Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Consciência Negra - Desigualdades entre negros e brancos no Brasil - ( 07' 35" )

01/12/2005 - 00h00

  • Especial Consciência Negra - Desigualdades entre negros e brancos no Brasil - ( 07' 35" )

trilha- rap "Brasil com p", dos Racionais MC´S e interpretada pelo grupo brasiliense Gog

"Pesquisa publicada prova
Preferencialmente preto, pobre, prostituta pra policia prender
Pare, pense, por que, prossigo
Pelas periferias praticam pervesidades ."

Esse rap interpretado pelo grupo brasiliense Gog ilustra um pouco do preconceito no Brasil, especialmente o racial. Apesar de o senso comum indicar a violência como um problema que atinge igualmente a todos os cidadãos, são os negros as maiores vítimas. Inclusive do abuso de poder cometido por alguns policiais. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lançou recentemente um relatório sobre racismo, pobreza e violência. O documento revela que, no Rio de Janeiro, por exemplo, embora a população preta represente apenas 8% do total da cidade, ela corresponde a 30% dos assassinados pela polícia. Diz, ainda, que pesquisas mostram que os negros no Brasil são os únicos a sentirem mais medo da polícia que dos bandidos.
O rapper Martineli, de 16 anos, é morador da cidade do Varjão, localizada na periferia da capital do país. Ele tem um grupo chamado "Estilo Negro" e canta na sua música o problema da violência. Como nos relatos das pesquisas, ele fala sobre o descrédito em relação à instituição que deveria protegê-lo.

"A Polícia nem ajuda e só atrapalha. Atrapalha numa parte e ajuda na outra. Porque ela não quer saber quem é cidadão, pega um trabalhador e bate, aquele negócio de abuso de poder.
Você está ali conversando ali e eles pensam que está roubando. Aqueles que estão fumando lá droga eles não param lá não. Ficam com medo. Aqueles que eles vêem que não estão no crime eles vão lá e espancam. Outro dia a polícia pegou o taco de sinuca e quebrou bem nas costas do menino. Foi lá e rasgou a camisa do menino porque estava escrito rap. Eles não gostam de rap. É desse jeito aqui. Só discriminação deles.

O aumento da violência reflete-se também na esperança de vida da população negra.
Segundo o relatório do Pnud, a expectativa de vida dos homens brancos, em 2000, era de 68,2 anos, e dos negros, de 63,3 anos. Em 2001, a taxa de homicídios dos homens de 20 a 24 anos era, para os brancos, de 102,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Para os negros, a taxa era duas vezes maior: de 218,5 a cada 100 mil. De acordo com o documento, a maior parte dos jovens negros assassinados morava em favelas, periferias ou subúrbios das grandes cidades.
E as desigualdades entre brancos e negros aparecem não só nos índices de violência, mas em todos os demais indicadores sociais.
Entre as mulheres negras, por exemplo, grandes são as dificuldades para ingressar no mercado de trabalho e adquirir renda. Segundo o IBGE, em 2003, a renda média das mulheres negras brasileiras era de 279 reais contra 554 reais das brancas. Já entre os homens, a média salaria dos negros é de 428 reais, contra 931 reais para os brancos. Entre as mulheres, 13,8% das brancas eram empregadas domésticas contra 24,2% das negras. A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira, conta que o preconceito impede sua categoria de ter acesso a uma série de direitos dos outros trabalhadores, como FGTS obrigatório. Também integrante do movimento negro, Creuza Maria diz que os filhos das domésticas sofrem igualmente com a exclusão.

"como maioria das minhas irmãs e amigas, meus antepassados, a gente começou a trabalhar muito cedo. Eu comecei com 10 anos de idade. A gente tem assim na nossa categoria: todas começaram a trabalhar ou na infância ou na adolescência. A grande maioria na infância. Quando você vai ver, isso desde a época da escravidão que as crianças negras iam para o mercado de trabalho e não na idade adulta".

De acordo com o Pnud, as diferenças de renda e de acesso a boas condições de educação, saúde, moradia dividem o país em dois. Caso os brancos formassem uma nação à parte, o Brasil ficaria entre a 44ª posição no ranking de índice de desenvolvimento humano das nações. Se fossem levadas em conta apenas as condições médias de vida da população negra, o Brasil ficaria na 105ª posição.
O economista e consultor do Senado Federal Mario Teodoro calculou o custo do racismo no Brasil. De acordo com o estudo, o país precisaria investir cerca de R$ 67 bilhões em políticas públicas para reduzir as desigualdades entre brancos e negros.

"Nós fizemos uma estimativa, com o pessoal do jornal Irohin, que é um jornal sobre questão racial. Nós fizemos uma estimativa de que, grosso modo, o custo para debelar a desigualdade entre negros e brancos em termos de acesso à educação, habitação de qualidade e saneamento básico, esgoto, esse custo seria da rodem de 67,2 bilhões de reais."

Para Teodoro, o Estado brasileiro teria condições de arcar com esse custo. A quantia seria inferior, por exemplo, aos R$ 100 bilhões de patrimônio do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Na avaliação de Diva Moreira, editora do relatório do Pnud sobre racismo, pobreza e violência, o Estado brasileiro ainda não adota a luta contra as desigualdades raciais como prioridade.

"A minha opinião e não das Nações Unidas. Uma coisa sou eu como editora desse relatório. E agora como cidadã brasileira e como uma pessoa que tem compromisso visceral com a luta contra o racismo. Eu não acredito. Eu não acredito. O Estado brasileiro ainda trata a desigualdade racial como uma temática periférica, residual. Já faz parte da agenda política? É. Mas muito mais de uma forma retórica do que de uma forma efetivamente conseqüente, séria.

Diva Moreira explica que, para serem reduzidas as diferenças entre brancos e negros no Brasil, não bastam as chamadas políticas públicas universalistas, ou seja, voltadas ao conjunto da população. As disparidades são tão grandes que seriam necessárias, segundo ela, as chamadas políticas de ação afirmativa, como as cotas em universidades ou no mercado de trabalho.
Nas últimas semanas, por conta do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, o movimento negro cobrou do governo e do Congresso ações efetivas de combate ao racismo. Entre as reivindicações, um debate mais aprofundado do Estatuto da Igualdade Racial, que tramita no Congresso desde 2000.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

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