedindo que as pesquisas do IBGE não precisem ser submetidas ao governo antes da divulgação. A ação tramita ainda na Justiça federal, diz o procurador Marcio Araujo.

"A ação veio dois meses depois da portaria. De início, a juíza da Justiça federal aqui em São Paulo deu liminar suspendendo aquela portaria. Mas em seguida, por recurso do IBGE, o tribunal caçou a portaria, que é a situação do processo hoje. O Ministério Público continua com a pretensão na Justiça de anular essa portaria"

Na liminar, o procurador argumentou, que ao ter o acesso prévio às pesquisas, o governo pode formular previamente o discurso de acordo com os dados do IBGE.

"Esses dados para a sociedade servem inclusive para que o cidadão possa conferir se o governo está atingindo o que se propõe. Existe a possiblidade de se estruturar para um discurso que atenda o número que vai sair. Se perde a espontaneidade de um processo democrático de discutir o que esse número representa ou não as políticas do governo"

O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, diz que o relacionamento entre o Instituto e o Ministério do Planejamento, dirigido pelo deputado licenciado Paulo Bernardo, tem sido harmonioso. Nunes defende que o ministro tem o direito de ser atualizado sobre a pesquisa com 48 horas de antecedência.

"O que o ministro precisa é dessas 48 horas para conhecer o conteúdo dessa pesquisa e prestar alguma declaração a respeito de seu resultado. Mas isso em nada coloca em dúvida a integridade do resultado. Nem há a intenção da parte do Ministério de subordinar a divulgação dos resultados a uma avaliação prévia"

Outro problema que afeta o IBGE é a falta de recursos financeiros para dar sequência a pesquisas mais custosas.

O censo agropecuário e a contagem populacional, por exemplo, que deveriam ter sido realizados em 2001 e 2005, respectivamente, serão realizados apenas a partir de abril de 2007, em boa medida pelas restrições orçamentárias. E mesmo com a aprovação, as pesquisas foram adequadas a um orçamento menor.

A contagem populacional ficou restrita aos municípios com menos de 170 mil habitantes. E as capitais e grandes cidades ficarão fora da pesquisa e terão a população atualizada por estimativa.

Para o deputado Walter Barelli, está faltando apoio do governo ao IBGE.

"Os governos não têm dado todo o apoio que o IBGE precisa. O Brasil não sabe quantos desempregados têm. E o IBGE tem condições de fazer isso. Mas, por enquanto, só consegue levantar o índice de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas. E o Brasil não é só essas regiões metropolitanas. Nós precisamos saber o que acontece no interior do Brasil, nas pequenas e médias cidades"

O presidente do IBGE diz que há problemas de orçamento e estrutura do órgão. E que neste momento essa questão de estrutura e de reposição de servidores é muito mais importante do que discutir a independência da entidade.

"Por ter passado quase 20 anos sem concurso público para diversos servidores. Eu tenho uma massa de servidores grande em idade próxima da aposentadoria. Portanto eu tenho que preparar a reposição desses servidores par preparar o IBGE do futuro. Isso para mim é muito mais importante do que discutir a liberdade do instituto, porque ele já é independente."

A influência política do governo sobre o IBGE foi maior no passado e gerou estragos piores.

O deputado Walter Barelli lembra que o governo militar, em 1973, não apresentou números verdadeiros e o índice que reajustaria os salários dos trabalhadores sofreu expurgo. O corte prejudicou até mesmo o salário do então metalúrgico Lula.

"No tempo da ditadura, um dos índices que o IBGE fazia, que corrigia salários, foi manipulado. Eu como perito na Justiça Federal demonstrei. A mentira tem perna curta. A gente descobre o erro. E fica mal para um governo que mente com as estatísitcas"

Outro mau momento do IBGE aconteceu no início dos anos 90, quando o então presidente Fernando Collor prejudicou o órgão por meio de um corte orçamentário. Com isso, o censo demográfico, realizado a cada dez anos, foi adiado, prejudicando toda uma série histórica.

O professor de finanças públicas da UnB, Roberto Piscitelli, entende que para evitar possíveis manipulações do governo, a Fundação IBGE deveria ter mais autonomia.

"Evidentemente o mais desejável na minha opinião é que esse órgão tivesse a maior autonomia possível, o que traria mais credibilidade. Afinal de contas esse é um órgão que não trabalha para um governo. É um órgão de Estado, a serviço da população como um todo."

Para o professor da UnB seria interessante desvincular o IBGE de qualquer vinculação orçamentária e financeira do governo.

Além dessa questão polêmica entre política e estatística, nesta série sobre o IBGE você conheceu várias áreas de pesquisa da instituição. Das pesquisas domiciliares aos números da economia. E das pesquisas de população às informações geográficas produzidas pelo instituto. Se você perdeu algum dos outros quatro programas acompanhe através do site da Rádio Câmara (www.camara.gov.br/radio).

De Brasília, Eduardo Tramarim

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