Rádio Câmara

Reportagem Especial

Estudo mostra que indicadores sociais da população negra são os piores possíveis (09' 04")

20/11/2005 - 00h00

  • Estudo mostra que indicadores sociais da população negra são os piores possíveis (09' 04")

1888 é um marco divisório entre duas épocas. Em nossa evolução social, a data assume um significado singular. Assinada em 13 de maio de 1888, pela princesa Isabel, a "Lei Áurea" pôs fim à escravidão no Brasil. Passados 117 anos, as estatísticas mostram que a Lei Áurea não garantiu mecanismos de inserção social do afro-descendente. E os indicadores sociais da população negra são os piores possíveis.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - divulgou na última quinta-feira um conjunto de indicadores sobre as desigualdades de gênero e raça no Brasil. Os dados referem-se à última década, e englobam os principais aspectos das áreas de educação, saúde, previdência social, emprego, renda, trabalho doméstico, habitação, saneamento, acesso a bens duráveis, exclusão digital, pobreza e desigualdade de renda.

Como mostram os dados do IPEA, hoje, 21 por cento das mulheres negras são empregadas domésticas e apenas 23 por cento delas têm carteira de trabalho assinada - contra 12,5 por cento das mulheres brancas que são empregadas domésticas, 30 por cento delas com registro em carteira. Outro dado que chama a atenção é que 46 por cento das mulheres negras nunca fizeram um exame clínico de mama - contra 28 por cento de mulheres brancas que também nunca passaram pelo exame.

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, do IBGE, realizada em 2003, a renda média mensal das mulheres negras no Brasil é de 279 reais para as mulheres negras, contra 554 reais para as mulheres brancas - e de 428 reais para homens negros contra 931 para homens brancos.

Diante deste quadro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu perante a Organização Internacional do Trabalho a existência de discriminações baseadas na cor da pele dos brasileiros.

Os dados da pesquisa podem parecer assustadores, mas para o senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, um dos parlamentares mais engajados na luta pelos direitos dos afro-descendentes, o resultado não causa nenhuma surpresa.

"Esses dados, por exemplo, da situação da mulher negra.Os dados conferem com dados que eu tenho, que ela recebe, praticamente, a metade do que recebe uma mulher branca na mesma atividade e na mesma função. Quanto ao tratamento de saúde, o exame da mama por exemplo, os dados vão, praticamente, na mesma linha. Isso demonstra que nós temos que investir em políticas, também no campo da saúde.Outros dados também são semelhantes, mostrando que no Executivo, o número de negros está muito distante do número de brancos, no Legislativo a mesma coisa, e no Judiciário a mesma coisa. Na área privada a mesma coisa. Se pegarmos os cargos executivos. Nas universidades o quadro não é diferente. Por isso essa realidade, para mim, tem de ser mudada.

No Brasil, a primeira iniciativa legal para combater o racismo foi a chamada Lei Afonso Arinos, de 1951. Ela previa punição para os que discriminassem as pessoas em razão da raça. Entretanto, a lei não classificava o racismo como crime, mas como mera contravenção penal, que se poderia punir com uma pequena multa. Em 88, a nova Constituição Federal passou a prever o racismo como crime inafiançável, definindo pena de um a quatro anos de reclusão para crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

Atualmente, tramita no Congresso um projeto do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, conhecido como Estatuto da Igualdade Racial. Para virar lei, o texto precisa apenas da aprovação no Plenário da Câmara e da sanção do presidente Lula. De acordo com o senador Paulo Paim, é preciso garantir aos afro-brasileiros políticas afirmativas objetivas para a promoção da igualdade entre brancos e negros.

"No Brasil, praticamente metade da população é negra. Se a metade da população é negra, é inexplicável a situação que se encontram os negros e as negras aqui no nosso Brasil. Por isso que o Estatuto da Igualdade Racial poderá ser uma ferramenta fundamental para essa inclusão, para essa política participativa e igualitária, que todos nós defendemos, já que o Estatuto trata de política na área de emprego, na educação, da saúde, a visibilidade que nós poderemos assegurar para os negros e negras na própria mídia. A cota de 20 por cento no rádio, TV, cinema e na televisão. Nós criamos as ouvidorias públicas, para que as pessoas possam fazer as denúncias de crimes de racismo em todos os municípios. Fortalecemos o acesso à justiça, aumentando inclusive as penas para aqueles que cometem atos racistas ou pre-conceituosos. Asseguramos a plena libertade religiosos à todos.

Para o deputado Luiz Alberto, do PT da Bahia, o Estatuto será um instrumento facilitador na redução das desigualdades. Luiz Alberto, que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, entende como ponto principal do Estatuto a criação do Fundo Nacional para o Desenvolvimento de Políticas de Ações Afirmativas.

"O central é o ponto que trata do Fundo.Nós queremos é garantir que tenha recurso suficiente para financiar, até por que, nós enfrentamos um drama - o Brasil enfrenta um drama: é o único País no mundo, talvez, que esteja discutindo uma política de ação afirmativa para a maioria da população.Nós não vamos abrir mão de um financiamento efetivo da política. Pode não ser até o Fundo, mas que tenha, efetivamente, a garantia de que o governo, o Estado brasileiro vai ter recursos para aplicar nas políticas públicas".

Para o deputado Luiz Alberto, outro ponto a ser destacado no estatuto é a criação das cotas raciais para afro-descendentes nas universidades e no serviço público. O Estatuto estabelece cota mínima de 20 por cento para a população negra em concursos públicos, vestibulares e no preenchimento das vagas dos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Além disso, as empresas que tiverem mais de 20 empregados também terão de reservar 20 por cento das vagas para os afro-descendentes.

O diretor-executivo da ONG Educação e cidadania de afro-descendentes e carentes, Frei Davi Santos, parabenizou os deputados e senadores de todos os partidos pela elaboração do Estatuto. Segundo ele, os congressistas, apesar da atual crise política, entenderam a urgência das reivindicações e perceberam que a comunidade negra merece ser ouvida nesse momento que se celebram 310 anos da morte de Zumbi dos Palmares.

Na opinião de Frei Davi, mesmo não sendo ainda o ideal, o estatuto já representa um avanço na legislação brasileira.

Até o dia 2 de dezembro, o Espaço Cultural Zumbi dos Palmares, da Câmara dos Deputados, promove a quarta Jornada África Brasil - celebrando a consciência negra. O evento, que começou no último dia 16, pretende mostrar para a sociedade brasileira o valor da cultura negra no processo de civilização do país. A exposição de fotografia "Imó Dudú-Sabedoria Negra", de Luiz Alves, ocorre no Espaço do Servidor.

Já Rayssa Coe usa a fotografia como forma de protesto contra o que ela classifica como prática sistemática da discriminação racial predominante no país. A exposição de Rayssa será aberta nesta segunda-feira, no corredor de acesso ao Plenário.

A programação que celebra a consciência negra prevê para a próxima terça-feira, no Hall da Taquigrafia, ao meio-dia e meia, uma edição especial do projeto Câmara das Artes, com a apresentação de teatro, dança, música e poesia. Também na terça, no Auditório Nereu Ramos, ocorre o lançamento do Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento sobre Desenvolvimento Humano Nacional 2005 - com os temas Racismo, Pobreza e Violência.

Já na quarta-feira, está previsto o lançamento da revista "Palmares", da Fundação Palmares, no Espaço do Servidor, às seis da tarde. Já no dia 28, será realizada a Mostra de Longas e Curtas-Metragens com temáticas ligadas à cultura afro-brasileira. Os filmes serão exibidos no auditório Nereu Ramos, a partir das 10 da manhã.

De Brasília, Antonio Júnior

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

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