Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Energia Nuclear - O maior acidente radiológico do Brasil, o do Césio -13 (07' 22")

24/04/2006 - 00h00

  • Especial Energia Nuclear - O maior acidente radiológico do Brasil, o do Césio -13 (07' 22")

CHAMADA: HÁ QUASE VINTE ANOS, EM 1987, GOIÂNIA VIVENCIOU O QUE ATÉ HOJE É CONSIDERADO O MAIOR ACIDENTE RADIOLÓGICO DO BRASIL, O DO CÉSIO-137.

A TRAGÉDIA DESENCADEOU UMA SÉRIE DE AÇÕES NA ÁREA DE SEGURANÇA NUCLEAR NO PAÍS, MAS AINDA HOJE MUITOS PROBLEMAS PERMANECEM.

E O QUE É PIOR: MUITAS DAS VÍTIMAS DA CONTAMINAÇÃO POR CÉSIO-137 CONTINUAM SEM ASSISTÊNCIA MÉDICA, SOCIAL OU PSICOLÓGICA. É O QUE VAMOS OUVIR AGORA NA TERCEIRA MATÉRIA DA SÉRIE DE REPORTAGENS ESPECIAIS SOBRE A ENERGIA NUCLEAR.

TRILHA MUSICAL

No dia 13 de setembro de 1987, dois catadores de papel de Goiânia foram buscar objetos em um local onde existia uma clínica de radioterapia há até poucos meses antes. Entre os escombros do antigo prédio, encontraram uma bomba de Césio-137 abandonada. Sem saber do que se tratava, desmontaram o material e o levaram para casa. A cor reluzente da fonte de Césio-137 acabou atraindo a atenção de outras pessoas, provocando a contaminação de três depósitos de ferro-velho, um quintal, algumas residências, um escritório da Vigilância Sanitária e diversos locais públicos. O resultado: o maior acidente radiológico do país. Quatro pessoas faleceram nos primeiros dois meses após o acidente. Monitoramento realizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, à época, apontou que mais de 290 pessoas apresentavam níveis de radiação acima do normal. Mas o número real de vítimas, ainda hoje, permanece uma incógnita.

Trilha musical

Meses após o acidente com o Césio-137, várias vítimas organizaram-se em uma associação. Desde então, os atingidos buscam um tratamento digno. Mas o problema é saber quem são as vítimas. Segundo o presidente da Associação, Odesson Alves Ferreira, cerca de 1500 pessoas deveriam receber assistência financeira e médica por conta do acidente. Entre elas, estariam as famílias atingidas diretamente pela bomba de Césio, trabalhadores que atuaram na descontaminação da cidade e moradores de regiões vizinhas à tragédia. O governo estadual de Goiás e o federal não pensam assim.

Odesson, que teve 40 pessoas da família envolvidas no acidente, conta que três leis tratam de parte das vítimas. A primeira, de 1989, é estadual e contempla 118 pessoas e seus filhos nascidos após o acidente, considerados vítimas diretas. Odesson e sua família fazem parte desse primeiro grupo, que tem direito a uma pensão.

Há um segundo grupo de vítimas que somente passou a ser contemplado em 1996, por uma lei federal. São 250 pessoas que também ganharam o direito a uma pensão vitalícia.

Uma terceira e última lei, de 2002, é estadual e estabelece uma pensão para os servidores públicos que trabalharam na descontaminação da cidade.

Odesson Alves Ferreira destaca que apenas o primeiro grupo de vítimas tem conseguido receber assistência médica integral da Superintendência Leide das Neves Ferreira - Suleide. E mesmo esse órgão criado pelo governo de Goiás especialmente para atender os radioacidentados de Goiânia tem perdido poder ao longo dos anos, com a redução de recursos. O presidente da Associação de Vítimas do Césio-137 fala das dificuldades enfrentadas por quem não tem um atendimento adequado.

"Então, essas pessoas das últimas duas leis estão desguarnecidas. Não têm assistência médica e não têm direito a um medicamento. Elas têm direito a uma consulta anual com os médicos da Suleide (Superintendência Leide das Neves). Porém , se o médico receitar algo, eles não recebem esse medicamento gratuitamente do governo de Goiás. A não ser que peguem no SUS, do governo federal."

E os problemas de saúde são muitos e demandam altos gastos, segundo Odesson.

"A radiação não tem uma doença específica, mas ela pode desenvolver vários outros tipos de doenças. Então, minha esposa, que tem 45 anos e gasta uma fortuna com medicamento, ela teve osteoporose precoce. Com 27 anos, já teve esse problema, assim como outras mulheres do grupo tiveram. Também homens têm problema de descalcificação óssea."

Além de cobrar assistência médica integral a todos os envolvidos no acidente, a Associação de Vítimas do Césio-137 também reclama que ainda não são reconhecidos como vítimas alguns trabalhadores que foram contratados para atuar na descontaminação da área, mas não eram funcionários públicos. Ademais, vizinhos da região de contaminação não são monitorados pelo poder público para saber se apresentam problemas de saúde decorrentes da exposição ao Césio-137.

O grupo de trabalho criado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara para investigar a fiscalização e a segurança nuclear no país reconhece como dramática a situação em que vivem os acidentados de Goiânia. O relatório final da comissão aponta a necessidade de se criar uma comissão especial para a identificação de todas as vítimas do acidente. Apresenta, ainda, projeto de lei para indenizar essas pessoas, levando em conta a responsabilidade da União.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear, responsável pela fiscalização das atividades nucleares no país, diz que, à época do acidente, não existia experiência técnica sobre o assunto. Mesmo assim, de acordo com o presidente da CNEN, Odair Dias Gonçalves, os responsáveis pela clínica que detinha o Césio-137 foram punidos. Também teriam sido identificadas, segundo normas internacionais, as pessoas contaminadas em maior grau. Odair Dias Gonçalves deixa de citar, no entanto, que a própria CNEN também foi condenada pela Justiça em função de sua responsabilidade no acidente, por não fiscalizar como deveria a fonte de Césio-137.

Para o presidente da comissão, o problema hoje ultrapassa a esfera da CNEN.

"No meu entender, e agora estou dando minha opinião pessoal, um dos grandes problemas - e aí acho que estado tem uma dívida com Goiânia -é na parte do tratamento psicossocial daquele acidente. /Ora, aquela região é uma região de baixo poder aquisitivo. Então, quando você cria uma coisa dessa, você gera um conflito social no qual a distorção chegou a tal ponto que as pessoas desejavam ser vítimas para poder ser recompensadas monetariamente. Isso é uma coisa extremamente triste, terrível."

O Grupo de Trabalho da Câmara sobre segurança nuclear concluiu que casos como o de Goiânia ainda podem acontecer no país. Segundo o relatório final do grupo, o Brasil ainda não conta com um sistema eficiente de controle de fontes radioativas. Além disso, de acordo com o texto, o banco de dados da CNEN não tem um nível de confiabilidade adequado.

O presidente da CNEN, Odair Dias Gonçalves, contesta. Segundo ele, desde o acidente de Goiânia, o Brasil desenvolveu um dos mais eficientes sistemas de controle de fontes nucleares do mundo, monitorando todas as áreas consideradas perigosas.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

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