Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Transposição - Transposição : uma idéia antiga para resolver o problema da seca no semi-árido nordestino - ( 08' 41" )

20/10/2005 - 00h00

  • Especial Transposição - Transposição : uma idéia antiga para resolver o problema da seca no semi-árido nordestino - ( 08' 41" )

Hoje, fala-se muito em transposição do Rio São Franciso, que se propõe a levar uma porção da água do rio para regiões que sofrem com os efeitos da seca, nos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Portanto, não há como se falar em transposição sem falar em seca, cujos efeitos castigam o sertão há tempos. Segundo o professor da Universidade Federal de São Carlos, Marco Antônio Villa, escritor de um livro sobre a história da seca no sertão, desde a metade do século 16, já há notícias de secas. Com o aumento da população e a ocupação no interior, seus efeitos se agravaram. No século 19, foram observadas secas cíclicas, de intervalo médio de 20 anos. Isso indica um fenômeno climático, agravado pelas condições da região. O professor destaca uma grande seca entre os anos de 1877 a 1879.

"A seca que levou à morte 500 mil sertanejos, cerca de 4% da população brasileira, você imagina o que significou isso. Tem certas regiões que desaparecem: aldeias, pequenas cidades. Foi se agravando cada vez mais porque a população vai aumentando, você não tem um trabalho de convivência do homem com a natureza, afinal, seca não se combate, se convive com ela. Evidentemente, o processo de ocupação do sertão e o processo de devastação das florestas primitivas agrava o problema das secas, isso já foi identificado na metade do século 19, portanto, não é nenhuma novidade com relação a essa questão, e esse processo foi crescendo quando chega o século 20."

Marco Antônio conta que em 1909 o governo federal elaborou políticas para "combater a seca", com a criação da inspetoria de obras contra as secas. A política, naquela época, visava fundalmentalmente a acumulação de água e construção de açudes, como persiste até hoje na região.
Mas antes disso, já havia a idéia de transpor as águas do Rio São Francisco para amenizar os problemas do sertão, como explica Marco Antônio Villa.

"O primeiro sujeito que falou isso foi em 1818. Foi o 1º ouvidor do Crato, no Ceará. Foi a primeira vez. Desde lá, ela vem reaparecendo nos anos 30 do século 19, posteriormente nos anos 40, aí ela some da documentação. Depois da seca dos três 7, aquela seca de 1877, 78 e 79, reaparece como solução mágica, chega a ser discutida no parlamento do império na Câmara. Aí some também. Antes o D. Pedro chegou a criar um grupo que fez uma viagem ao nordeste, buscou encontrar algumas soluções. Veio um grupo de trabalho que durante 4 anos estudou o problema, chegou a propor a idéia de transposição, mas some da documentação."

Marco Antônio sustenta que a discussão reaparece no século 20, segundo ele, quando o governo não sabe o que fazer.

"Quando o governo não tem projeto para a região e há um problema grave na região, o governo desenterra, abre a gaveta, tira da poeira dos arquivos a idéia da transposição."

Em 1980, os técnicos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca chegaram a elaborar um projeto de transposição em parceria com um organismo norte-americano. Em 1983, o ministro do Interior do Governo João Figueiredo, Mário Andreazza, também apresentou proposta. Dez anos depois, o Governo de Itamar Franco tentou implantar o projeto. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a idéia foi retomada e também não saiu do papel. Mas, no Brasil, pelo menos outro rio já teve suas águas desviadas: o Rio Paraíba do Sul. O professor Demetrios Christofidis, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, doutor em Recursos Hídricos, explica o que foi feito.

"A transposição de água entre bacias é uma alternativa técnica que existe há muito tempo. No Brasil mesmo foi feita lá no Rio Paraíba do Sul, há muito tempo atrás, fez uma transposição, que hoje atende à cidade do Rio de Janeiro. São 8 milhões de habitantes atendidos por essa transposição do Rio Paraíba do Sul."

TRILHA: Riacho do Navio

A transposição proposta pelo governo Lula prevê dois eixos de obras de integração de bacias. O Eixo Leste, que vai integrar o lago da Barragem de Itaparica, no rio São Francisco, com os rios Paraíba e Ipojuca. No eixo Norte, a integração sai do rio São Francisco, próximo à cidade de Cabrobó, em Pernambuco, e levará água até as bacias dos rios Jaguaribe, Piranhas-Açu e Apodi. É bom salientar que o leito do Rio São Francisco não será desviado. Serão construídos canais para levar a água de um ponto a outro. Segundo o governo, a captação de águas não vai afetar os estados doadores nem o curso do rio. Isso porque a vazão a ser doada é de 26 metros cúbicos por segundo, sendo que vazão mínima histórica observada do Rio São Francisco foi de 1.850 metros cúbicos por segundo. OU seja, 1,4% do Rio São Francisco será usado na transposição. Quando a barragem de Sobradinho estiver cheia ou transbordando, serão utilizados mais 63m metros cúbicos por segundo. O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, diz que o governo não abre mão de garantir os 26 metros cúbicos por segundo à transposição.

"26m3/s são a única garantia exclusiva de saque sobre o rio. Porém se Sobradinho verter, o que acontece em 40% do tempo, é razoável que se dê mais 40m3/s para manejá-los e guardar lá no destino, fazendo com que o nordeste brasileiro tenha segurança hídrica e uma possibilidade aproximado ao mínimo que as nações unidas estabelecem."

Ciro Gomes diz que a ONU recomenda o consumo de mil e quinhentos metros cúbicos de água por habitante, a cada ano. No Nordeste setentrional, que vai receber as águas do São Francisco, a média é bem inferior: 450 metros cúbicos por habitante por ano. Segundo o ministro, o projeto de transposição vem para atender a este déficit de água.

"Não vai acabar com a seca, a seca é como a neve, é um fenômeno que vai estar aí na nossa vida. O que ele faz é permitir que 12 milhões de pessoas passem a conviver com a seca, sob o ponto de vista do abastecimento d´água, agora dela protegidos. Isto não é pouco importante, é gravemente importante. Mas dizer, por exagero, que isso vai acabar com a seca, não deve ser a qualidade de um debate honesto."

O ministro diz que, em 93, acabou a água da cidade de Fortaleza, o que se repetiu 3 vezes ao longo de 10 anos. Segundo o governo, a transposição é garantia de água para 12 milhões de pessoas. 470 comunidades já mapeadas ao longo dos eixos norte e leste, vão receber essa água de graça.

De Brasília, Adriana Magalhães.

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