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Reportagem Especial

Especial 15 anos de Mercosul - O ingresso de novos parceiros (07' 50")

20/03/2006 - 00h00

  • Especial 15 anos de Mercosul - O ingresso de novos parceiros (07' 50")

Em dezembro do ano passado, a Venezuela formalizou sua adesão ao Mercosul, na reunião de Chefes de Estado, realizada em Montevidéu,
capital do Uruguai. O país já era membro associado do bloco desde 2004, assim como a Bolívia. O ingresso dos novos parceiros, sobretudo da Venezuela, dividiu a opinião dos especialistas. Dono da segunda maior reserva de petróleo do mundo, o país está com os cofres cheios para investir. O alinhamento ideológico entre o presidente Hugo Chavez e Lula tem favorecido nesse sentido. Em 2005, a Venezuela importou dois bilhões e 200 milhões de dólares em produtos brasileiros e está investindo dois bilhões e meio numa refinaria em Pernambuco. Recentemente, anunciou a encomenda de 36 navios petroleiros a estaleiros no Brasil, no valor de três bilhões de dólares. Segundo um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria, a entrada do novo sócio não representa um impacto econômico significativo. A estimativa é de um aumento do Produto Interno Bruto do Mercosul em 7,7%, mas uma diminuição da renda per capita do bloco em 3,5%. O professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília Ricardo Caldas avalia que, do ponto de vista político, a entrada da Venezuela no Mercosul não traz benefícios ao Brasil. Para ele, o Brasil tende a perder espaço para o novo integrante do bloco.

"Do ponto de vista comercial, os ganhos esperados são relativos porque nós temos problemas estruturais para comercializar com a Venezuela, dificuldades para que nossos produtos cheguem até lá pelo meio rodoviário. Então, eles tenderiam a chegar ou pelo sistema aéreo ou pelo sistema marítimo. Isso já é um complicador. Outro aspecto é que o intercâmbio comercial do Brasil com a Venezuela é muito instável. Há períodos em que o preço do barril está elevado e a Venezuela tem um grande superávit e compra muito. Quando o preço do barril cai, a Venezuela tende a reduzir as compras de parceiros da região, especialmente do Brasil. Querer montar estratégia de exportação com parceiros que se caracterizam por uma grande instabilidade, é muito difícil. Além disso, é bastante questionável até que pontos nossas pautas são complementares"

Por outro lado, o estudo da CNI indica que há um potencial de ampliar em 28% a demanda por produtos brasileiros na Venezuela. O embaixador José Botafogo Gonçalves observa que a entrada da Venezuela no Mercosul pode trazer outras vantagens além do aumento do comércio.

"Existe uma complementariedade entre a economia venezuelana e em particular a brasileira, mas também com o resto do Mercosul, sobretudo no caso da energia, do petróleo do gás, mas também pelo fato de estar a Venezuela mais perto do Hemisfério Norte, é um caminho de acesso aos mercados do Atlântico Norte e do Pacífico mesmo. É uma questão que deve ser examinada com interesse, com seriedade e eu vejo boas perspectivas. Temo um pouco por excessiva preocupação de tornar a presença da Venezuela puramente política, uma espécie de associação de países subdesenvolvidos para fazer frente à dominação norte-americana. Seria um equívoco"

Os objetivos políticos da Venezuela é que preocupam muitos analistas. Alguns entendem que o país, marcado por instabilidade nos governos, não atenderia à cláusula democrática do Mercosul, institucionalizada pelo Protocolo de Ushuaia, em 98. A cláusula diz que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados partes. O economista Roberto Gianetti da Fonseca, ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior, é um dos críticos da entrada do novo sócio.

"Olha só que mau exemplo! Sem nenhuma negociação prévia, sem aquiescência às obrigações e direitos que o Mercosul obriga os seus participantes, a Venezuela entra, talvez para servir mais de plataforma política para o presidente Hugo Chávez do que na verdade para incrementar uma relação de comércio, que de fato nos interessaria. A Venezuela enquanto nação, enquanto mercado, é um país muito interessante, mas não da forma esdrúxula como foi feito, sem negociação, sem nenhuma vinculação às regras que estão estabelecidas para os seus membros. A Bolívia também, por causa do Evo Morales, é agora estimulada a integrar o Mercosul, no momento em que ela ameaça nacionalizar ativos internacionais, inclusive brasileiros, a colocar os seus recursos naturais em regime de expropriação e nacionalização. É absolutamente estimular uma contradição, de um país que procura quebrar contratos e não cumprir regras, e a gente convida ele para entrar no Mercosul. É muito estranho"

Há quem veja, porém, o ingresso da Venezuela no Mercosul justamente como a garantia para a
consolidação da democracia naquele país. Curiosamente, o argumento usado por esse grupo é o mesmo dos que se opõem à idéia: A cláusula democrática. O presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, senador Sérgio Zambiasi, está entre os que defendem a entrada da Venezuela no bloco.

"Entendo que a partir da Venezuela, os povos do Norte e Nordeste do Brasil também vão ter a percepção da importância da formatação desses blocos e da relação econômica e da relação humana também. Tem problemas na Venezuela? Concordamos, eles existem. Mas por isso vamos renegar a sua existência? Nós temos que reconhecer que Chávez é uma opção do povo venezuelano e nós temos que respeitar suas opções. Amanhã, pode surgir uma oposição forte e eventualmente poderá derrotá-lo nas urnas. Podemos concordar ou não com o formato da democracia venezuelana. Mas isso é uma outra história. Acredito que o ingresso desses países inclusive pode proteger o avanço democrático que já tivemos na América do Sul"

O papel de zelar pela democracia na sub-região formada pelos países do Mercado Comum do Sul caberá ao Parlamento do bloco, tema da terceira reportagem da série sobre os 15 anos do Mercosul.

De Brasília, Marise Lugullo

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