Câmara é História

Íntegra do discurso do então deputado Gerardo Majella Melo Mourão (21' 44")

09/04/2006 - 00h00

  • Íntegra do discurso do então deputado Gerardo Majella Melo Mourão (21' 44")

"Com a palavra o deputado Melo Mourão.

Senhor presidente, senhores deputados,
Não sei se conseguirei chegar ao término do testemunho que hoje pretendo prestar à Câmara e à Nação. Pois de dois lados, senhor presidente, ergue-se o braço da morte armando contra mim. Golpeado a vinte e tantos meses por dois enfartes do miocárdio, tive minha recuperação brutalmente interrompida por uma seqüência de martírios que a memória dos homens só encontraria nos horrores dos campos de concentração da Alemanha nazista ou nas prisões da Rússia estalinista.

E mais: o inquisidor a cujas mãos acaba de arrebatar-me a soberania do mandato popular que me foi conferido pelo povo das Alagoas e pela dignidade desta Casa. O inquisidor a cujas mãos acabo de escapar advertiu-me expressamente de que encontraria meios de responder com a minha morte a qualquer revelação que eu me atrevesse a trazer a Câmara, ao Governo e ao chefe dos Exército das truculências que praticou contra a minha integridade física e moral durante dez dias de encarceramento.

Mas eu me atrevo, senhor presidente.
Eu me atrevo. Porque este testemunho é a defesa da minha honra. Da honra de meus filhos e de meu lar, da honra do Congresso, do Governo e do glorioso Exército nacional, que maneira alguma pode ser acumpliciado e confundido com os furores de um inquisidor inquilinado ao ódio e a violência.

Eu vou prestar esse testemunho, senhor presidente, ainda que ele seja o último da minha vida. Porque ainda que eu tombe no meio do meu relato eu terei tombado na defesa da honra e não apenas na de minha mulher e de meus filhos, mas da Câmara e da Nação"

"(....) Eu acho que ainda não se conveceram bem de que não é código. Talvez a esta hora o coronel Onaldo esteja consultando os criptógrafos de sua comissão de inquérito para decifrar o mistério daquele papelucho. E quando chegou o nome do coronel Luoureiro escrito em caracteres gregos.

- Isso é russo.
- Não é russo, é grego.
- É russo; Porque o senhor é nazista e comunista, o que é a mesma coisa.
- Não é russo, é grego.

E o papel ficou lá para averiguações para que a comissão decida se aquilo é russo ou grego.

Não sei se a esta hora já convocaram algum helenista ou algum (risos) "russófilo" ou "russita" para decifrar o meu perigoso papel.
Mas, senhor presidente, eu fiquei ali levado para a Caixa Econômica a partir das dez horas. Esse interrogatório que se prorrogou das dez da noite até as 6 da manhã de ontem. Então durante todas essas horas novamente se refez todo o meu processo no Tribunal de Segurança"

"(...) Fui afinal às 6h10, encerrado o meu depoimento, levado para o Dops. Segundo fiquei informado, fui levado para ali depois de uma conversa telefônica que o Coronel Onaldo Raposo mantivera com um certo coronel Darci Tavares, presidente da comissão de inquérito do Ipase, onde este coronel o aconselhava que para burlar a ação da Câmara que me convocara ele me mandasse para o Dops, para que eu ficasse congelando nas mãos do Boré por mais um tempo.

Levado ao Dops, ao chegar à porta do velho prédio da polícia central, o capitão de polícia que funcionava como escrivão do inquérito e que foi me conduzindo até lá, o mesmo que me espancou várias vezes. Advertiu-me à porta da polícia. Capitão Luis Henrique Moraes de Abreu, vulgo Capitão Vanderlei, disse:

-Olha, se sair daqui, se for para a Câmara, se for para a Imprensa, se abrir a boca para contar o que passou na comissão de inquérito, eu lhe dou um recado que é meu e do coronel Onaldo. Vai morrer.

- Paciência, eu só morro uma vez.

Chegado ao Dops, o comissário que me recebeu disse:

- Deputado, isso é uma violência inominável. É uma arbitrariedade. Vossa Excelência não pode estar preso aqui. Vou esperar o inspetor Boré chegar. Ele provavelmente depois de ouvi-lo vai libertá-lo.

Mas em todo caso fui introduzido nos xadrezes do Dops onde encontrei também inúmeros brasileiros, especialmente líderes sindicais presos a oitenta e tantos dias sem ver a luz do sol. Porque as instalações ali são precaríssimas. Amontoados, fiquei eu num cubículo de dois metros por dois metros, e onde estavam alojadas nove pessoas, ainda com o aparelho sanitário dentro. Sem janelas, sem luz, dando apenas a porta gradeada pra o corredor do calabouço. Mas à parte a precariedade das instalações, devo dizer a bem da verdade, que no Dops nenhuma tortura, nenhum desrespeito à pessoa humana eu pude presenciar. Fui até tratado com absoluta delicadeza.

E quando o comissário entra, o inspetor mandou me avisar pelo senhor Fioravante que o inspetor se recusava a me ouvir porque considerava uma ignonímia e uma arbitrariedade ouvir um deputado investido de seu mandato"

Fatos históricos que tiveram como palco a Câmara dos Deputados