Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Consciência Negra - Conheça mais sobre o Estatuto da Igualdade Racial - ( 06' 24" )

01/12/2005 - 00h00

  • Especial Consciência Negra - Conheça mais sobre o Estatuto da Igualdade Racial - ( 06' 24" )

Trilha- música "Alma não tem cor", de André Abujamra

Quase metade da população brasileira é negra. Segundo o Ipea, os negros representam cerca de 47% dos brasileiros. E, apesar de diversos estudos demonstrarem enormes desigualdades entre brancos e negros no Brasil, o racismo ainda é um assunto velado, escamoteado.
Desde 2000, o Congresso discute a adoção de um projeto de lei que não apenas reconheça a discriminação racial, mas institua políticas públicas específicas para esses brasileiros há tanto tempo marginalizados. É o Estatuto da Igualdade Racial.
Na Câmara, o Estatuto está pronto para ser votado em Plenário desde 2002. Em 2003, o senador Paulo Paim, do PT gaúcho, apresentou a mesma proposta no Senado. Paim foi o autor do projeto da Câmara quando era deputado e, por isso, entendeu que teria legitimidade para apresentar novamente a matéria no Senado, de forma que as duas Casas Legislativas tivessem a oportunidade de discutir o tema em conjunto. O objetivo, segundo o senador, era agilizar a tramitação. Há alguns dias, o Senado aprovou o Estatuto e o enviou à Câmara. A expectativa é que os deputados apresentem um projeto de consenso entre o da Câmara e o do Senado até o fim deste ano.
Paim explica que, na essência, os dois projetos têm poucas diferenças.

"Mudança de fundo não tem. Os dois contemplam as propostas que foram apresentadas pelo movimento negro ao longo dessa última década. Trata de cotas, trata de quilombos, negro na mídia, trata da mulher, da ouvidoria, da religiões de matriz africana. O que houve foram algumas alterações de redação propostas pelo Executivo. Você sabe que num projeto, para evitar vetos, você também negocia com o Executivo".

Uma alteração do Senado preocupa, no entanto, integrantes do movimento negro. Os senadores retiraram da proposta a instituição do Fundo da Promoção da Igualdade Racial. O fundo garantia receitas da União para a efetivação das políticas públicas previstas pelo Estatuto. Na avaliação do coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, deputado Luiz Alberto, do PT da Bahia, essa questão é um dos pontos mais complicados do Estatuto e pode impedir que o projeto seja aprovado até o fim do ano.

"Acho muito díficil que a gente possa aprovar o Estatuto da Igualdade Racial ainda este ano. E nos próximos anos também. Por quê? Os problemas que estamos enfrentando e estamos tentando, nos esforçando para fazer um acordo sobre as divergências que existem - eles esbarram na questão fundamental. Ou seja, recursos para financiar políticas públicas.
Sabemos que existe uma concepção de política econômica que já, de alguma forma, cria obstáculos para as políticas universais. Muito mais será para essas políticas que não são consenso no conjunto da sociedade brasileira".

Luiz Alberto refere-se a um dos pontos mais polêmicos do Estatuto da Igualdade Racial: a previsão de cotas para negros nas universidades, no mercado de trabalho e também nos meios de comunicação.
O jornalista Edson Lopes Cardoso também teme que, sem uma definição clara sobre a origem dos recursos para as políticas públicas voltadas aos negros, o Estatuto acabe caindo no vazio. Lopes é editor do Jornal Irohin e foi um dos coordenadores da marcha Zumbi+10, que reuniu em Brasília, no último dia 16 de novembro, cerca de 800 militantes de movimentos sociais.

"Quando estamos insistindo no fundo, não queremos dizer que o Estatuto não tem nada. Claro que o Estatuto tem muitas coisas positivas. Agora o grande problema é que se você não compromete a representação política do Estado brasileiro com recursos para implementação das políticas. O que você tem? Você vai ter uma aclamação, formalização de direitos, mas nunca esses direitos virão na prática. A rigor, quando você pede que te definam recursos, você está pedindo é compromissos do Estado com implementação da política".

Edson Lopes Cardoso destaca que a lei 10.639 foi sancionada pelo presidente Lula em 2003 e até hoje não foi implementada de fato por falta de recursos. A norma prevê o ensino de história da população negra e da África nos currículos escolares.
Para José Carlos Nogueira, subsecretário de Políticas de Ação Afirmativa da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, é preciso ter cuidado quando se condiciona o sucesso do Estatuto apenas à instituição de um fundo. Na avaliação dele, o debate deve estar centrado em uma avaliação da qualidade das políticas universalistas e se essas têm sido suficientes para reduzir as desigualdades.

"a pergunta seria: se tivessem muitos recursos se resolveria? Talvez não. Porque uma política pública não basta que se tenha só os recursos. É preciso metodologia adequada, programas adequados, políticas fortes e testadas, inclusive. Vamos olhar, por exemplo, o Bolsa Família. É uma política que alcança a população negra em grande maioria. Mas vamos verificar se em um, dois, três anos ela conseguiu elevar a escolaridade das crianças negras. Se conseguiu diminuir a violência doméstica".

José Carlos Nogueira entende que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial é importante, mesmo que não se chegue a um acordo sobre o fundo. Para ele, o ponto principal do projeto está em orientar a condução das políticas públicas como um todo, prevendo inclusive as ações afirmativas. O senador Paulo Paim, autor do projeto do Estatuto, explica também que o fundo foi retirado do projeto do Senado porque se entendeu que o instrumento seria inconstitucional. De acordo com o senador, não se poderia gerar despesas para o Executivo por meio de um projeto de lei ordinária. O correto seria apresentar uma proposta de emenda constitucional, o que, segundo ele, será feito em breve.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

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