Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial- Emigração - ( 12' 43" )

05/11/2005 - 00h00

  • Especial- Emigração - ( 12' 43" )

Mais de um milhão de brasileiros vivem de forma clandestina nos Estados Unidos da América. Homens e mulheres que em busca de um trabalho que lhes dê uma vida melhor arriscam suas vidas numa travessia ilegal pela porta dos fundos. Uma travessia que pode ser mortal.

Esta é a história de um brasileiro, que, como outros, "desapareceu" nos Estados Unidos pouco tempo após ter entrado de forma ilegal.

Sem documentos ou conhecidos, mal se pode dizer que Wendel Jonathan Pereira morreu. Sem o reconhecimento dos governos, e enterrado como indigente, o mineiro morto aos 23 anos é apenas um "João Ninguém" sepultado numa vala em um cemitério poeirento no Estado do Texas.

Menos para dona Lucia Maria Pereira, mãe de Wendel, que ainda busca por um documento de óbito e uma aliança de noivado, que presa ao dedo de Wendel foi o único objeto a identificar o brasileiro.

Essa também é a história de uma denúncia que levou um parlamentar brasileiro a inspecionar a ossada de outros 180 brasileiros também enterrados como indigentes em outro cemitério norte-americano.

Duas estórias tristes que fazem parte das denúncias que chegaram à CPI mista criada pelo Congresso brasileiro para investigar a realidade da emigração ilegal de brasileiros para os países do Primeiro Mundo e apresentar propostas de melhoria. Propostas que podem ajudar dona Lucia Maria a enterrar seu filho em terras brasileiras.

Não é apenas na ficção da novela "América" que as coisas acontecem. Na vida real, os emigrantes brasileiros ilegais que conseguem driblar a fiscalização da fronteira norte-americana enfrentam uma outra barreira a seguir: a da ausência de direitos e garantias básicas ao ser humano. Sem documentos, não há como requerer assistência médica gratuita sem correr o risco de ser preso e deportado.

TRILHA
A triste história de Wendel nos Estados Unidos começa pouco antes do Natal de 2004, quando deixou sua família e a noiva em Minas Gerais para com outros três companheiros e os "coiotes" intermediadores tentarem a travessia da fronteira entre o México e os Estados Unidos.

O grupo atravessou o Rio Grande a nado, na época de inverno, com águas geladas. Venceu a primeira barreira.

O destino de Wendel era o quente estado da Flórida, local onde pretendia obter um trabalho que lhe desse renda suficiente para voltar ao Brasil, casar, comprar uma casa, um automóvel e começar um negócio próprio. Estória muito parecida com a de todos os outros emigrantes brasileiros que tentam a sorte em outro país. As palavras são de dona Lucia Maria, sua mãe.

Sonora:
"Ele queria casar. Era apaixonado. Quando ele me falou, estava com tudo pronto para ir embora. Porque tinha perdido o empego na prefeitura. O prefeito novo tirou o emprego dele. Ele ficou sem saber o que fazer. Queria casar. A idéia era ficar três anos. O que ele queria era comprar uma casa, um carro, e trazer 20 mil reais para começar a vida com a esposa. O tempo que ele conseguisse isso, ele voltaria."

Wendel passou o último Reveillon em um hotel no Texas. Virou o ano. E ali ficou sozinho, desesperado, como diz sua mãe.

Sonora:
"Ele estava nervoso porque tinha chegado ao hotel no dia 27 de dezembro. E no dia 8 de janeiro ele ainda estava nesse hotel e os companheiros já tinham seguido viagem. Ele estava nervoso porque achou que tinha sido abandonado nesse hotel. Porque parece que precisa pedir ordem para passar, para sair. Eu não sei muito bem como é isso, porque a gente não sabe nem com quem está lidando. Então ele me pediu para ir até a casa da pessoa que o levou (para os EUA), para que pudesse adiantar a ida dele (à Flórida), porque ele estava passando mal, sozinho lá. Foi o último contato que eu tive com ele."

Nenhuma providência foi tomada pelo agenciador que facilitou sua ida e entrada nos Estados Unidos. Wendel continava sozinho no hotel. Só que agora estava passando mal. No dia 11 de janeiro, Wendel conversou pela última vez com sua então namorada, que mora na cidade de São Félix, em Minas Gerais, como explica dona Lucia Maria.

Sonora:
"Ele tinha um problema de asma e estava passando mal. Ele ligou e pediu à noiva que ligasse para quem mandou ele (aos EUA), para arrumar um jeito de arranjar uma injeção. Ela pediu que ele ligasse. Isso no dia 11 de janeiro. Foi a última notícia, e aí ele sumiu. A gente ficou desesperada. E quem levou não falava mais nada. E a gente não tinha como localizar. Depois, não sei bem a data, o rapaz disse que ele tinha sido hospitalizado e que tinha sido preso. E passou um telefone. Só que era mentira. Aí começou a busca e a gente não encontrava ele em lugar nenhum. Aí, com a ajuda de amigos, de pessoas de lá, de pessoas que a gente nem conhece. E no dia 14 de fevereiro é que tivemos a notícia de que ele estava morto e já enterrado. Ele foi localizado pela aliança de noivado. Uma aliança de prata. Era a única prova. Ele estava sem documentos. Estava sem nada.".

O caso de Wendel é similar ao de tantos outros brasileiros mortos em outro país e enterrados como indigentes por falta de documentação.

É o caso dos corpos enterrados na cidade de El Centro, na California. Só identificados como brasileiros pelas roupas, com etiquetas de marcas brasileiras. Denúncia que foi investigada pelo deputado Neucimar Fraga, do PL do Espírito Santo, que também é titular da CPI mista da Emigração. Ele explica como teve conhecimento da questão.

Sonora:
"Em depoimento à CPMI da Emigração, o jornalista Allan Rodrigues, da revista Isto é, fez uma denúncia: de que na cidade de El Centro, na Califórnia, no cemitério chamado Terrace Park, existia a possibilidade de haver cerca de 180 brasileiros enterrados como indigentes.
A denúncia foi feita pela presidenta da ONG "Mensageiros do Amor", Michelle Dryer, que faz um trabalho com os emigrantes que tentam atravessar o deserto. Essa ONG distribui ao longo do deserto vasilhas para que os emigrantes que tentam entrar clandestinamente nos EUA possam beber água durante a travessia."

Com base nessas informações, a CPMI da Emigração esteve nos Estados Unidos, entre os dias 17 e 23 de outubro, e Neucimar Fraga foi deslocado para a cidade de El Centro para atestar a veracidade das denúncias.

Sonora:
"No fundo do cemitério temos 440 túmulos e dentre eles, há possibilidade de ter 180 brasileiros. São corpos encontrados em estado adiantado de decomposição. Todos identificados como "João Ninguém" e com um número. Só se sabe que é brasileiro porque usavam roupas com marcas do Brasil".

Para tentar encontrar os parentes desses brasileiros mortos, o parlamentar defende a realização de uma campanha de mobilização, através da imprensa, de familiares de pessoas que partiram para os Estados Unidos há mais de três meses e estão sem dar notícia.

Sonora:
"Estamos trazendo a proposta para a CPMI. Nós prtetendemos fazer uma campanha aqui com a imprensa para os familiares que têm parentes que viajaram para os EUA há mais de três meses, e essas pessoas não ligaram para avisar o parente de que chegaram. Essas famílias procurariam a CPMI formando um cadastro, dando características que pudessem facilitar a identificação. E a partir desse banco de dados que iríamos formar, pediríamos a exumação dos corpos, e fazer a identificação até através do DNA. A partir daí, comprovado que o corpo enterrado é o corpo de brasileiro que foi reclamado, nós então pediríamos um repatriamento desses corpos para que as famílias pudessem fazer o funeral no Brasil".

Mas para esse repatriamento às custas do poder público é preciso que sejam determinados recursos no Orçamento Geral da União. De acordo com o deputado Neucimar Fraga, existe a possibilidade de que a previsão desses recursos no Orçamento vingue para o próximo ano, o que seria uma novidade caso seja aprovado pelo Congresso.

Sonora:
"Esse é um problema sério que estamos enfrentado porque o Governo brasileiro não tem em seu Orçamento nenhuma rubrica que cubra essas despesas de repatriamento de corpos. Mas este ano, a CPMI já sugeriu ao relator da LDO, deputado Gilmar Machado, e ele já incluiu na LDO a previsão de custos para ser incluído no orçamento, de rubricas para que possamos ter dotação orçamentária que permita o repatriamento de corpos."

A solução apresentada facilitaria a vida de brasileiros que não contam com recursos próprios suficientes para trazer o corpo de parentes de volta ao Brasil, como é o caso da família de Wendel. Hoje, para o repatriamento de um corpo dos Estados Unidos para o Brasil, o custo gira em torno de 15 a 25 mil reais, além de outras despesas.

Sem dinheiro para tanto, dona Lucia Maria quer ao menos contar com a certidão de óbito do filho e poder guardar a aliança que identificou Wendel. Pos isso, espera que alguém se sensibilize com sua busca.

Sonora:
"A gente queria esses documentos, A certidão de óbito. porque sem a certidão aqui, a gente não faz nada. A aliança dele que está lá. A gente sabe que ele está morto, mas não tem nada dele. Porque o corpo já não tem corpo mesmo. Era só isso que a gente estava buscando. Mas a gente não encontra porta aberta em lugar nenhum. Tudo que a gente procura a gente não tem resposta. Essa que é a verdade. É uma situação de angústia, de desespero, de mágoa. E de impotência, né. Porque a gente não pode fazer nada. Alguém que se sensibilize com isso."

O deputado Neucimar Fraga se prontificou a tentar fazer um contato com a representação do Ministério das Relações Exteriores nos Estados Unidos para verificar o que pode ser feito para ajudar a família de Wendel a trazer um anel e um papel ao menos.

Para essa situação degradante como a de Wendel e a de outros brasileiros enterrados como indigentes o relator da CPI mista da Emigração , João Magno, propõe uma atitude digna ao Governo brasileiro, de se preocupar com seus "filhos" desaparecidos, estejam onde estiverem.

Sonora:
"Eu penso que é um símbolo de dignidade de um país, que tem a dignidade de se preocupar com seus desaparecidos".

No proximo sábado, conheça as propostas apresentadas pela Comissão da Emigração. Propostas que vão da alteração do Código Penal Brasileiro, criando crimes próprios à área de emigração ilegal, até a proposta junto ao governo norte-americano de aumento de vistos de trabalho para brasileiros. Você vai saber também o que a Comissão pretende fazer em relação aos brasileiros clandestinos em países da Europa e no Japão.

Eduardo Tramarim, para a Rádio Câmara.

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